Socialismo à cubana

Por José Dirceu

A chegada dos cabos submarinos que partiram da Venezuela em direção a Cuba para levar internet de alta velocidade à ilha é mais um sinal, entre muitos, de um processo acelerado de modernização que teve início no regime cubano nos últimos anos. Trata-se de um momento delicado de reorganização interna, que coloca Cuba na mira de críticos à direita e à esquerda, e cujos efeitos sobre a população cubana são, na verdade, imprevisíveis.

Por um lado, socialistas ortodoxos veem nas transformações conduzidas pelo governo de Raul Castro uma traição à filosofia marxista, como se o que está em curso fosse apenas uma lenta transição rumo ao Capitalismo de Estado. De outro lado, a direita, exagerada, vê nas reformas uma admissão de fracasso que busca estampar nas costas de todas as vertentes da esquerda do mundo.

Subestimam, ambos os lados, a complexidade do processo e dos resultados da revolução cubana. É verdade que a ilha sustenta estruturas de Estado e metodologias de trabalho ultrapassadas, como excessivas centralização e burocratização, que levaram a uma permanente crise econômica. Mas, também graças a esse processo, mantém uma rede de saúde pública de abrangência e qualidade invejáveis, bem como um sistema educacional e de acesso à cultura exemplar.

Em um momento em que Cuba têm mais aliados do que inimigos, existe espaço para conduzir reformas que permitam ao país construir um novo modelo de desenvolvimento, baseado no trabalho coletivo, na dinamização do mercado interno e na distensão das relações políticas. O plano qüinqüenal que será aprovado em abril e seguirá até 2016 deve conter mudanças importantes: a reforma na economia pode incluir a liberação do comércio de casas e carros, além de uma redução considerável nos itens da libreta.

Para tanto, a agricultura foi totalmente liberada para que pequenos produtores comprem insumos e vendam seus produtos no mercado, reduzindo a necessidade de importações; houve distribuição de terras por parte do Estado no campo e o desenvolvimento de um programa de agricultura urbana, que viabiliza a produção de alimentos em áreas comunais entre os prédios de Havana. Com a demissão de 500 mil funcionários públicos neste ano –o plano é demitir 1,3 milhões–, Cuba transfere para seus cidadãos cada vez mais serviços que estavam centralizados no Estado, fortalecendo o empreendedorismo (ou “contapropismo”, como as reformas estão sendo chamadas).

O controle político e informacional também está afrouxando, a partir da permissão de posse de celulares e a instalação de internet de alta velocidade na ilha. Certamente existe resistência de certos setores do Partido Comunista de Cuba a essas mudanças, mas a substituição de gerações é inevitável: há poucos anos, os jovens líderes do partido que eram tidos como favoritos à sucessão de Fidel Castro foram retirados da disputa, mas nem isso freou o impulso modernizador da revolução. Em novembro, a conferência do PC promete promover reformas importantes em sua estrutura.

Venha o que vier à nova Cuba que nascerá a partir das reformas que tiveram início neste século, é salutar que esses processos estejam caminhando na direção de permitir maior participação popular, tenham passado por ampla consulta entre a população e busquem resultados não apenas no aspecto dos indicadores sociais, mas também no econômico –componente importante da liberdade do indivíduo.

A colaboração de Brasil, Argentina, Venezuela, China, Vietnam, países da Europa e outros que têm buscado o mesmo objetivo de desenvolvimento inclusivo e sustentável é imprescindível para que esse processo de mudança e abertura possa desenvolver-se de dentro para fora, modelo superior à terrível opção da interferência exterior de potências mundiais na ilha, com posterior imposição de uma “democracia” que, por ilegítima, seria altamente instável.

José Dirceu, 64, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT