Os juízes querem votar

Por Joaquim Falcão

Em 1999 o Estado de São Paulo decidiu que os seus juízes estaduais poderiam votar para escolherem os dirigentes do Tribunal de Justiça de São Paulo. Alterou-se a Constituição estadual que só permitia que desembargador votasse em desembargador.

Há muitos anos os juízes reivindicam maior participação na administração de seus tribunais. Pesquisa feita em 2005 pela Associação dos Magistrados Brasileiros já indicava que 80% dos juízes gostariam de participar de decisões orçamentárias e 92% na escolha de seus dirigentes.

E quanto mais jovem o juiz, maior esta pretensão. Esta tendência não deve ter se alterado. Ao contrário.

A Procuradoria Geral da República alegou que esta mudança era inconstitucional diante da Constituição Federal, que diz que compete aos “tribunais” eleger seus representantes.

A palavra tribunal significa que apenas os desembargadores, ou os juízes também, votam?

O Ministro Marco Aurélio entendeu em seu voto que como o ethos da Constituição de 1988 é a democratização, a expressão tribunal incluiria também os juízes.

Mas o Min. Ricardo Lewandowski entendeu agora que a expressão tribunal no art 96, I-a da Constituição Federal refere-se ao órgão composto por desembargadores e não ao Poder Judiciário. No que foi acompanhado por 6 ministros, a maioria.

A emenda à Constituição de São Paulo é, pois inconstitucional.

Ambas as interpretações são plausíveis. O Supremo poderia ter seguido um caminho ou outro. A expressão tribunal não é unívoca. Comporta como no caso, diversas verdades. No entanto as conseqüências de cada uma das interpretações são radicalmente diferentes.

Se tivesse seguido o voto do Min. Marco Aurélio, o Supremo teria dado início a um verdadeiro processo de mudança da atual estrutura concentradora de poder da administração dos tribunais.

Cada vez fica mais nítido para a sociedade que sem mudar a estrutura política interna dos tribunais que decide sobre orçamentos, cargos de confiança, promoções, remoções dificilmente os tribunais locais vão se modernizar.

O atual modelo concentrador, e sem o controle do voto dos juízes, é de mais de 40 anos atrás. Quando o regime político autoritário receava a participação dos juízes. Será que não é já tempo de mudanças?

Ao optar pela interpretação do Min. Lewandowski, o Supremo disse que não. Manteve o status quo. Adiou mudança para uma futura Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN.

Esta nova LOMAN que reestruturaria o poder e a administração dos tribunais, dificilmente virá. Vários Presidentes do Supremo, como Gilmar Mendes, pretenderam enviar ao Congresso uma nova LOMAN. Não conseguiram.

Inexiste consenso dentro do próprio Supremo. E pior. Como o Presidente do Supremo muda de dois em dois anos, inexiste a necessária continuidade de liderança política dos magistrados para a longa e complexa articulação com o Congresso.

O Supremo deixou escapar uma boa oportunidade. Poderia ter estimulado que os tribunais e os parlamentos estaduais começassem a inovar diante de suas realidades locais.

Poderia ter estimulado uma política de experimentalismos de modelos de responsabilidades e de gestão. Poderia ter decidido pela constitucionalidade da Emenda Constitucional paulista sem que ela implicasse numa obrigatoriedade para todo o Brasil.

Este sim seria um real caminho para reforçar, pela diferenciação, a federação judiciária.