O equívoco da reforma tributária

Por Everardo Maciel

Mais uma vez, retoma-se o debate sobre projetos de reforma tributária, com pretensões excessivamente ambiciosas.

Todos os sistemas tributários são imperfeitos, porque resultam de embates que envolvem conflitos de razão e de interesse nos parlamentos. Não são maquetes ou aplicativos. Ao contrário, são modelos vivos que retratam a complexidade de relações econômicas e sociais em uma sociedade.

Essa complexidade, por sua vez, é crescente, porque os sistemas tributários vão, ao longo do tempo, incorporando alterações – umas legítimas, outras não – que deformam a concepção original.

A imperfeição e a complexidade, todavia, estimulam ideias voltadas para a refundação dos sistemas tributários, no contexto de uma idealização improvável e pouco útil.

Problemas existem e sempre existirão, o que pretexta uma ação contínua centrada em matérias estratégicas, objetivando eliminá-los ou mitigá-los.

Os problemas do ICMS e do PIS/Cofins são sanáveis com mudanças cirúrgicas.

Há muitas razões contrárias a pretensões megalomaníacas de reforma tributária.

Mudanças têm custos e riscos. Estabilidade normativa, no âmbito tributário, é um ativo relevante para decisão sobre investimentos privados.

Em entrevista a Veja (27/09/2017), Eldar Saetre, presidente da Statoil (estatal norueguesa de petróleo), salientava que sua grande preocupação em relação à tributação brasileira era a imprevisibilidade. Acrescentou que, na Noruega, era alta a tributação da atividade petrolífera (78%), mas estável.

Em entrevista ao Financial Times, veiculada em Valor (28/04/2017), Warren Buffet, um dos maiores investidores do mundo, dizia: “As pessoas investem quando julgam que podem ganhar dinheiro, e não por causa da taxação tributária”.

Além disso, há riscos para o erário e para o contribuinte. Toda mudança repercute em alíquotas e bases de cálculo, de forma não previsível e de modo diferenciado sobre os contribuintes.

No limite, grandes mudanças podem assumir caráter aventureiro. Enfim, sistemas, como o tributário, só se conhecem bem com massa real.

Em tudo, não se pode esquecer a nossa imorredoura vocação para copiar modelos de outros países, construídos em circunstâncias peculiares e diferentes das nossas. É o servilismo cultural, polo oposto e igualmente medíocre da xenofobia no campo das ideias.

O mais grave é que buscamos copiar modelos em franca obsolescência, como o Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Enquanto isso pouco ou nenhuma atenção se dá às nossas mais severas enfermidades tributárias: o burocratismo, a indeterminação conceitual e o processo tributário.

A burocracia reina triunfante no sistema tributário. Suas pérolas são o cadastro múltiplo, as exigências de certidão negativa, a restituição de impostos, os óbices à compensação, etc.

É certo que indeterminação conceitual sempre haverá, demandando a intervenção esclarecedora da Justiça. Afinal, não existe um sistema de conceitos fechados.  O que é condenável é o exagero.

Ainda não pacificamos conceitos como faturamento, receita bruta, indenização para fins tributários, dissolução irregular de empresas, responsabilidade solidária dos sócios, substituição tributária, planejamento tributário abusivo, etc. É um absurdo.

O processo, desde o lançamento até a execução, é um primor de morosidade e ineficiência.

Na União, os valores em discussão administrativa e judicial somados aos créditos inscritos em dívida ativa correspondem a mais que o dobro da arrecadação anual de tributos.

Relatório produzido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que dos impressionantes 80 milhões de processos pendentes na Justiça cerca de 30 milhões dizem respeito à execução fiscal.

Ainda que contrarie a burocracia e a indústria da litigância, a urgente reforma consiste em debelar essas enfermidades tributárias. Ela, contudo, não tem o charme do desenho de um novo, imprevisível e desnecessário modelo tributário.

Recorro a Einstein: “é insanidade continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.