Quem é ele?

Por Marcelo Ramos:

Ele era pobre, era negro. Sua mãe era empregada doméstica, seu pai abandonou a mãe quando soube da gravidez e nunca mais apareceu. Sua mãe saia de casa pra trabalhar e ele ficava com seu irmão, também uma criança, também pobre, também negro.

Não. Ele não virou um marginal. Ele não é um menor infrator, apesar da violência imperar no lugar onde mora. Não. Ele nunca experimentou as drogas, apesar dos traficantes comandarem as ruas do seu bairro e assediarem as crianças e adolescentes da sua escola.

Ele é um sobrevivente. Ele luta com a sua mãe e seus irmãos para sobreviver de forma digna. Ele sai cedo pra trabalhar. Vai de bicicleta porque não pode pagar o ônibus. Recebe um salário mínimo e a maior parte dá pra sua mãe pagar as despesas de casa. Ele não vai no cinema, não tem computador, nem nunca teve videogame.

Ele estuda em escola pública. As vezes falta merenda. As vezes não tem aula. As vezes a turma mata aula. Mas ele nunca falta. Ele trabalha e vai à escola. Ele é um bom aluno e sonha com a Universidade. Sonhar ser doutor.

Ele se envolveu num acidente com vítima. Não. Ele não era o autor. Sim. Ele era a vítima.

Ele foi atropelado por um jovem rico voltando da balada, bêbado e que não prestou socorro.

Não. Ele não morreu. Perdeu um braço. O braço dele foi jogado pelo jovem rico num rio. Não. Ele não encheu seu coração de ódio, ele perdoou o jovem e apenas exigiu que a justiça, sem vingança, fosse aplicada. Não. Ele não sabe se a Justiça será feita.

Não. Não houve comoção geral. Não. Não repetiram as imagens do atropelamento nos jornais da TV. Não. O Datena não chamou o jovem rico de marginal e nem de bandido. Não. Não falaram em aumentar pena para esse tipo de crime. Não. Não fizeram protesto porque o jovem rico não ficou na cadeia.

Sim. Ele não tem nome. Ele não tem rosto. Ele não tem história.

Sim. Há muitos valores por trás desse mundo em que uns bebem, dirigem e atropelam e outros estudam, trabalham e são atropelados. Em que crimes cometidos por pobres comovem e crimes cometidos contra pobres viram estatísticas.