Guido Mantega: “Queremos implementar mudanças no ICMS”

Governo quer fechar acordo para ICMS com governadores nesta quarta

A proposta que será discutida com Mantega prevê a redução gradativa para uma alíquota de 4%, que seria cobrada nas transações interestaduais e no comércio eletrônico

Por Beatriz Abreu e Célia Froufe, da Agência Estado

BRASÍLIA – O governo dará mais um passo, amanhã, na tentativa de fechar ainda este ano um acordo com os governadores para reduzir a alíquota interestadual do ICMS. A proposta que será discutida com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, prevê a redução gradativa para uma alíquota de 4%, que seria cobrada nas transações interestaduais e no comércio eletrônico. A partir de janeiro, essa alíquota já passa a vigorar para as importações de bens, eliminando a chamada “guerra fiscal dos portos”.

Depois de muitas discussões e revisão de contas dos secretários de Fazenda, a equipe econômica conseguiu, com interferência do Palácio do Planalto, que os Estados aceitassem a unificação da alíquota no âmbito da então chamada Resolução 72. Agora, a equipe econômica trabalha com a receptividade dos governadores em relação a alíquota do ICMS interestadual final.

Na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os secretários de Fazenda sinalizaram para um acordo. Para o governo, o prazo de oito anos seria suficiente para a transição e para queda da alíquota final a 4% e paga no destino. Atualmente, os Estados do Norte e Nordeste cobram 7% nas transações interestaduais e os demais, 12%. Os governadores reclamam que vão perder receita durante a transição, e o governo sugere a criação de um Fundo de Compensação Regional para recompor o caixa dos Estados perdedores.

As contas sobre as perdas não batem, mas para o governo se todos os Estados tivessem uma arrecadação 100% dos impostos, poderia haver uma perda de R$ 14 bilhões, classificado como “valor nocional” (valor de um derivado, calculado a partir do preço à vista dos ativos relacionados ) pelo governo. Mas a referência é de que essa conta é muito menor.

O secretário de Fazenda de Santa Catarina, Nelson Serpa, disse que os governadores e secretários irão a Brasília dispostos a ouvir as propostas do governo para “criticá-las e dar um retorno sobre a sua viabilidade”. A grande preocupação do Estado é com uma redução drástica do imposto cobrado na origem, já que Santa Catarina é um Estado produtor. “Uma transferência para a cobrança no destino poderia acarretar uma perda para o Estado”, afirmou Serpa. As alíquotas de ICMS cobradas em Santa Catarina variam de 7% a 25% conforme o produto, de acordo com o secretário. A arrecadação líquida do Estado com o imposto é de R$ 11 bilhões por ano. A reunião entre Mantega e sua equipe econômica, governadores e seus representantes para discutir o tema está marcada para as 11 horas.

Em entrevista à Agência Estado ontem, o ministro Guido Mantega disse que agora o governo entrará na fase do ICMS, um tributo que, segundo ele, atrapalha a produção. “Tenho esperança de que os governadores sejam sensíveis a nossas propostas”, afirmou. O próximo passo, segundo ele, é fazer uma etapa de mudanças no PIS e Cofins. “Vamos deixar uma estrutura tributária bastante diferente”, prometeu.

Do ZERO HORA:

Ministro da Fazenda afirma que governo trabalha em pacote fiscal e tributário e deve chamar governadores para negociação.

“Estamos organizando a economia para conviver com uma crise europeia de médio prazo. A União Europeia não resolverá essa crise antes de um ou dois anos”

O governo federal finaliza até dezembro um pacote fiscal e tributário que vai mexer com as contas dos Estados. À frente da proposta, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretende chamar, em breve, os governadores para uma delicada negociação. A medida envolverá alívio nas dívidas com a União, mas também uma mudança radical no ICMS. A equipe econômica quer estabelecer a cobrança de imposto único na origem, com alíquota de 4%. Na entrevista concedida na recém-reformada sala de reuniões do ministério, Mantega não poupou críticas aos bancos privados. Ele defendeu a ampliação da oferta de crédito e aproveitou para lembrar que os juros de mercado ainda têm espaço para cair. Um dos ministros mais frequentes na agenda da presidente Dilma Rousseff, Mantega segue rotina apertada, mas faz questão de manter caminhada, corrida e musculação logo pela manhã. Ele só reclama que tem viajado pouco pelo país.

– Há dois anos não vou ao Rio Grande do Sul. Aguardo um convite para um churrasco, com vinho gaúcho – brinca, sempre bem-humorado.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – O governo estuda a mudança no indexador das dívidas de Estados e municípios. Quando a renegociação vai sair?
Guido Mantega – Não é uma renegociação da dívida, porque temos a Lei da Responsabilidade Fiscal que nos impede de fazer isso. Estamos falando em mudar o indexador da dívida, trocando para a taxa Selic, que está muito mais comportada. Hoje está vigorando o indexador que era adequado no passado. É necessário fazer uma mudança. Faz parte das medidas que estamos preparando para o final deste ano. É claro que implica uma negociação com os governadores, que passará também por uma conversa sobre o ICMS. Queremos implementar mudanças no ICMS.

ZH – Que mudanças o senhor vai propor?
Mantega – O ICMS é considerado um dos tributos mais complicados para a produção. São 27 regimes diferentes, é um problema de compensação de crédito entre um Estado e outro. Existem inúmeros conflitos que estão atrapalhando a atividade produtiva. Já resolvemos o ICMS para o caso da importação. A segunda etapa, agora, será homogeneizar o ICMS para as relações interestaduais, não de produtos importados, mas de produtos nacionais, eliminando o problema dos créditos.

ZH – Seria a proposta do ICMS único?
Mantega – A proposta é caminhar para que seja cobrado 4% de ICMS na origem, para que o imposto seja único e baixo. É como se você estivesse passando o ICMS mais para o destino. Sai da origem e vai para o destino, que é um sistema mais racional e mais usado internacionalmente. E elimina conflitos, porque passa a ser apropriado no destino. A mudança do indexador é no âmbito dessas mudanças tributárias que estamos preparando para o final do ano.

ZH – É uma troca? Só muda o indexador se os governadores aceitarem mudar o ICMS?
Mantega – Não, mas faz parte dos problemas tributários dos Estados. Tem a parte tributária, depois tem a parte da dívida. Tudo isso vai desembocar numa situação fiscal mais adequada e atrativa para as empresas e em uma situação mais eficiente dos Estados, para a gestão da sua dívida de modo que isso não atrapalhe os investimentos. É uma agenda fiscal e tributária para os Estados.

ZH – A tendência é de continuar a queda da taxa básica de juro?
Mantega – Continuaremos garantindo as condições no país de que a inflação será baixa, as contas públicas serão equilibradas. Então, manteremos as condições para que a Selic fique comportada.

ZH – A inflação não lhe preocupa?
Mantega – Não vou dizer que a inflação não preocupa, porque a gente tem sempre de se preocupar com inflação. Diminui o poder aquisitivo da população, atrapalha os planos de investimentos do setor empresarial. Ninguém gosta de inflação, estamos vigilantes. Mas o desempenho da inflação é bom.

ZH – Qual a sua previsão de crescimento para este ano e a projeção para o próximo?
Mantega – Como o primeiro semestre foi fraco, teremos crescimento em torno de 2%. Isso é olhando para trás, no retrovisor. Para a frente, a economia já está se aquecendo em todos os setores – serviços, agrícola e indústria, que é a mais afetada pela crise internacional. Eu acho que para 2013 cresce de 4% a 4,5%.

ZH – Até agora temos o crescimento baseado no estímulo ao consumo, mas isso tem um limite?
Mantega – É que no consumo é mais fácil de estimular porque o governo reduz IPI, libera crédito. Em termos de volume de crédito, não há grande expansão. Os bancos públicos aumentaram o crédito, mas os bancos privados estão mais conservadores. Então, vão ter de escolher: ou perdem os clientes ou vão atrás e entram no mercado com mais crédito.

ZH – O câmbio a R$ 2 é considerado ideal?
Mantega – Não há câmbio ideal. O câmbio é flutuante. Somos favoráveis ao câmbio flutuante, o problema é que os outros países muitas vezes não adotam. Pelo contrário, todo mundo busca jogar seu câmbio para baixo, desvalorizar para ser mais competitivo. Por causa da crise internacional, falta mercado. Significa que você está disputando os poucos mercados existentes, e o Brasil é um dos poucos que crescem.

ZH – O IPI reduzido da linha branca, móveis e veículos que vence no final de dezembro será estendido?
Mantega – Em dezembro, teremos de avaliar a situação, mas provavelmente o IPI reduzido não será renovado. Porque até lá a economia estará mais aquecida e não haverá necessidade.

ZH – A presidente Dilma travou quase uma cruzada contra o spread bancário. A redução até agora é a que se esperava?
Mantega – Reduziu, mas ainda não o suficiente. É um processo, não é imediato. Este ano, o spread médio caiu em torno de 10%, ou seja, o que era 30% caiu para 20%. É uma queda razoável. Agora, uma parte foi a Selic que caiu, reduzimos o IOF que cobrávamos sobre o crédito ao consumo. Uma medida que ainda vai entrar em vigor agora é o cadastro positivo, que tem impacto no risco e isso poderá baixar mais o spread.

ZH – A crise internacional vai durar dois anos, como projetam especialistas? Qual a sua previsão?
Mantega – Estamos organizando a economia para conviver com uma crise europeia de médio prazo. A União Europeia não resolverá essa crise antes de um ou dois anos, porque há muita demora em tomar medidas. Você já deve ter ouvido falar no Fundo de Estabilização Europeu, mas até agora não começou a funcionar. Já ouviu falar no empréstimo para a Espanha, e até agora não saiu um tostão, então não podemos contar com isso. Nós podemos contar com alguma recuperação dos Estados Unidos, mas temos mesmo é que contar com nossos próprios recursos.

ORIGEM E DESTINO
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é o mais intrincado dos tributos brasileiros. Ao fixar a alíquota do ICMS cobrada na origem em 4%, Mantega tenta aplacar parte da chamada guerra fiscal entre Estados. Um dos maiores problemas ocorre quando uma mercadoria viaja de um Estado produtor (origem) para o Estado que consome (destino). Por exemplo, uma mercadoria com alíquota total para o consumidor de 17%, quando sai do Sul para o Sudeste, deixa 7% no Estado produtor (origem) e 10% no Estado onde é vendida (destino).

A regra geral é beneficiar as regiões consideradas menos favorecidas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Espírito Santo. Nesses casos, numa alíquota de 17%, o produto paga 12% na origem e 5% no destino. Quando sai de uma região desenvolvida (Sul e Sudeste, menos ES), paga 7% na origem e 10% no destino se for consumido no Norte, no Nordeste, no Centro-Oeste e no Espírito Santo, ou 12% na origem e 5% no consumo se for destinado a Sul ou Sudeste (exceto ES).