O Múltiplo Supremo

O STF contratou a FGV para fazer um estudo a fim de mostrá-lo em números. O nome adotado foi “SUPREMO EM NÚMEROS”. O estudo vai ser disponibilizado no site http://www.supremoemnumeros.com.br , mas a apresentação que foi ao ar já permite algumas constatações, tais como:

– Quem mais demanda no STF é o setor público: Caixa Economica Federal, União e INSS são responsáveis por mais de 50% das ações que tramitam no STF;

– O STF não é uma Corte Constitucional. É, em verdade, um Tribunal Recursal;

– Dois mecanismos criados pela Reforma do Judiciário – a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral – reduziram em 70% os recursos ao STF.

Leia, abaixo, na íntegra a apresentação no site “SUPREMO EM NÚMEROS”:

Este 1º Relatório “Supremo em Números” apresenta uma abrangente análise a respeito do comportamento do Supremo Tribunal Federal nos últimos 21 anos, realizada sobre um banco de dados composto de mais de 1,2 milhão de processos, quase 14 milhões de andamentos, 1 milhão de partes dos processos e cerca de 370 mil decisões publicadas em seu website.

O Projeto “Supremo em Números” é uma realização da FGV DIREITO RIO, com o apoio da Escola de Matemática Aplicada – EMAp-FGV, e coordenada pelo professor Pablo Cerdeira.

Dividido em duas partes, este 1º Relatório identifica, na primeira, a existência de 3 perfis diferentes de comportamento do STF de acordo com alguns grupos de processos. Chamamos esses perfis de personas, sendo eles as personas Constitucional, Ordinária e Recursal. Classificamos como Constitucional o comportamento da Corte responsável pelo tratamento de questões de interesse geral, que abordam a Constituição acima de interesses particulares. Chamamos de Ordinária a parcela do Supremo que trata de casos de interesses individuais mas não recursais. Por fim, denominamos de persona Recursal o STF que cuida de recursos de massa, com questões muitas vezes repetitivas, mais especificamente os Recursos Extraordinários e os Agravos de Instrumento.

De início, notamos que a proporção de processos de cada uma dessas personas é bastante distinta. A persona Recursal é responsável por quase 92% dos processos nos últimos 21 anos, enquanto a Ordinária e a Constitucional por 7,8% e 0,5% respectivamente. O Supremo é, portanto, muito mais uma corte recursal suprema do que propriamente de controle concentrado de constitucionalidade. Nota-se também que o STF ofereceu às partes nada menos do que 52 portas de acesso (classes processuais) distintas ao longo dessas 2 décadas, sendo, possivelmente, uma das cortes com maior quantidade de possibilidades de acesso no mundo todo.

O 1º Relatório também apresenta um comparativo de crescimento entre suas personas, com algumas conclusões:

Os processos recursais e ordinários, no início da vigência da atual Constituição, apresentavam números equilibrados. Mas, em razão de entendimentos fixados pelo próprio STF, além de outros, esse equilíbrio foi rompido, e os processos recursais passaram a dominar o Supremo.

Os processos eminentemente constitucionais sempre tiveram pouca participação proporcional no STF, nunca ultrapassando os 3%. Em datas mais recentes, entretanto, sua participação chegou a ser reduzida a menos de 1% em razão do crescente número de processos recursais.

Os comportamentos distintos de cada uma das personas ficam bastante claros quando analisamos algumas variáveis, como por exemplo a quantidade de andamentos médio até o arquivamento dos processos e os tribunais de origem dos casos. Na personaRecursal os processos são arquivados com apenas 10,28 andamentos, na corte Ordinária com 21,73 e na corte Constitucional, com certeza os mais trabalhosos, com quase 32.

Com relação aos tribunais que originam os processos, o destaque é a participação dos juizados especiais. Criados para oferecer uma justiça mais célere, tornaram-se uma das principais vias de acesso ao STF, figurando como o terceiro tribunal de origem mais frequente.

Outra conclusão bastante importante é relativa ao duplo grau de jurisdição. Apesar de não haver qualquer determinação constitucional expressa a este respeito, a absoluta maioria dos processos que chegam até o STF, mais de 86% dos casos, já tiveram pelo menos dois julgamentos, talvez até três. É o que chamamos de “quarto grau de jurisdição”.

A partir da segunda parte deste Relatório aprofundamos a análise de cada uma das cortes.

A persona Constitucional do Supremo sempre teve uma participação pequena se comparada às demais. Este Relatório demonstra que seus processos nunca representaram mais de 3% do total. As duas principais classes processuais que integram o “papel constitucional” do Supremo são as Ações Diretas de Inconstitucionalidade e os Mandados de Injunção, sendo que este último, nos últimos recentes, assumiu papel de protagonismo. Os Mandados de Injunção, antes pouco utilizados, alcançam agora marcas superiores aos 1000 por ano. Cerca de 3 vezes mais que as Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Já com relação à persona Ordinária o grande destaque fica com o Habeas Corpus, remédio constitucional que, sozinho, representa mais de 270 processos por ministro por ano.

A última das personas a ser analisada é a Recursal, responsável pelo maior volume processual do STF, respondendo por quase 92% dos casos. Também é a persona mais afetada pela Reforma do Judiciário, que criou a Súmula Vinculante e da Repercussão Geral. Os processos recursais despencaram de mais de 110 mil processos por ano para pouco mais de 30 mil. Mesmo com esse anti-tsunami recursal, resultado extremamente positivo trazido pela Reforma do Poder Judiciário, concluímos que o número de processos ainda é muito alto, escapando da capacidade de julgamento do STF (apenas 50% dos casos com repercussão geral foram julgados). Verificamos também que não podemos associar redução no número de processos recursais no STF com maior e mais breve efetividade da Justiça. É preciso o desenvolvimento de novas estratégias.

Por fim, o grande cliente do STF recursal é de natureza pública: o Executivo Federal. Dentre os 12 maiores litigantes, apenas um não é do setor público. Apenas os 3 maiores litigantes – Caixa Econômica Federal, a União e o INSS – representam mais de 50% dos recursos ao Supremo.