O carrasco da floresta

bessafreire– O deputado Aldo Rebelo me agrediu, bateu no meu corpo com um porrete, rasgou minha camisa, tentou me eliminar a mando da senadora Kátia Abreu! Há testemunhas. Estou registrando a queixa. Ele vai pagar caro por essa agressão, vai perder a eleição.

Quem fez essa denúncia grave, em entrevista exclusiva à coluna Taquiprati do Diário do Amazonas, foi o jurista Curupira Ramos, sentado sobre um jabuti que lhe servia de banco, em sua casa no meio do bosque, as pernas cruzadas, os pés virados para trás, o cabelo vermelho, os dentes verdes, as orelhas enormes e o corpo tão peludo quanto o do seu sobrinho Tony Ramos (a genética é impressionante, não falha nunca!).

Taquiprati (TQPT) – Doutor Curupira, o senhor existe de verdade?

Curupira (C) – Essa pergunta é impertinente, você deve fazê-la ao Aldo Rebelo. Se eu não existisse, não poderia ser agredido. Aliás, o projeto de lei federal nº 2.762 – o único que Aldo apresentou em 2003, como líder do governo – instituía o 31 de outubro como Dia do Saci. Ora, se ele admite a existência até do meu primo, que tem uma perna só, então…

TQPT – Desculpe, Excelência, é que dizem que vós sois uma invenção do homem.

C – (arregalando os olhos negros) E daí? O Código Penal também é uma invenção do homem para organizar a sociedade. Só porque foi inventado não têm vida? Claro que tem. Aliás, existe justamente porque foi criado. As pessoas acreditam no Código e pautam seu comportamento em função dele. Tudo aquilo que o ser humano cria, passa a existir. A alegria e a tristeza também não têm forma física, mas existem porque a gente pensa nelas. Os homens pensam em mim. Sou pensado, logo existo.

TQPT – O que é que Vossa Excelência faz, afinal, na vida?

C – Sou legislador e, ao mesmo tempo, guardião da mata. Crio leis de proteção ao meio ambiente, à vida. Defendo a floresta. Protejo as árvores, os animais, os rios da ação predatória e burra. A natureza existe para todos nós, devemos retirar dela apenas aquilo que é necessário para nossa sobrevivência. Devemos repor o que tiramos. Se não for assim, a espécie humana desaparece. Por isso, criei um código que, como a Constituição dos EUA, não é escrito, são leis que fazem parte do direito consuetudinário. Castigo e puno os predadores que cometem crime ambiental.

TQPT – Poderia, por favor, exemplificar?

C – Perfeitamente. Minhas leis são codificadas em narrativas. O código escrito tem artigos e parágrafos. O código oral tem histórias e exemplos. Quem entendeu isso muito bem foi Couto de Magalhães, um advogado mineiro. Quando ele assumiu a presidência do Pará, em 1865, compilou a legislação oral, recolhendo centenas de histórias na língua nheengatu, contadas por índios e cabocos. Numa delas, um caçador índio mata uma veada recém-parida. Quando virou o corpo inerte para levá-lo à aldeia, viu que era o cadáver de sua própria mãe. Esse encantamento foi obra de Anhanga. Essa é a pena para quem não respeita o período de procriação e amamentação dos animais: mata a própria mãe. Os povos da floresta acreditam nisso como os povos urbanos crêem na escrita. E é bom que acreditem, porque foi assim que preservaram a diversidade da vida na mata.

TQPT – Mas o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) não sabia disso tudo, quando nessa quarta-feira, dia 9 de junho, na Comissão Especial da Câmara, terminou a leitura do seu parecer para mudar o Código florestal brasileiro?

C – Desculpa, não quero ofender, mas aqui pra nós, muito em off, o Aldo é meio obtuso, parece que comeu coquinho de tucumã. Seu parecer de 270 páginas demonstra profunda ignorância sobre a história e a as culturas amazônicas. Ele escreve que “índios e caboclos, depois de lutar contra o meio inóspito, ainda vivem como viviam seus antepassados há centenas ou milhares de anos, dominados pelas forças da natureza, perambulando nus ou seminus, abrigados em choças insalubres”… Nenhum pesquisador no mundo aceitaria uma bobagem dessa.

TQPT – Doutor Curupira, o senhor já encontrou com o Aldo lá na floresta? Porque se ele fala tanto, é porque deve ter andado por lá.

O Aldo é um urbanóide, nunca colocou o pé na floresta. Por isso, acha que a mata – a casa de índios e cabocos – é hostil. É hostil lá pra ele e pras negas dele, não para os povos da floresta. Aldo desconsidera mudanças e revoluções ocorridas nas sociedades amazônicas, registradas pelos arqueólogos. Ignora a arte, a música, a literatura, os conhecimentos na área de botânica, zoologia, astronomia, medicina, produzidos pelos índios. Nem suspeita que existe um código florestal oral. Ele afirma que “a conquista da Amazônia se deu com a expedição de Pedro Teixeira (1637-1639)”, como se a história começasse com os portugueses; ignora que 5.000 a.C os índios já desenvolviam agricultura sofisticada, iniciada com a domesticação da mandioca.

TQPT – Mas se o Aldo não entrou na floresta, será que não leu os estudiosos?

C – Não leu, meu filho. O Aldo não lê. E ainda por cima se assessora mal. Em vez de chamar quem manja do assunto, foi procurar uma advogada, a Samanta Piñeda, que é consultora jurídica da bancada ruralista. Pagou R$ 10 mil com dinheiro nosso para ela escrever aquela lenga-lenga. A proposta do Aldo esquarteja a floresta, suspende multas de crimes ambientais, reduz as áreas de preservação permanente (APPs), incentiva a exploração de várzeas e topos de morro. Além disso, ele é interesseiro. De acordo com a página na internet da ONG Transparência, a campanha de Aldo para as eleições de 2006 recebeu R$ 300 mil da Caemi-Mineração e Metalúrgica, R$ 50 mil da Bolsa de Mercadorias e Futuros, R$ 50 mil da Votorantim Celulosose e Papel e por ai vai.

TQPT – Excelência, me diga, o Aldo não é deputado do PCdoB, um partido que sempre defendeu os fracos, a floresta…

C (dando um assovio agudo e assustador) – Meu filho, o relatório do Aldo é uma afronta à sociedade e ao patrimônio ambiental do Brasil. Ele está preocupado só com o lucro imediato, e não com o dia de amanhã. Com isso, Aldo vai tirar votos de mulheres maravilhosas do PCdoB: Vanessa Graziottin (AM), Perpétua (AC), Jandira Feghalli (RJ), Alice Portugal (BA), Jô Moraes (MG), Manuela (RS), porque o eleitor não sabe que ele é, na verdade, um agente infiltrado da bancada ruralista no PCdoB. Ele devia ser expulso, devia se filiar no DEM (vixe, vixe!), onde é o lugar das idéias interesseiras que ele defende.

One thought on “O carrasco da floresta

  1. Acho que esse senhor nem mora aqui. Está lá no Rio. Deus me livre esses caras mandarem no Brasil.

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