A anarquia orçamentária

A anarquia orçamentária

O Brasil, nos próximos anos, enfrentará grandes desafios fiscais, em uma conjuntura econômica internacional adversa. Foram muitas as despesas postergadas, notadamente o pagamento de precatórios por força das Emendas Constitucionais nº 113 e nº 114, de 2021, gerando uma bomba fiscal para os exercícios subsequentes.

Em artigo anterior, defendi a adoção de um programa de reestruturação do gasto público que prestigiasse a eficiência e prevenisse o despesismo. Cuido agora de suscitar reforma no processo orçamentário como instrumento de enfrentamento daqueles desafios.

Depois de um longo período de tramitação no Congresso Nacional, em 17.03.1964, foi sancionada a Lei nº 4.320, que se tornou uma consistente base normativa para os orçamentos públicos. O tempo, todavia, cuidou de torná-la obsoleta.

Até o Plano Real (1994), os orçamentos públicos eram ficções, porque a hiperinflação corroía continuadamente as dotações, cuja serventia era meramente formal. O orçamento era administrado no caixa.

Não há como deixar de reconhecer alguns avanços, como a extinção do Orçamento Monetário e a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal. Porém, os retrocessos foram maiores, sendo vários deles atribuíveis à Constituição de 1988 e alterações posteriores: os orçamentos autônomos dos Poderes da União não têm similar em nenhum outro país e explicam a relativa prodigalidade de gastos no Legislativo e Judiciário; a autorização constitucional para emendas visando à correção de erros e omissões converteu-se em espúria via para aumento na previsão de receitas visando a expansão das despesas; as vinculações de receitas e os pisos de gastos cresceram desarrazoadamente, engessando os orçamentos e desconhecendo a diversidade de demandas dos entes federativos; os restos a pagar, outrora inexpressivos, não só passaram a receber amparo constitucional, como assumiram valores significativos na execução orçamentária; os planos plurianuais são fantasias que se prestam tão somente como argumentos pueris em demandas judiciais, sendo inclusive padronizados e comercializados para Municípios.

As chamadas emendas parlamentares, de início pouco relevantes, foram gradualmente se tornando vultosas, ganharam status constitucional e assumiram caráter impositivo. Mais recentemente, surgiram as Emendas de Relator, não transparentes, e que, em geral, representam o mau uso do dinheiro público e não raro de corrupção.

É pouco realista o enfrentamento direto dessa disfunção. Um caminho para conferir racionalidade às emendas seria estabelecer a obrigatoriedade de vinculá-las a fundo ou despesa federal, em conformidade com uma futura lei complementar das finanças públicas (art. 165, § 9º, da Constituição) que é, até hoje, um clamoroso caso de mora legislativa. Esse passo não é tudo, mas é um bom começo.