Cumpre acender a poronga!

Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br

São inquietantes os prognósticos para 2014, especialmente no âmbito da insegurança jurídica, da tramela política, da expectativa de trilar o apito final da Copa e do que fazer com seus rescaldos. Por isso, é sugestivo olhar o retrovisor da História para jogar luz nos caminhos do porvir. Cumpre, portanto, acender a poronga( a lamparina que os seringueiros usavam amarrada na cabeça para coletar o látex na madrugada da floresta) da teimosia e alumiar a obscuridade que os indicadores da economia impõem. Cumpre fazer uma reflexão sobre o papel decisivo daqueles que – em momentos de indefinição e incertezas – abriram picadas da determinação e acreditaram no futuro da Amazônia por ela mesma e daí sua integração nacional e continental. Refiro-me, mais uma vez, à figura do cearense caboco Cosme Ferreira, um dos mais ilustres e esquecidos integrantes desta galeria de guerreiros, a quem devemos lições de transformação do Amazonas, dos novos caminhos que se abrem ou se podem abrir quando o assunto é a conquista de novas matrizes econômicas. Resgato, pois, um paradigma de resistência e obstinação pela prosperidade geral sobre o qual nos compete meditar, para seguir construindo, interiorizando e consolidando oportunidades. As lições de Cosme Ferreira estimulam a discussão e as propostas por inovação tecnológica, a implantação da bioindústria, entre outras ações e desafios atuais que diversifiquem o parque fabril, com integração urgente e inteligente entre academia e setor produtivo e a revisão de uso dos recursos das empresas para Pesquisa& Desenvolvimento para regionaliza  a qualificação técnica e fomentar novas cadeias produtivas. De tão atual, a poronga de Cosme é de led e digital.

Cosme montou seu bunker de resistência na lendária e respeitável Associação Comercial do Amazonas -ACA, onde gerenciava, articulava e promovia a geração de novas matrizes da economia da resistência, com a queda do Ciclo da Borracha. Um visionário que veio ainda criança do Ceará para viver o Amazonas, e marcou a visão de mundo amazônico de muitas gerações nos negócios, crenças e propostas para o desenvolvimento econômico e prosperidade social da região. Pela ACA, trouxe cientistas cearenses e chilenos para combater o “mal das folhas” nas seringueiras, modernizar uso e transporte do látex em lata, e resgatar a dinamização da economia, cultura e desenvolvimento regional. Redator e articulista no “Jornal do Commercio”, pôs na pauta diária a discussão entre academia e economia, em defesa do cultivo racional da borracha, o que também fez na tribuna e nas comissões da Assembleia Legislativa do Amazonas, como Deputado Estadual e igualmente na tribuna e nas comissões da Câmara Federal. Debateu na teoria e polemizou a prática, denunciando a burocracia e o descaso federal. Um trombone de indignação que ressoa até hoje a negligência e a ingerência federal. Como empreendedor, mirou nas promessas da biodiversidade e potencialidade florestal ao promover e estimular inovação tecnológica na cultura da seringueira, da castanheira, do guaraná e do pescado. Seus livros detalham essas inquietações e proposições. Ideias e iniciativas para fomentar oportunidades.

Numa de suas obras, “Primeiro Centenário da Associação Comercial do Amazonas (1871-1971)” está descrita a diversidade das iniciativas e conquistas daquela entidade para resgatar a economia estagnada da região, ações descritas em outros livros, a grande maioria relacionada com a batalha da borracha e as alternativas econômicas baseadas no aproveitamento racional dos recursos naturais. É de sua autoria: Em Defesa da Borracha Silvestre Americana (1928); Notas Parlamentares sobre a Constituinte Amazonense (1935); Borracha, Problema Brasileiro (1938); Problemas da Amazônia (1940); A Borracha na Economia Amazônica (1952); Novas Bases para a Política Econômica da Borracha (1953); Novos Ângulos do Problema Amazônico (1954); Economia da Produção (1956); Amazônia em Novas Dimensões (1961); Porque Perdemos a Batalha da Borracha (1965).

Cosme, como não poderia deixar de ser, à luz do poema de sua história, era um refinado poeta, ocupando espaços nos jornais e revistas de Manaus e assento na Academia Amazonense de Letras. E foi com poesia e determinação que fundou a Companhia Nacional de Borracha, Companhia Brasileira de Plantações e a Companhia Brasileira de Guaraná, empresas focadas na convicção visionária da prosperidade econômica estribada no aproveitamento da biodiversidade amazônica. Precursor da biotecnologia, e um obstinado pela recuperação da economia do látex, Cosme Ferreira mobilizou cientistas e cobrou políticas públicas para materializar seu projeto. A Companhia Nacional de Borracha era uma empresa de beneficiamento, pesquisa e comercialização do látex, onde funcionava um laboratório experimental da Hevea brasiliensis, que ilustra a teimosia e a obstinação desse cearense caboclo em restaurar a economia da goma elástica e de outros produtos da biodiversidade amazônica.

Na apresentação de seu livro, Amazônia em novas dimensões (Ed. Conquista, RJ, 1961), escrita pelo historiador e ex-governador do Amazonas, Arthur Cesar Ferreira Reis, eclode uma denúncia de extrema atualidade e gravidade que o livro de Cosme Ferreira provoca e convoca à reflexão:  “Não se criou ainda, no Brasil, uma consciência, fora do emotivismo ou do sensacionalismo de romance e de jornal, elaborada com serenidade e com realismo acerca da Amazônia. Temos preferido conhecê-la, quando não nos deixamos dominar pela frase macia, as sentenças euclidianas, pelas mãos dos homens de ciência do estrangeiro, que não se cansam de frequentá-la e de investigá-la com os propósitos de bem servir ao conhecimento humano, mas, também, aos interesses políticos de suas pátrias”. No texto, Cosme revive e reacende a questão amazônica, seus desafios de conhecimento e aproveitamento racional, os equívocos de sua ocupação, os mitos criados pelo distanciamento e descompromisso da União em relação ao homem da região. As novas dimensões remetem à antropologia amazônica, no sentido renascentista que se contrapõe ao obscurantismo do teocentrismo medieval.

No discurso do “Empresário do Ano de 1985”, Petronio Pinheiro, um de seus discípulos mais destacados, a quem Cosme Ferreira acolheu como office-boy em 1937 e o viu chegar a superintendente na Companhia Nacional de Borracha, e depois a sócio, o homenageado assim se refere ao seu preceptor: “Ali, na Associação Comercial demos os primeiros passos, no sentido da identificação das nossas coisas, dos nossos problemas econômicos, das dificuldades que sempre cercam a produção regional, da batalha incessante para contorná-los. Conhecendo e convivendo com figuras exponenciais do mundo empresarial do estado. Trabalhando sob as ordens do eminente e consagrado amazonólogo – Cosme Ferreira Filho, antes de chefe, um autêntico mestre e orientador dos mais jovens e a quem o Amazonas tanto deve.” Cosme, Petronio, Simões, Sabbá, Moysés, Benchimol, Guerreiro, Albuquerque, entre tantos outros, deixaram-nos muitas lições de como transpor abismos e abrir picadas. Entre elas, porém, se destaca a crença em nosso destino, na imensidão de nossas potencialidades, e na capacidade de tomá-lo em nossas mãos, sem esperar por ninguém, nem pela hora, para fazer a vida acontecer a cada dia, a cada novo ano e desafio que se inicia!

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.

Alfredo MR Lopes
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