Polêmicas sobre tributação de bancos

A inobservância de princípios prudenciais nos negócios financeiros indiscutivelmente está na raiz da crise econômica internacional, que teve início com a farra dos financiamentos imobiliários nos Estados Unidos e agora prossegue com os desequilíbrios fiscais na Zona do Euro, não se vislumbrando seu fim.

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, em artigo recentemente publicado, prevê que estamos às vésperas da terceira grande depressão.

No enfrentamento da crise, foram adotados remédios diversos, desde estímulos ao consumo até o socorro estatal a grandes corporações privadas, daí passando a vultosos aportes de recursos para instituições financeiras.

Esses aportes, ainda que justificados pela prevenção a crises sistêmicas, produziram indignações em alguns governos. A Alemanha e a França, no âmbito do G-8, passaram a defender uma tributação especial sobre as instituições financeiras, como, talvez, uma espécie de reparação pela crise decorrente de práticas setoriais de capitalismo selvagem. Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá veem com restrição essa tese.

Proposições visando um tratamento tributário severo para os bancos e os negócios financeiros não constituem novidade.

No Brasil, a receita bruta e os lucros dos bancos, ao longo do tempo, têm merecido tratamento tributário, de alguma forma, mais oneroso pelo IR, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS e Cofins; os juros remuneratórios do capital próprio retiraram a vantagem fiscal conferida aos empréstimos vis-à-vis os investimentos diretos; desde os meados da década passada, as aplicações financeiras vêm sendo tributadas no fluxo, e não apenas no resgate; as transações financeiras foram alcançadas pelo IPMF e pela CPMF, em momentos distintos.

No plano internacional, a incidência do IVA sobre operações financeiras alcançou poucos países, obedecendo a modelos muito distintos entre si. O grande questionamento dos bancos contra essa incidência está associado à denominada “cunha fiscal”, que findaria por aumentar os custos da intermediação financeira, em prejuízo do tomador. A experiência, entretanto, mostra que, ao menos no Brasil, não se pode responsabilizar a “cunha fiscal” pelos desarrazoados spreads praticados.

As transações financeiras foram tributadas, de forma errática e com variadas alíquotas e bases de cálculo, em 15 países (com destaque para Brasil, Austrália e Índia), remanescendo em 8 deles (Argentina, Bolívia, Colômbia, México, República Dominicana, Peru, Paquistão e Sri Lanka).

A despeito das críticas dos ortodoxos, a tributação das transações financeiras recebeu comentários elogiosos de Vito Tanzi, um dos maiores tributaristas contemporâneos, em virtude, sobretudo, dos baixos custos para fiscalizar ou pagar o tributo, bem como pela capacidade de capturar os negócios informais e aqueles realizados pela internet. Não se pode esquecer que, já em 1972, James Tobin, também laureado com o Prêmio Nobel de Economia, propusera a tributação das operações cambiais para onerar os capitais especulativos.

A questão central consiste em saber o que tributar e a que destinar o produto da arrecadação. Dever-se-ia equalizar o tratamento tributário dispensado a aplicações financeiras e investimentos de risco, bem como a investimentos diretos e financiamentos? Seria o caso de tributar as transações financeiras?

Essas espécies tributárias deveriam observar paradigmas internacionais? O produto da arrecadação deveria ser utilizado para formar um lastro visando à cobertura de crises financeiras sistêmicas ou para financiar programas de redução da pobreza?

A matéria, por sua complexidade, encerra mais dúvidas que conclusões. Parece certo, entretanto, que não há razão para distinguir os lucros dos bancos daqueles auferidos por outras empresas; tampouco para que sejam praticados spreads abusivos, o que poderia ser evitado com a incidência de uma contribuição de intervenção no domínio econômico.

Sob pena de configurar elevada irresponsabilidade, a supervisão bancária deve observar critérios prudenciais de regulação, especialmente no caso de ativos com elevado potencial de toxicidade, como os derivativos.

A prática de gestão temerária nas instituições financeiras deve ser rigorosamente punida. A tributação dos bancos, do mercado e das transações financeiras, bem como a eventual aplicação dos recursos arrecadados devem ser debatidas exaustivamente, sem preconceitos de qualquer natureza, sem que isso abone propostas inconstitucionais e destinadas exclusivamente à expansão do gasto público como a proposta para a criação da denominada Contribuição Social de Solidariedade, em discussão na Câmara dos Deputados.

Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal