Confiança e reciprocidade

Confiança e reciprocidade

A vida civilizada requer padrões mínimos de confiança e reciprocidade nas relações entre o Estado e a Sociedade.
No âmbito tributário, em que se exacerba o caráter impositivo do Estado, a observância daqueles requisitos torna-se crucial e se inscreve do domínio da moralidade do Estado e do contribuinte, primorosamente tratado na obra de Klaus Tipke, notável tributarista alemão.
De quando em quando, retorna ao debate o tema da pejotização, expressão de caráter pejorativo cunhada provavelmente pelos que ansiavam por arrecadação de contribuições sindicais. A rigor, traduz apenas a opção das pessoas físicas para se organizarem como pessoas jurídicas.
A questão central gravita em torno da licitude dessa forma de prestação de serviços, cada vez mais comum em outros países, como a Estônia.
No Brasil, ao menos em relação aos que prestam serviços, como pessoas jurídicas, nas empresas de comunicação social, essa dúvida não pode existir.
O art. 129 da Lei nº 11.196 de 2005 é cristalino: “Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil”.
A despeito da contundente clareza desse artigo, há uma insistente pretensão de qualificar essa prestação de serviços como infração fiscal, gerando um clima de terrorismo de Estado.
Se existem restrições à atividade que sejam expostas com clareza e fundamentação legal. Os contribuintes não podem ser surpreendidos por coerção a práticas recorrentes e presumidamente lícitas.
Não é razoável, pois, remeter a questão a procedimentos de fiscalização, com pré-julgamentos veiculados à sorrelfa na mídia.
Além disso, há teses que pretendem estabelecer um paralelo abstrato entre pessoas jurídicas prestadoras de serviço e pessoas físicas com contrato de trabalho.
As diferenças são abissais: gozo de férias ou sua conversão parcial em abono pecuniário, indenização por rescisão de contrato, 13º salário, FGTS, previsibilidade de remuneração das pessoas físicas confrontados com imprevisibilidade e custos das pessoas jurídicas. O tratamento tributário tem que levar em conta essas diferenças.
Os casos de dissimulação nessa hipótese ou em outras demandam um contorno normativo transparente e preciso, que detenha exageros de interpretação e de subjetivismo ou, eventualmente, ranços ideológicos. Daí, em nome da segurança jurídica, aflora a imperiosa necessidade de fixar limites para o planejamento tributário, como pretendeu fazer a Medida Provisória nº 66, de 2002, infelizmente não acolhida pelo Congresso Nacional.
A falta de transparência alcança, também, a PEC 45, autodesignada reforma tributária. Elaborada sem nenhum diagnóstico e clareza quanto a alíquotas, arrecadação e impactos setoriais, a PEC é um vazio de projeções, salvo pueris e fantasiosas especulações quanto a crescimento do PIB.
Para enfrentar esse deserto de informações é que, na mídia e em conferências, foram apresentadas projeções sobre os impactos setoriais, elaboradas por este articulista e, entre outros tributaristas, Hamilton Dias de Souza, Gustavo Brigagão e Ricardo Lacaz.
Nenhuma projeção, entretanto, foi enfrentada. Pontificaram tão somente arroubos verbais com pretensão de desqualificá-las, no indesejado clima de excessiva politização de temas que deveriam se sujeitar, primordialmente, ao crivo da razão.
Números não podem ser arrostados com bravatas, mas com outros números. Conduta diversa significa dizer que a proposta está maculada por aventureirismo, porque não se conhecem os números, ou por deslealdade política, porque eles são convenientemente omitidos. Os fatos são tudo, como dizia Machado de Assis.