Paulo Bernardo: “Vamos bater duro na inflação”

Transcrito do Diário Catarinense:

Paulo Bernardo Ministro das Comunicações

Ipad, Iphone, Twitter – no qual dá respostas meio pesadas quando desafiado – e até uma página no Facebook. Tudo é com ele, o segundo ministro mais seguido no Twitter, atrás apenas de Aloizio Mercadante. Paulo Bernardo Silva, que no governo Lula comandou o Ministério do Planejamento, hoje lidera o Ministério das Comunicações, onde reconhece que os desafios são tão grandes quanto antes. De dobrar o acesso à internet banda larga, chegando a 70% dos domicílios brasileiros no final do mandato da presidente Dilma, até resolver os problemas dos usuários de telefonia com as operadoras e baixar o preço das tarifas, a recuperar a eficiência e a imagem dos Correios.

Nesta entrevista ao Diário Catarinense, concedida no meio da semana passada, Paulo Bernardo, 59 anos, pai de cinco filhos e marido da senadora Gleisi Hoffmann, mostrou também que não está desvinculado da antiga área econômica, que ajudou a comandar no governo passado. Garante que o governo está muito preocupado com a inflação, vai bater duro nela, mas sem impedir o crescimento do país. Acredita que alguns empresários já estão precificando a expectativa de alta nos preços em seus produtos e anuncia que poderão ser tomadas medidas para exigir contrapartida das empresas. No caso do álcool, por exemplo, já que os usineiros estão dando prioridade ao açúcar e não ao etanol, devido ao preço mais vantajoso no exterior. Mas esses mesmos usineiros receberam financiamento com dinheiro subsidiado do BNDES. Só o dólar baixo não terá solução em curto prazo, acredita o ministro, até porque faz parte de um contexto mundial, mas seus efeitos poderão ser combatidos com reformas estruturais que reduzam o chamado Custo Brasil.

DC – A inflação já mostra as suas garras. O senhor, até poucos meses atrás, integrava a equipe econômica, portanto, conhece os remédios para enfrentá-la. As medidas adotadas até agora, como freio ao consumo, têm sido pouco eficazes. Como vai se resolver a questão?

Paulo Bernardo – A inflação é absolutamente preocupante. O governo está atento, mas a presidente orientou que houvesse também preocupação com o crescimento econômico. Ou seja, vamos bater duro na inflação, mas não vamos cessar o crescimento.

DC – Não se pode combater um remédio e acabar com efeitos colaterais, certo?

Paulo Bernardo – Claro, isso está sendo feito com uma sintonia fina para levar a inflação ao centro da meta e permitir que a economia continue se desenvolvendo e crescendo.

DC – Quem vai ao supermercado já vê os preços em alta. O senhor não acha que já há casos de uma espécie de precificação da inflação?

Paulo Bernardo – Sim. Olha o caso da gasolina: não aumentou na refinaria, mas aumentou nos postos. Tem casos de precificação, sim. A expectativa leva à precificação.

DC – E como se resolve este nó?

Paulo Bernardo – O governo vai baixar esta expectativa e reduzirá a inflação. Um pouco de agrado e ameaças de umas pancadas, se precisar. Tem gente que abusa. Veja o que aconteceu com o mercado do etanol.

DC – Por falar em etanol, não é o momento de se ter uma regra mais explícita para obrigar os usineiros a manterem produção determinada?

Paulo Bernardo – Esse segmento sempre foi assim porque pode converter a produção de etanol para açúcar de acordo com o preço mais vantajoso. Isso nos impede de exportar etanol. A Europa e o Japão não adotaram um programa forte de etanol porque nós não temos condições confiáveis de fornecer. Mas o governo está discutindo o seguinte: quem não tiver previsibilidade e garantir confiabilidade não terá a mesma condição em financiamentos.

DC – Até porque muitos desses projetos têm crédito subsidiado das instituições financeiras públicas, mas, na hora necessária, deixam de dar a contrapartida.

Paulo Bernardo – Eles fazem financiamento baratinho no BNDES com dinheiro que tem subsídio e, depois, querem ganhar mais com o açúcar. A ideia era subsidiar o álcool. Deve ter um contrato com a previsão de que a liberdade estará amarrada a obrigações.

DC – Outra questão que aflige a economia é a do câmbio. Como o governo quer resolver o dilema?

Paulo Bernardo – A questão do câmbio é mais complicada. Não temos uma fórmula para resolver o problema do dólar, que está caindo no mundo inteiro. É uma política dos americanos para resolver o seu problema econômico. Agora, o que temos de fazer aqui são algumas reformas estruturais que reduzam o custo da produção. E isso significa ter estrada boa, ferrovia, portos e aeroportos funcionando, mudanças tributárias que gerem custo menor e maciços investimentos em educação para ter mão de obra mais qualificada.

DC – O senhor tem em sua área uma empresa problemática que são os Correios, antigo orgulho por sua eficiência. Hoje, envolvida em corrupção e em atrasos. Qual a arma para lidar com a situação?

Paulo Bernardo – O Correio é uma joia, o serviço no Brasil tem quase 300 anos, a empresa funciona em todos os municípios do país, mas descuidamos. Deixamos problemas de gestão se acumularem, tínhamos uma diretoria que não era coesa, não havia um comando centralizado, o que resolvemos. Mas há outras questões a solucionar: o déficit hoje é de 10 mil funcionários no país. Estamos com um concurso aberto para o dia 15 e que recebeu 1,7 milhão de inscrições, mas demorou um ano e meio para sair porque tinha problemas no edital e foi alvo de questionamento duro e com razão do Ministério Público. O pessoal do Correio está estafado e pressionado pela falta de gente. O gasto com transporte aéreo é de R$ 300 milhões e não tem empresa contratada, só de emergência. Agora, estamos refazendo editais para contratar por prazo maior e estudamos se teremos subsidiária para transporte aéreo.

DC – A situação é tão complicada hoje que nem o Sedex cumpre o prazo de 24 horas.

Paulo Bernardo – Nem me fale isso. Fui mandar um Sedex e a funcionária me sugeriu que eu não mandasse um Sedex e sim um outro – PAC –, pois chegaria atrasado. Nós vamos resolver isso, pode cobrar depois.

DC – Os desafios não parecem fáceis: em quatro anos, passar de 35% para 70% dos domicílios com acesso à internet com banda larga e ainda assim com tarifas acessíveis. Não é um plano ambicioso demais pelo pesado investimento que exigirá?

Paulo Bernardo – Estamos convictos de que o nosso modelo está baseado em um equívoco: oferecer serviço caro para poucos, o que dá um determinado nível de rentabilidade. A orientação da presidente Dilma é popularizar o acesso à internet no país, o que vai melhorar o desempenho na educação, condições de serviços de saúde e a produtividade nas empresas, dinamizar a indústria do entretenimento e gerar empregos. É bom para o país. Quando fizemos o Plano Nacional de Banda Larga, soubemos que ainda há 20% de internet discada no Brasil.

DC – O consumidor também está impaciente com o serviço oferecido por muitas operadoras de telefonia e pelo alto preço cobrado pelos serviços. A Anatel terá ingerência maior nesses casos?

Paulo Bernardo – Vamos aumentar a fiscalização e a concorrência. Queremos obrigar, por exemplo, o compartilhamento de infraestrutura entre as empresas. Você vai com seu celular em uma determinada área de uma operadora e não tem antena, e a outra não dá passagem. Com o compartilhamento, elas terão de concorrer mais ainda nos preços e tem mais: a telefonia celular no Brasil conta com subsídio. Quando você faz uma ligação do fixo para celular, a maior parte do pagamento da ligação é para o celular. E nós vamos discutir isso também, que se refletirá em custo menor na tarifa. Em 2012, teremos concorrência para nova frequência, o que também ajudará nos preparativos para a Copa.

DC – O Ministério está trabalhando para tornar obrigatório o recurso da interatividade na TV digital? Por que a TV digital ainda não pegou bem no país?

Paulo Bernardo – Sim, estamos analisando a tecnologia da interatividade, será um atrativo a mais. Estamos atrasados, sim, na TV Digital, há empresas que não têm recursos, tem gente que ainda não aposta no serviço. Mas acreditamos que vai pegar. O prazo para o término da TV analógica é em 2016. Com a proximidade da Copa, vai ser uma enxurrada de venda de TVs. Em 2010, foram 15 milhões de TVs vendidas, quase todas com entrada para TV digital, para conversor. Quem não tiver digital na Copa, perderá espaço porque as pessoas só vão querer TV digital porque a qualidade, a diferença, é gritante.

Tem casos de precificação, sim. A expectativa leva à precificação. O governo vai baixar esta expectativa e reduzirá a inflação. Um pouco de agrado e ameaças de umas pancadas, se precisar. Tem gente que abusa.