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Má gestão e baixo financiamento do SUS são responsáveis pelo estado crítico
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De OGLOBO.COM, por Sérgio Roxo:
SÃO PAULO e CAMPO GRANDE — Atoladas em dívidas de R$ 11,8 bilhões, as Santas Casas e hospitais filantrópicos do país, que respondem por quase metade dos procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sofrem para manter o atendimento aos seus pacientes. Adiamento de cirurgias, greves de funcionários, falta de materiais e até o fechamento de algumas unidades são hoje uma realidade em muitas dessas instituições. O rombo financeiro não para de crescer. Desde 2005, a dívida aumentou mais de seis vezes, saindo de R$ 1,8 bilhão para R$ 11,8 bilhões. A estimativa da Confederação das Santas Casas de Misericórdia (CMB) é que 87% das 1.983 instituições estão com as contas no vermelho.
Para o superintendente da CMB, José Luiz Spigolon, a crise financeira é consequência da defasagem no valor dos procedimentos pagos pelo SUS. O Ministério da Saúde até admite que existe problemas na tabela do sistema, mas também destaca que algumas Santas Casas têm problemas de gestão. Pelo país, são comuns os casos de intervenções nas administrações das unidades provocadas por iniciativa do Ministério Público. A Confederação das Santas Casas acredita que hoje pelo menos 12 instituições estão nessa situação.
Como são contratadas por estados e prefeituras, as Santas Casas não são fiscalizadas pela Controladoria Geral da União (CGU). Em 2009, no entanto, dentro do projeto de auditorias em ONGs, o órgão avaliou 28 parcerias firmadas com seis Santas Casas. Foram encontradas irregularidades em 22 convênios com cinco das instituições. Entre os problemas detectados estavam: falhas em licitações, superfaturamento em compras, conluio entre empresas participantes de concorrências e equipamentos adquiridos que não foram encontrados.
Uma das situações mais graves no país é a da Santa Casa de Campo Grande, maior hospital de Mato Grosso do Sul. Ela acumula déficit de R$ 4 milhões por mês e vive a incerteza do futuro a partir de maio, quando termina intervenção que começou em janeiro de 2005. Para driblar as dificuldades financeiras, os atuais gestores tiveram de improvisar uma espécie de rodízio no atendimento aos usuários. Em alguns períodos, cirurgias eletivas são suspensas, pois a prioridade são os casos de urgência e emergência. Para desafogar as UTIs, foram criadas as chamadas Enfermarias de Cuidados Intermediários (ECI), para onde são levados os pacientes que saíram do grau de risco.
O hospital tem caráter filantrópico e pertence à Associação Beneficente de Campo Grande (ABCG), que não concordou em perder temporariamente a gestão da instituição e trava na Justiça uma briga com o governo do estado e a prefeitura. A dívida acumulada chega a R$ 140 milhões.
O presidente do Sindicato da Enfermagem de Mato Grosso do Sul (Siems), Lázaro Santana, lembra que, no ano passado, por falta de respiradores, muitos profissionais tiveram que ficar horas com um equipamento chamado “Ambu”, fazendo a respiração manual de pacientes.
— Muitas vezes era preciso ficar até 10 horas “ambuzando” para manter o paciente vivo — diz o sindicalista.
A intervenção foi feita pela prefeitura e governo do estado, depois que a ABCG suspendeu o atendimento no pronto-socorro, no final de 2004. O hospital viveu de sucessivas crises financeiras que levaram a Associação Beneficente a suspender ou restringir atendimento várias vezes.
O advogado da ABCG, Carmelino Resende, critica a intervenção.
— Eles falavam que a associação esbanjava dinheiro, que a entidade não sabia aplicar o dinheiro. Só que, quando fizeram a intervenção, a dívida da Santa Casa era de R$ 37 milhões e agora chega a R$ 140 milhões — afirma o advogado.
Pelo país, já houve casos de hospitais que não resistiram às dívidas e foram obrigados a fechar, como a Santa Casa de Juazeiro, no interior de Bahia, em 2009. A prefeitura local alugou o prédio para instalar uma policlínica e parte do dinheiro arrecadado é usado para saldar de dívidas com antigos funcionários. O mesmo aconteceu com a Santa Casa de Manaus, após o Ministério Público descobrir até uma fábrica clandestina de salgadinhos funcionando no prédio.
Em Rio Branco, capital do Acre, as dívidas trabalhistas fizeram com que o prédio da Santa Casa local fosse levado à leilão. Mas não houve interessados em adquirir o imóvel. Alvo de investigação do Ministério Público, o hospital não atende mais pacientes do SUS. O diretor geral da instituição, Anderson Sandro, nega irregularidades na gestão e diz que o impedimento de atender pelo SUS é uma retaliação política do governo do estado.
A Santa Casa de Montes Claros, no norte de Minas Gerais, não fechou as portas, mas teve o atendimento prejudicado por uma greve de funcionários de 22 dias entre setembro e outubro do ano passado por aumento de salário. O hospital sofre com problemas de infraestrutura. De acordo com o diretor do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviço da Saúde de Montes Claros, Rodinaldo Brito, na unidade são comuns pacientes serem atendidos em macas nos corredores. Há ainda goteiras. A chuva do mês passado fez, segundo ele, com que parte da enfermaria fosse invadida pela água. A direção do hospital negou os problemas e disse que “ocasionalmente” apenas o pronto-socorro enfrenta superlotação.
A dívida das Santas Casas foi levantada por uma subcomissão da Câmara que tratou do tema no ano passado.
— Se prevalecerem as condições atuais, as Santas Casas estão com a sua sobrevivência ameaçada — afirma o deputado federal Antônio Brito (PTB-BA), que foi relator da subcomissão.
Cresce participação no SUS
Ao mesmo tempo em que a crise se agrava, também foi constatado que a participação dos hospitais filantrópicos no total de internações realizadas pelo SUS tem crescido: passou de 39,9% em 2004 para 44,8% em 2011. Por outro lado, as internações em hospitais privados caíram no período de 18,7% para 10,2%.
— (Os hospitais privados) estão saindo do sistema público numa velocidade muito grande porque não têm mais interesse na remuneração que é paga — avalia o superintendente da CMB, José Luiz Spigolon.
O dirigente diz que a maior defasagem na remuneração está nos procedimentos de média complexidade. Cita como exemplo o parto, que custaria R$ 1.200 para o hospital e seria remunerado em cerca de R$ 470 pelo SUS. Mas Spigolon também reconhece que existe problemas de gestão, principalmente nas Santas Casas de pequeno porte. Para o dirigente da CMB, o problema é consequência da baixa remuneração, que impede a contratação de profissionais experientes.
O Ministério da Saúde admite que a defasagem principal está nos atendimentos de média complexidade. Mas Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde, diz que não há previsão de reajuste. O plano tem sido evitar os pagamentos por procedimento realizado:
— Temos remunerado os hospitais por população atendida.
Segundo Magalhães, o ministério aumentou as transferências de recursos para que as instituições invistam na melhora do atendimento e da infraestrutura. No ano passado, foram repassados R$ 907 milhões. O secretário também negocia com o Ministério do Planejamento a implantação de um programa para a revisão das dívidas tributárias das Santas Casas.
Em março do ano passado, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, assinou um convênio para que o BNDES emprestasse dinheiro às Santas Casas a juros menores do que os de mercado. Mas, de acordo com Spigolon, até agora, nenhum empréstimo foi fechado porque os bancos não demonstraram interesse em intermediar os financiamentos. Magalhães reconhece que o programa está “emperrado” e precisa se tonar mais atrativo para as instituições financeiras. (COLABOROU: Paulo Yafusso, especial para O GLOBO)
Comentário meu: As Santas Casas eram instituições filantrópicas que atendiam as classes de renda mais baixa. Eram mantidas por contribuições das empresas que indicavam os seus dirigentes,por razões óbvias. Esse modelo valia até os meados do século passado quando a carga tributária era de 8% do PIB. Com o passar do tempo, o peso dos tributos subindo e chegando a 35%, as empresas foram aos poucos deixando de mantê-las, bem como retirando-se da gestão. O modelo que seguiu a esse foi do financiamento pelo SUS e a gestão de pessoas nem sempre comprometidas com a filantropia. O resultado está aí.
Em relação à Santa Casa de Manaus uns oito anos atrás chegou-se a uma proposta do Governo do Estado que, a meu ver, era boa e traria a Santa Casa de volta ao sistema de saúde, já que ela estava e continua literalmente fechada. Era a seguinte: as dívidas eram de 18 milhões de reais. O Governo alugaria o prédio por dez anos. Faria uma ampla reforma e a colocaria para funcionar sob a direção e com pessoal da SUSAM. O valor do aluguel ficaria em poder do Governo do Estado e gerido por uma comissão da SEFAZ que iria examinado conta a conta e pagando mediante critérios do tipo primeiro as trabalhistas, depois as tributáris e assim por diante. O que fosse sendo pago ia sendo debitado nessa conta do aluguel.
O assunto morreu porque a Santa Casa queria ter o dinheiro na sua conta para que ela pagasse as dívidas e o Governo do Estado, acertadamente, não concordou. Ainda houve quem perguntasse:
– “Por que essa desconfiança? “
Pano rápido!