Ter um futuro

Por Marina Silva:

Num debate no Rio de Janeiro, ouvi do ativista francês Daniel Cohn-Bendit: “Em nossa juventude, lutamos pela liberdade pensando que, com ela, faríamos o futuro que queríamos; hoje, a juventude precisa usar essa liberdade na luta para ter algum futuro”.

De fato, a política parece nos restringir a um longo presente, sem aprender com o passado nem projetar o futuro.

O Congresso aprovou o projeto que altera a destinação dos royalties do petróleo. O tema se arrasta desde 2011, quando o Congresso aprovou o marco regulatório do pré-sal e deixou os royalties para depois –das eleições, bem entendido.

A polêmica é sobre a divisão entre Estados e municípios produtores e não produtores, que não foi mediada na política e será arbitrada pela Justiça. Mais uma vez, o governo foi atropelado por uma base parlamentar mobilizada por interesses imediatos e pragmáticos.

Tão ou mais grave, mas que não ganha manchetes, é a destinação dos recursos. Prevaleceu a solução mais fácil, em que os governantes têm liberdade para gastar como querem, numa pulverização de recursos “boa de voto” e péssima para o futuro do país.

O petróleo é fonte de energia poluidora, que acelera as mudanças climáticas, mas o mundo ainda não pode prescindir dele. Energias renováveis e mais limpas –eólica, solar, biomassa e etanol– estão sendo desenvolvidas, mas ainda não são suficientes para substituir totalmente o petróleo. Cabe à atual geração usar o que tem antecipando-se aos problemas futuros.

Nos recursos do pré-sal, devem ter prioridade educação, ciência e tecnologia, além da prevenção das mudanças climáticas. Assim, o Brasil poderá liderar a transição para a economia de baixo carbono. O governo acenou com os recursos para a educação, mas não se empenhou na causa. E abandonou o Fundo Clima, criado no fim de 2009 com parte dos royalties do petróleo. O PL atual o deixa à míngua e compromete a Política Nacional de Mudanças Climáticas.

Como o governo e sua base parlamentar vão manter os projetos de combate à desertificação no semiárido nordestino, combate à erosão e gestão de áreas costeiras, prevenção de desastres naturais, manejo florestal, monitoramento da emissão de gases-estufa?

De onde virão os 10% do PIB para garantir o Plano Nacional de Educação que tramita no Congresso? Como manter os recursos destinados ao Fundo Clima, para cumprir as metas da política de mudanças climáticas? Devemos esperar que a próxima geração pense no futuro quando ele tiver chegado?

Se brasileiros considerarem seriamente a proposição dramática de Cohn-Bendit, “lutar para ter um futuro”, e o chamado de Stéphane Hessel, “indignai-vos!”, em pouco tempo a Europa pode ser aqui.