A questão da ocupação das calçadas (espaço público) por particulares, a primeira vista, se resume, apenas, na presença dos camelôs nas ruas do centro. Vejo a coisa um pouco mais complicada e considero que essa é uma questão cultural mais ampla, e o que é pior, muito arraigada.
Tenho alguma experiência no trato dessa questão, principalmente pelos quatro anos que passei à frente da Prefeitura, e a minha visão é que tudo isso nasce da visão distorcida de uma parcela da sociedade de que “o espaço privado é de cada um, que pode fazer o que quiser; o público não é de ninguém, e, portanto pode ser ocupado por quem quiser e puder”.
A visão correta, a meu ver, é “ o espaço privado é de cada um, que pode fazer o quiser, nos limites em que não prejudique os outros, muito menos a coletividade; o espaço público é de todos, não pode ser ocupado e deve estar disponível para o uso público.”
O interessante é que os que ocupam espaços públicos nunca admitem o erro que cometem, mas culpam com veemência os outros que fazem a mesma coisa. O pior, porém, é que quem enfrenta a questão termina pagando um preço absurdo por isso e o certo vira errado e o errado vira certo.
Nesse quadro até o próprio “Estado”, no sentido amplo, ocupa indevidamente o espaço público dando o mau exemplo. E aí se até o “Estado” pode, por que o camelô não pode?
Vamos a alguns exemplos concretos, como o dos camelôs. Eles ocupam as calçadas e até ruas. Os lojistas fazem o mesmo expondo suas mercadorias e os proprietários de veículos que estacionam em cima das calçadas não estão fazendo nada diferente. Os três estão errados, mas cada um só acha que os errados são os “outros”.
E o pior, quando alguém resolve enfrentar a questão termina sendo estigmatizado. O Artur, vinte anos atrás, organizou o centro e retirou os camelôs. O que aconteceu? Foi estigmatizado como “não gosta de pobre”, “está a favor dos ricos” e quem fez isso se elegeu muitas vezes com esse discurso.
Hoje, vinte anos depois, finalmente a sociedade está acordando e vendo que o que ele fez foi o correto, mas, convenhamos, o preço que ele pagou foi absurdo e pior, ante o silêncio dos bons, que ficaram caladinhos, sem dizer um pio, com medo dos que estavam no poder.
Outros exemplos.
Praça da Saudade – cinqüenta anos atrás foi construído pelo Governo do Estado um “monstrengo”. Ficou lá por meio século, sendo usado como repartição pública, ante o silencio da maioria e o grito de uns poucos como o Senador Jefferson Péres que movimentou o Ministério Público possibilitando em 2007 a retomada do espaço para o público.
Tropeiro – restaurante bem freqüentado construído em área verde do Conjunto Eldorado. Na minha administração foi retirado por ordem judicial da Vara do Meio Ambiente, após provocação da Prefeitura. Pela retirada eu, Luciana Valente e Paulo Farias ouvimos muitos “elogios” de programas de TV, rádio e até mesmo, pasmem, de certas autoridades. Além de ganharmos, para sempre, o ódio dos que haviam invadido.
Carros em cima de calçadas – outro dia, “Azulzinhos” multaram 40 carros estacionados em cima de calçadas nas cercanias de uma Faculdade particular. Foram xingados e acusados de caça níqueis. Ou seja, os errados não eram os proprietários dos veículos, eram os “Azulzinhos”.
Tampa de bueiro – não tem coisa que a Prefeitura faça mais do que tampa de bueiro em calçadas. Isso em todos os tempos e elas estão sempre quebradas merecendo matérias nos jornais. Sabem por que? Porque os carros estacionados em cima das calçadas quebram as tampas dos bueiros, mas eu nunca vi uma matéria em um jornal reprovando quem estaciona em cima das calçadas.
Linha de bueiro – em 2007, houve uma forte chuva que causou alguns estragos na cidade. Lá na Cachoeirinha, uma casa arriou, exatamente porque havia sido construída em cima de uma linha de bueiro numa óbvia invasão. Quando cheguei lá a dona da casa estava braba esculhambando o prefeito e querendo saber quanto ia receber pelos seus prejuízos causados pelo desmoronamento da linha de bueiro. Ela disse: “Tá vendo, prefeito, a prefeitura passou a linha de bueiro por baixo da minha casa e ela desabou. E agora?”. Com muita calma eu perguntei: “Senhora, foi a linha de bueiro que passou por debaixo da sua casa ou foi a senhora que construiu em cima da linha de bueiro?”.
Essas questões merecem uma boa reflexão de todos que têm responsabilidade com o futuro de Manaus.
