Meus 40 anos, por Marcelo Ramos

Daqui a exatos 15 minutos, estarei completando 40 anos. Quando o dia 29.08.2013 chegar estarei fazendo uma das coisas mais tem me dado prazer nos últimos anos: escrever. Escrever tem me aproximado de pessoas que me querem bem, algumas, amigos de longa data, outros, amigos recentes e muitos que nem conheço pessoalmente, mas que se identificam nos meus textos e fazem das minhas mensagens instrumento de reflexão e de resgate de bons valores. Vocês não imaginam como isso me faz feliz.

Compartilhar experiências, dividir angústias, escancarar sentimentos, borrar o texto com uma lágrima que cai, sorrir sozinho com uma boa lembrança, sentir meu coração palpitar por uma palavra, ouvir um choro de quem lê, são coisas que só o ato de escrever pode me proporcionar. Por isso, escrever passou a ser tão importante na minha vida.

E é assim que quero começar a comemoração dos meus 40 anos: escrevendo. Sobre a vida. Sobre meus valores, meus sonhos e também minhas angústias. Sobre o que construí até aqui e também sobre o muito que tenho por fazer. Sobre minhas dores e também sobre meus amores.

Quando jovem. Se olhasse pra frente e tentasse enxergar os meus 40 anos, nunca imaginaria o que vivo hoje.

Um dia caminhando por uma livraria, abri um livro do poeta amazonense Thiago de Melo exatamente na página da poesia A Janela Encantada. Aqueles versos conversaram comigo como se fosse o meu melhor amigo, tocaram o fundo da minha alma. Era como se o autor já tivesse caminhado pelas profundezas das minhas dúvidas e das minhas angústias. E mais era como se ele soubesse exatamente o que dizer para me encorajar a seguir a caminhada. Os versos diziam assim.

A JANELA ENCANTADA

A vida sempre foi boa comigo.
Quando soube que o meu coração
estava carregado de sombras
e que ele só se alimenta de luz,
abriu uma janela no meu peito
para que por ela possam entrar
o resplendor do orvalho
o fulgor das estrelas
e o invisível arco-íris do amor.

Daquele momento em diante os versos do poeta passaram a vagar dentro de mim, como se fossem um órgão do meu corpo – o órgão responsável pela esperança – seguiram-me por onde eu estive. E de tanto estarem em mim, decidi eternizá-los na forma de uma tatuagem.

É que a vida realmente sempre foi boa comigo. É que ela, na adolescência, pelos conselhos do meu querido mestre Weyder Ricardo fez das sombras da minha rebeldia juvenil luz de uma ação militante consciente. É que ela, na vida adulta, trouxe a mim o amor, a compaixão e a sabedoria de Tenório Telles e fez das trevas do deslumbramento a luz da responsabilidade com a minha missão. É que a vida manteve acessa a luz da presença do meu pai Umberto, mesmo após 28 anos da sua passagem para o mundo espiritual, e essa presença alimenta e conforta o meu coração. É que a vida iluminou a minha família, minha mãe Graça, meus irmãos Beto, Glenda e Rodrigo para estarmos sempre abraçados e solidários. É que ela também me deu a luz para construir a minha nova família, com a Juliana, o Gabriel, agora a Marcelinha e a saudade gostosa da Carolzinha, que Deus levou. E tantos amigos queridos que a vida me deu pra iluminar meus caminhos… Ela sempre foi boa comigo!

Aprendi muito cedo a conviver com as perdas. Mas hoje a vida também colocou luz sobre as sombras das perdas e posso olhar pra trás e guardar mais a presença do pouco tempo que tivemos juntos que a ausência de tanto tempo de saudade.

E se pensar o porquê dessa passagem que é estar nesse mundo, e se pensar qual a missão, vem mais uma vez a poesia acudir minha dúvidas e mostrar-me que a missão, que para uns é uma eterna procura e para outros é algo complexo e uma descoberta quase inalcançável, está no entendimento das coisas simples e dos pequenos gestos. Está na simplicidade de Cora Coralina.

“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Na verdade, nem me importa se a vida é curta ou longa. Não é essa a minha busca. Busco dar sentido a ela. E até aqui o sentido está em ser leal com os amigos, solidário com os que sofrem, presente com a minha família, justo nos meus julgamentos, responsável e corajoso na minha vida pública. E também ler poesia, correr, ouvir música. E também admirar o milagre do cantar os pássaros, das cores das borboletas, do pisar do menino descalço, do suor do trabalhador. E também do dizer e ouvir: eu te amo! E também do acordar e levar meu filho na escola, do ninar a minha filhinha, do pegar nas mãos da minha esposa, do agradecer o legado da minha mãe. Essas sãos as coisas leves que, no final, O Vento Não Levará, como não levou nos versos de Mário Quintana:

O que o Vento Não Conseguiu Levar
No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento…

Não posso contar minha vida em patrimônio. Posso contar em amores, em alegrias, em sorrisos. Posso também contar em saudades, em ausências, em buscas. Posso contar no futebol descalço no Dom Pedro. No soltar papagaio com linha de cerol. No dia que passei no vestibular. No dia que cada um dos meus irmãos passou no vestibular. No dia do nascimento dos meus filhos. Na minha primeira maratona aos 39 anos. Posso contar na falta que meu pai me faz. Na ambulância que levou minha Maria Carolina já em coma. No esforço permanente para fazer da minha vida um instrumento para um mundo melhor para todos. Posso contar com as coisas leves da vida, mesmo as duras que o tempo faz leves. Aquelas que o vento não pode levar.

E se tudo valeu até aqui é porque ainda há muito por fazer. Ainda tenho que aprender a voar com os pássaros, a caminhar sobre as águas. Ainda tenho que traduzir os segredos das mães com os seus bebês. Ainda tenho que ver o mundo sem guerras, sem corrupção, sem fome. Ainda tenho que andar de mãos dadas com aquele mendigo que dorme na esquina. Ainda tenho que pedir perdão pra criança que passa fome. Ainda tenho tanto por fazer… E no final, ainda tenho que fazer tudo que Cecília Meireles propôs no seu Humildade:

Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando n a tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis…
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem pra quê.

Que Deus me dê sabedoria e discernimento para seguir a minha missão sem desviar do caminho e que um dia eu possa ser luz a iluminar o caminho de novas gerações de homens e mulheres que completarão 40 anos acreditando na vida, na humanidade, na justiça e na paz, como eu teimo em acreditar.