Os primeiros 100 dias de Dilma Rousseff revelam certas diferenças de forma e até de fundo, em relação ao antecessor. Convidou civilizadamente os ex-Presidentes, incluindo Fernando Henrique e Itamar Franco, para o almoço que ofereceu a Obama, em Brasília. Apenas Lula não compareceu, por razões que a própria razão desconhece.
Em política externa, de positivo, passos iniciais para normalizar as relações com os EUA, trincadas pelo suporte de Lula ao programa nuclear da ditadura iraniana. E a declaração contra violações a direitos humanos por esse mesmo regime. De negativo, a manutenção de Marco Aurélio Garcia, um dos ideólogos da ruinosa política Sul-Sul, e o voto pela abstenção no Conselho de Segurança da ONU, no momento em que o mundo democrático pedia legitimação para ação militar impeditiva do genocídio de Kadafi contra os líbios. Os demais países indagam: “O Brasil disputa a vaga permane nte no Conselho, para se omitir nas horas críticas?”
No econômico, Dilma é refém do quadro fiscal delicado, oriundo da gastança pública desenfreada que fez Lula popular e a elegeu Presidente. A inflação está de volta. O anunciado corte de R$50 bilhões é insuficiente, porque o equilíbrio exigiria R$85 bilhões; inalcançável, porque o Orçamento engessado pelo populismo de Lula não permitiria a façanha, a menos que os investimentos fossem suspensos; falso, porque o governo jamais pretendeu ajustar as contas públicas pelo lado das despesas (mais impostos virão), o que pode ser comprovado pelo novo empréstimo (R$55 bilhões) ao BND ES, pelos aumentos dos gastos presidenciais secretos e dos cartões corporativos.
De concreto, alguma economia de palitos, reduzindo verbas destinadas ao combate ao trabalho infantil. Os concursos públicos prometidos em campanha não serão realizados; as pessoas já aprovadas tampouco serão convocadas. Dinheiro só para criar mais Ministérios e cargos de livre nomeação.
O real, sobrevalorizado pela enxurrada de dólares que vem atrás da alta remuneração propiciada pelos juros estratosféricos, facilita as importações e, com isso, alivia o governo no seu frágil combate à inflação. Daí as medidas inconsistentes, incapazes de conter a desvalorização do dólar, diminuindo-lhe a entrada no Brasil: se o dólar subir, com ele subirá a inflação que não sabem e nem querem combater a sério.
Retrocessos que custarão caro aos brasileiros: a intervenção, cada vez mais nítida, nas decisões do Banco Central, rompendo com a autonomia informal de 16 anos, e a intromissão na Vale do Rio Doce, por aparelhismo e por quererem alterar a política industrial que faz dessa empresa a maior exportadora do País.
Que gestos civilizados se reproduzam. Mas a questão econômica deve ser ferida com lucidez e espírito público. Nada eximirá Dilma de enfrentar o inescapável: a “mágica” se exauriu. Hora da verdade.
*O autor é Diplomata. Foi Prefeito de Manaus, Deputado Federal, Líder do Governo Fernando Henrique e Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência, líder do PSDB no Senado