Cálculo da Cofins: STF deu mais um passo rumo a pacificação entre contribuinte e Fisco

Do CONJUR, Por Fábio Martins de Andrade:

No último dia 12 de setembro publicamos artigo no Valor Econômico no qual traçamos breve evolução histórica de toda a celeuma processual envolvendo o RE 240.785 e o ajuizamento da ADC 18. Na ocasião, registramos o árduo trabalho que foi desenvolvido pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) para retomar o julgamento do RE 240.785 (que contabilizava sete votos já prolatados desde 2006), ao invés de se aguardar o início do julgamento da ADC 18.

Esse árduo trabalho, que também contou com a colaboração de outros colegas, culminou com a inclusão do RE 240.785 na pauta desta quarta-feira (8/10) do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Isso significa relevante conquista, na medida em que o processo iniciou o seu julgamento em 1999 no Pleno e se encontrava estacionado desde 2006 (e sem qualquer perspectiva de julgamento em um horizonte próximo).

Não obstante, a Fazenda Nacional, inconformada com a continuação do julgamento que se avizinhava, protocolou petição em 6 de outubro, na qual sustentou que: os autos do RE 240.785 “encontra-se sob a custódia do ministro Gilmar Mendes, em face de pedido de vista”; o tema em questão também está submetido ao Pleno nos autos do RE 574.706 e da ADC 18, razão pela qual os três processos deveriam ser pautados conjuntamente; a ADC 18 teria preferência de julgamento, “tendo em vista o caráter concentrado do referido feito”; em 14 de maio de 2008 o Pleno resolveu Questão de Ordem nos autos da ADC 18, na qual restou consagrada a precedência desse processo objetivo sobre o RE 240.785; e dos dez votos necessários ao deslinde do caso, faltariam sete, considerando a composição atual da Suprema Corte.

Contudo, entendemos que a petição da Fazenda Nacional claudicou. Vejamos. Em realidade, o pedido de vista do ministro Gilmar Mendes nos autos do RE 240.785 foi formulado na sessão de 24 de agosto de 2006 e foi devolvido em 4 de dezembro de 2007, como se verifica na relação de processos com vistas devolvidas no site do STF. Precisamente nesse entretempo, em 10 de outubro de 2007, a AGU procedeu a manobra processual de ajuizar a ADC 18, com o escopo declarado de renovar o julgamento desde o seu início (e, portanto, com o pretenso desprezo dos sete votos proferidos anteriormente).

Se é verdade que o tema em foco está submetido ao Pleno do STF tanto nos autos do RE 240.785, como também da ADC 18 e do RE 574.706 (com repercussão geral), é igualmente verdade que na sessão desta quarta-feira (8/10) estes últimos jamais poderiam ser chamados a julgamento. É que na ADC 18 o ministro Celso de Mello (relator) ainda não liberou o seu voto, o que inviabiliza pauta-lo. Por sua vez, o RE 574.706 não poderia ser incluído porque a ministra Cármen Lúcia (relatora) encontra-se em viagem internacional representando a corte (até o dia 9 de outubro de 2014 em Berlim, onde participa de um grupo de estudos sobre justiça transicional, organizado pela Fundação Konrad Adenauer, e nos dias 10 e 11 de outubro de 2014 em Roma, para a 100ª sessão plenária da Comissão de Veneza).

Desse modo, não seria razoável e tampouco proporcional que a retomada do julgamento fosse postergada ainda mais, depois de quinze anos aguardando a sua conclusão, como pretendeu a Fazenda Nacional.

Quanto a Questão de Ordem pela qual se decidiu pela precedência da ADC 18 sobre o RE 240.785, na medida em que o controle concentrado precederia o controle difuso, cuida-se, em realidade, de entendimento superado no âmbito da jurisprudência recente da própria Suprema Corte. De fato, entre o ajuizamento da ADC 18 — e a tal Questão de Ordem — e os dias atuais, a jurisprudência evoluiu no sentido oposto ao do fundamento que naquela ocasião acabou por interromper o julgamento do RE 240.785.

Nesse sentido, cabe registrar o recente exemplo destacado nos autos de petição protocolada pela CNT em 2 de junho de 2014 nos autos da ADC 18: “destaca-se recente julgado em Plenário (23.04.2014) do RE 595.838, que, em momento imediatamente anterior ao início das sustentações orais, ensejou a tomada da Tribuna por advogado representante da CNI alegando que a ADI 2.594, que trata do mesmo assunto em discussão no RE 595.838, deveria ser julgada antes mesmo, ou, ao menos, em conjunto com o RE em pauta naquela assentada, haja vista a sua tramitação no STF por mais de dez anos, ou seja, desde 01.02.2002 (assim como as ADIs 5.036 e 5.102 então apensadas)”. Em seguida, concluiu que: “Diante de tal ‘preliminar’, o Tribunal não só rechaçou veementemente o pedido da sustentação oral pleiteada pelo pretendido “amicus curiae”, como também verbalizou enfaticamente com a afirmativa de que, por se tratar do mesmo tema, nada impediria que o STF julgasse o RE e depois aplicasse o decidido nas ADIs que aguardavam julgamento”.

O despacho do ministro Celso de Mello, Relator da ADC 18, reconheceu expressamente que: “(…) a existência de ações diretas ou de ações declaratórias de constitucionalidade, (…) não impede que se julguem recursos extraordinários (como o RE 240.785/MG) ou outras causas em cujo âmbito tenha sido instaurado idêntico litígio constitucional” (DJe de 25.06.2014).

Por fim, a petição fazendária trouxe que dos dez votos que seriam proferidos supostamente faltaria colher sete oriundos da composição atual. Ora, nada mais equivocado. Em realidade, no RE 240.785 faltava colher os votos apenas e tão somente dos ministros Gilmar Mendes (que já devolveu a vista em 2007), do ministro Celso de Mello (relator da ADC 18 que não está em pauta) e da ministra Rosa Weber. Os demais estavam devidamente representados por seus antecessores nos votos anteriores.

Aliás, verifica-se que se o julgamento do RE 240.785 demorou tanto para ser concluído pela Corte Suprema, isso ocorreu exclusivamente em razão da manobra processual engendrada pela própria União, quando do ajuizamento da ADC 18.

Não fosse isso, a questão jurídica em tela provavelmente não permaneceria aberta até os dias atuais, pois o ministro Gilmar Mendes devolveu o seu pedido de vista em 2007. Ora, o mero pedido de vista formulado por ministro que pretende analisar melhor a questão jurídica submetida ao crivo do Plenário jamais deveria ensejar o desprezo dos votos já proferidos no julgamento, com o seu subsequente recomeço na composição mais atual (como pretendeu a União com o ajuizamento da ADC 18).

Tal entendimento, a toda evidência, significaria flagrante descrédito e permanente desgaste da instituição que é o STF. Nesse sentido, cabe registrar o seguinte trecho do despacho do ministro Marco Aurélio no RE 240.785, recentemente publicado no DJe de 3 de setembro de 2014: “O quadro gera enorme perplexidade e desgasta a instituição que é o Supremo. A apreciação do processo teve início em 8 de setembro de 1999, ou seja, na data de hoje, há catorze anos, onze meses e catorze dias. Após incidente que resultou em declarar-se insubsistente o que deliberado no início do julgamento, considerada a passagem do tempo, na sessão de 24 de agosto de 2006, veio à balha pronunciamento conhecendo do recurso extraordinário e, quanto ao mérito, houve a formalização de seis votos favoráveis à contribuinte. Mas, fadado o processo a incidentes, a sequência do exame foi interrompida, a pretexto de aguardar-se o atinente a processo objetivo – Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18”.

Por fim, impõe-se mencionar que o ministro Marco Aurélio, no início da sessão desta quarta-feira (8/10), informou ao Pleno sobre decisão que tomou mais cedo, no sentido de indeferir o pleito da União. Em seguida, o caso foi apregoado pelo Presidente e, finalmente, continuou o seu julgamento.

Inicialmente, alguns ministros debateram sobre a possibilidade de se atribuir ao RE 240.785 os efeitos próprios da repercussão geral (situação corriqueira com os recursos interpostos antes da vigência da lei que criou o instituto), lembraram-se da manobra engendrada pela União quando do ajuizamento da ADC 18 e registraram o enorme desconforto com a evidente demora na prestação jurisdicional. Como registrou o ministro Maro Aurélio no despacho anteriormente referido: “Urge proceder à entrega da prestação jurisdicional às partes”.

A conclusão alcançada naquele momento inicial, contudo, foi no sentido de que o resultado do julgamento se aplicaria apenas ao caso concreto, sobretudo levando-se em conta a expressiva mudança na composição do STF desde 2006 até os dias atuais.

Em seguida, o ministro Gilmar Mendes prolatou substancioso voto-vista concluindo pela constitucionalidade da espúria inclusão, trazendo alguns argumentos nos quais fundamentou o seu raciocínio.

A ministra Rosa Weber, cujo voto é por todos desconhecido no caso, decidiu não decidir, na medida em que lançou mão de dispositivo regimental que lhe facultava não se manifestar no julgamento quando não tiver participado do seu início (na fase de relatório e sustentações orais) e não se sentir apta a prolatar o voto. Lembrando que ela não participou da última sessão referente a esse processo, ocorrida em 2006, achou por bem não decidir, até porque o seu voto não faria diferença no resultado, vez que já tinha alcançado a maioria absoluta necessária, bem como aguarda a nova inclusão em pauta do RE 574.706 (com repercussão geral) para as próximas semanas, registrou a ministra.

Por fim, o ministro Celso de Mello prolatou o seu voto sintetizando as suas elaboradas razões, dado o adiantado da hora. Em breves linhas, rechaçou as razões de Estado para justificar o poder de tributar (e destruir) do Estado quando exercido em desrespeito ao Estatuto do Contribuinte insculpido na Lei Maior. Alinhou o seu voto ao do Relator, ministro Marco Aurélio.

Ao final do julgamento o resultado que foi proclamado contabilizou, em apertado resumo: 7 votos pela inconstitucionalidade x 2 (pela constitucionalidade) + 1 (deixou de votar regimentalmente) + 1 (cargo vago).

No último instante do julgamento, o patrono que atua na ADC 18 e no RE 574.706 buscou submeter ao Pleno Questão de Ordem para lançar ao tema o manto da repercussão geral (com a consequente aplicação a todos os casos na mesma situação). Todavia, o Presidente da Corte entendeu que não seria pertinente naquele momento.

Com o pronunciamento definitivo pelo Pleno do STF no RE 240.785, consagrou-se finalmente a tese jurídica defendida pelos contribuintes, no sentido de que é inconstitucional a espúria inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da Cofins e do PIS. Embora o resultado só se aplique, em princípio, ao caso concreto cujo julgamento foi concluído, aguarda-se a partir de agora, com enorme expectativa, para que o RE 574.706 (com repercussão geral) seja incluído em pauta logo nas próximas semanas, quando será iniciado novo julgamento sobre o tema (com a composição atual da Corte). Cabe registrar que este caso já foi incluído na pauta do Plenário em abril, mas não foi apregoado, podendo retornar a qualquer momento.

Hoje foi dado mais um passo rumo à pacificação social entre contribuintes e Fisco sobre o tema. Com o pronunciamento definitivo do STF em caso de repercussão geral (e a sua consequente aplicação na ADC 18), então certamente a questão jurídica, que foi levada ao Pleno em 1999, será finalmente concluída.

 

 é advogado, doutor em Direito Público pela UERJ e autor da obra “Modulação em Matéria Tributária: O argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico e as decisões do STF”.

Comentário meu: Isso ainda vai dar uma enorme confusão, por razões óbvias. Será um grande rombo nas contas do Tesouro.