Gilmar Mendes, um bufão com ar de “poseur”

 

Gilmar Mendes é um bufão. Mas tem um ar de “poseur”, que qualquer dicionário francês-português define como “presumido; presunçoso; enfatuado; pretensioso”. Basta observar seu ar de presumida erudição, de presunçoso domínio da verdade, de enfatuada arrogância intelectual e de pretencioso exclusivismo da razão para entender do que se está falando.

Uma das principais características dos que precisam ocultar despreparo ou intenções inconfessáveis em gestos e palavras é a arrogância. Os bem preparados, os equilibrados, os que detêm a prerrogativa da razão não são arrogantes, pelo contrário: são humildes e serenos. A arrogância é um biombo a esconder a incompetência. Ou esconder outra coisa. Cientes e ciosos de sua altivez intelectual, os sábios não se arrogam a exclusividade da razão nem, muito menos, uma suposta onisciência. Estão sempre dispostos a aprender. Gilmar Mendes, considerando-se apenas a imagem que projeta em suas aparições públicas, está bem mais próximo do bufão do que do sábio. Embora aparente deter o conhecimento universal. Não conheço (corrijam-me aí) ato de humildade intelectual, de ter mudado de opinião convencido pelos colegas de que seguia caminho errado. Mudar de opinião é sinal de sabedoria. Mas ele, mesmo quando procura descer do pedestal da arrogância – como na declaração infeliz do rabo que abana o cachorro – estrepa-se na incapacidade de saber dosar a ironia em apoio aos seus argumentos. A pretensão de estadista na forma não encontra sintonia no conteúdo. A solenidade da pose não corresponde à “verdade” que procura ostentar.

Só ele tem razão

Acresce a isso a pretensão de detentor do monopólio da verdade (sejam quais forem as intenções que o movam), em decisões extremamente controversas como as que vem tomando unilateralmente em relação à soltura escandalosa de presos levados à cadeia por colegas magistrados que, sem pose nem alarde, buscam tão-somente a verdade e a justiça.

Gilmar, não. Do “alto” de seu pretenso cabedal jurídico, arroga-se o exclusivismo da razão ao abrir prisões e mandar de volta pra casa presos de notória trajetória nos descaminhos da lisura no trato da coisa pública. Age como se a corte a que pertence tivesse de se sujeitar aos seus humores. Considera os pares como simples coadjuvantes do espetáculo, não se tratasse ele tão-somente de ator de uma ópera que não comporta superstars, já que todos os 11 integrantes do elenco desempenham rigorosamente os mesmos papéis, em grau de importância.

O resultado dessa combinação de arrogância, pretensão de monopólio da verdade e protagonismo em decisões que afrontam o senso comum está nas ruas, nas conversas de botequim, nas redes sociais, nos comentários dos articulistas, na prosa miúda das feiras. Gilmar Mendes virou motivo de risadaria nacional. Já apareceu como concorrente do Actívia, um iogurte que ajuda a “soltar” o intestino. Já foi pintado como um vidente capaz de “livrar” o consulente de qualquer amarração. Foi apontado por um passarinho solto como saída para um colega preso na gaiola. E até como um ótimo ingrediente para deixar o arroz “bem soltinho”… Seus telefones e e-mails têm sido distribuídos por aí com a recomendação de que seja procurado em caso de necessidade nesses dias de exageros etílicos.

O respeito simbólico

Isso tudo parece brincadeira. Pois não é. Toda vez que uma figura pública é convertida em alvo de chacota e escárnio significa que perdeu o respeito simbólico que se exige de quem deveria ter como primeira responsabilidade a obrigação de responder prioritariamente ao interesse público.

Quando usei a expressão “respeito simbólico” quis me referir à necessidade de o homem público não apenas exercer suas funções dentro dos limites de suas prerrogativas, mas em atenção direta ao momento social, político e econômico e de acordo com as expectativas da sociedade.

O povão diz que estar solto ou estar preso depende da qualidade do advogado, e não da letra crua da lei. Textos legais, nas mãos de um magistrado hábil, podem ser interpretados assim ou assado. E se prestarem a isso ou aquilo, ao sabor de seu talante. Ocorre que a plebe rude, a patuleia (como antigamente se nomeava pejorativamente essa abstração chamada povo), mesmo sem muita noção do conteúdo das leis, intuitivamente percebe quando as coisas estão erradas. E responde com a arma mais ferina e definitiva a seu dispor: o humor. Do “alto” de sua arrogância, Gilmar vem desabando e esbarrando aos trambolhões nessa queda desastrada nos níveis de confiança que um magistrado de sua importância deveria ter da sociedade a que serve. O povão não age como os sisudos militantes políticos acampados à frente do STF ou sacudindo bandeiras e gritando palavras de ordem na porta do Congresso. O povão apenas usa o escárnio, o escracho e a gozação – armas baratas nas quais exibe o melhor da criatividade nacional – para demolir a aura de intocabilidade a que Gilmar se arvora.

Ele colhe o que plantou

E não se condene o povão que dá gaitadas, se esbalda e até exagera na dose do escárnio a Gilmar. Nada mais faz do que exercer um direito líquido e certo (Dr. Gilmar, nem adianta procurar: esse direito não está escrito em código algum) de demolir a arrogância a golpes de gargalhadas.

E não há que ter condescendência. É descer-lhe a ripa dia e noite, “enquanto houver dia e enquanto houver noite. A imagem pública de Gilmar foi esmigalhada pelo riso. E não há como apiedar-se dele, pois colhe rigorosamente o que plantou. Igualmente, não há como esperar dele um acesso, mesmo pequeno, de humildade. Morrerá teso, enfatuado, entupido de sua “verdade”. E de beiço em riste.