Mulher pode?

Por MARTA SUPLICY

Mulheres começam a ocupar postos aos quais não tinham acesso, mas, ao desempenhar suas ações com firmeza, logo são chamadas de autoritárias

Essa pergunta deveria soar absolutamente absurda na segunda década do século 21. Afinal, conquistamos o cargo político mais importante, que é o de primeira mandatária da nação.

Pela primeira vez, temos vice-presidentes mulheres no Senado e na Câmara, chefiamos nove ministérios e até a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Importantes empresas públicas e privadas já há algum tempo têm aberto posições de comando nas suas estruturas.

Por outro lado, segundo o Dieese, na região metropolitana de São Paulo ganhamos 76% do salário dos homens para fazer as mesmas tarefas. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo aponta que cinco de nós apanham a cada dois minutos no país. Outra, do DataSenado, que ouviu apenas mulheres, mostra que somente 6% das entrevistadas consideram que a mulher é tratada com respeito no Brasil. Segundo essa mesma pesquisa, 81% delas denunciariam se presenciassem um caso de agressão.

São exatamente essas contradições entre ocupação de espaços, mudança de disposição ao enfrentamento da violência e baixa autoestima que indicam que algo mudou. O momento é de transformação e transição, mas este é um país de paradoxos.

Gay e travesti são bem-vindos na vida “real” da novela e no Carnaval, mas não podem ter direitos de cidadania elementares. Mulheres começam a ocupar postos aos quais não tinham acesso, mas, quando desempenham suas ações com firmeza, não importa o cargo, logo são chamadas de autoritárias.

Entretanto, acredito que sairemos desse período, irreversível, com espaços mais amplos para as mulheres do que na maioria dos países, inclusive de Primeiro Mundo. A rapidez da abertura da porta para isso, com a eleição da presidente Dilma, já ficou demonstrada com as primeiras nomeações.

Como constatamos, as consequências mais aparentes foram rapidíssimas. As do mundo cognitivo, pelas quais passa o simbólico de ter uma mulher como presidente da República, vamos demorar mais para avaliar.

Mas tenho certeza de que, na cabecinha das meninas, o “mulher pode” já tem um futuro melhor do que na das mulheres entrevistadas pelo DataSenado, que não se veem tratadas com respeito no Brasil.

Para superarmos a violência de gênero e a cultura machista, que ainda impõe tantos obstáculos para a mulher, principalmente na entrada em uma carreira política, os esforços deverão ser prioritariamente em creches, em educação e em projetos que propiciem a independência econômica.

Enquanto a mulher não tiver condição de se manter, ganhar o mesmo que os homens pelo desempenho de funções similares e ter os filhos cuidados, o avanço será a passos tímidos. A possibilidade de identificação com uma imagem forte de mulher já está bem encarnada na figura de nossa presidente.

O caminho para que essa ideia se concretize vai depender de políticas públicas voltadas para a mulher. Para nossa sorte e alegria, Dilma tem a total percepção dos caminhos. E por isso acredito que esse momento pelo qual passa a mulher brasileira supera, com ela, a primeira fase. Mulher pode, sim.

MARTA SUPLICY, senadora pelo PT-SP, é vice-presidente do Senado Federal. Reproduzido da FOLHA DE SÃO PAULO.