Quem tem medo do CNJ?

Artigo de MARCELO NEVES, publicado na Folha de S. Paulo:

O Conselho Nacional de Justiça tem cumprido um papel fundamental para o aperfeiçoamento do Estado de Direito e da democracia

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) consolidou-se na gestão que hoje se encerra, sob a presidência do ministro Gilmar Mendes, com o auxílio do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp. Quando foi criado, há cinco anos, por força da emenda constitucional nº 45, pairava a suspeita de que o CNJ seria mais um desses órgãos burocráticos da bela fachada constitucional de uma estrutura jurídica em ruínas. Parecia-me mais uma experiência de constitucionalização simbólica: baixíssima eficácia social das normas constitucionais, combinada com forte apelo a elas no discurso político- jurídico.

Com o tempo, essa suspeita se dissipou. O CNJ passou a atuar como órgão fundamental à realização de nosso modelo constitucional e, portanto, do Estado democrático de Direito.
Em um contexto no qual grande parte dos órgãos atua à margem da Constituição e das leis, a presença ativa do CNJ constitui um caso atípico de instituição agindo efetivamente para subordinar agentes públicos aos marcos constitucionais e legais.

Evidentemente, o CNJ não tem condições de solucionar, de maneira abrangente, os graves problemas do Estado e da sociedade no Brasil, pois sua função restringe-se ao controle do Poder Judiciário. Entretanto, ele tem servido como um exemplo para todos os Poderes da República. É claro que o CNJ comete falhas, pois não há instituições perfeitas.

Nos seus desvios, ele está subordinado ao controle judicial do Supremo Tribunal Federal (STF), ao controle político do Congresso Nacional e às críticas da sociedade civil. Parecem-me, porém, descabidas as posições que insistem em um retrocesso, sustentando que a atuação do CNJ tem sido nefasta à autonomia do Judiciário, ao federalismo e à democracia.

Um dos pontos referentes à autonomia do Judiciário diz respeito ao controle pelo CNJ dos atos de órgãos judiciais que desrespeitem as suas decisões. A pretexto do correto argumento de que o conselho tem apenas a função de controlar atos administrativos dos juízes e tribunais, sendo incompetente para fiscalizar atos judiciais, vem-se defendendo a retirada da força de suas decisões de controle do Judiciário.

As decisões judiciais (exceto as do STF) que venham a ofender ou que pretendam julgar, rever, reformar ou anular decisões do CNJ, no âmbito específico de sua competência constitucional -“o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes”-, são nulas e, portanto, não têm eficácia jurídica em relação às últimas.

Ou seja, as decisões tomadas por esse conselho no exercício de sua competência podem ensejar o reconhecimento da ineficácia de decisões judiciais que contrariem seus atos, tendo em vista a possibilidade de que sirvam como máscara para burlar o cumprimento das decisões do CNJ, revelando, em última análise, patente invasão na competência desse órgão.

E, cabe acrescentar, o controle de constitucionalidade dos atos do conselho, inclusive de suas resoluções, mesmo na hipótese do controle incidental em um caso concreto, é de competência exclusiva do STF (art. 102, inciso I, alínea “r”, da Constituição Federal).

Em relação à democracia e ao federalismo, a objeção principal refere-se à atuação normativa do CNJ mediante resoluções.

É claro que não lhe cabe atuar no lugar do legislador democrático.

Mas, no âmbito de suas atribuições constitucionais, o conselho tem uma ampla competência normativa.

Se, por exemplo, o regulamento (norma infralegal) do Imposto de Renda não pode ser desrespeitado por lei estadual, muito menos as resoluções do Conselho Nacional de Justiça.
No estrito campo de sua competência constitucional de regulamentar e regular supletivamente a legislação federal com vigência nacional para o Judiciário, os atos normativos do conselho não podem ser violados por leis estaduais, prevalecendo, então, sobre estas.

O CNJ tem cumprido um papel fundamental para o aperfeiçoamento do Estado de Direito e da democracia no Brasil. São poucas as pessoas bem-intencionadas que insistem em um retrocesso, para reduzir o CNJ a um órgão sem significado no nosso arcabouço constitucional.

A grande maioria que se manifesta generalizadamente contra a função constitucional do conselho responde a interesses escusos, inclusive para garantir-lhe a impunidade, encobrindo suas intenções sob falso discurso em nome da autonomia do Judiciário, da democracia e do federalismo.

MARCELO NEVES , 52, advogado e professor universitário, doutor em direito pela Universidade de Bremen (Alemanha) e livre-docente pela Universidade de Friburgo (Suíça), é conselheiro do CNJ e autor, entre outros livros, de “A Constitucionalização Simbólica” e “Transconstitucionalismo”.

One thought on “Quem tem medo do CNJ?

  1. FOI E ESPERO QUE CONTINUEN COM A FINALIDADE PARA QUAL FORA CRIADO, POIS SOMENTE ASSIM O O POVO RENOVARÁ A SUA CREDIBILIDADE NA JUSTIÇA, QUE NO PRESENTE AINDA ANDA PELO TOTAL DESCRÉDITO.

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