Pai. Ontem um jovem matou o pai, a tia e a prima. Tentei escrever algo sobre essa tragédia, até conclui um texto, mas não gostei. Faltou-me inspiração e emoção diante de um episódio tão trágico.
Precisava conversar com você. Ouvi-lo sobre amor, espiritualidade, afeto. Ouvi-lo sobre o sentido da vida, das coisas, das pessoas. Ouvi-lo sobre sonhos, esperanças, medos e fraquezas.
Pai. A sua morte mostrou-me a grandeza do sentido da vida.
Eu sei que junto com Deus e os anjos receberás a Gabriela, a Maria Graciele e o Roberval.
Mas nós ficaremos aqui no meio da guerra de ganâncias, desesperanças e vaidades. Queria teu ombro…
Pai. Agora posso te ouvir, sentir teu toque e teu cheiro. Senta aqui. Pega na minha mão. Conversa um pouco comigo sobre as tristezas e alegrias da vida.
Para mim que te perdi tão cedo e que até hoje choro de saudades e vejo o Rodrigo, que tinha apenas 3 anos quando Deus te levou, viver com o vazio da tua ausência física, não consigo encontrar explicação para um filho matar um pai.
A ganância de ficar com a herança, como os comparsas justificam. A fraqueza e estupidez do mundo das drogas, no qual dizem ele se afundou com a morte da mãe. O ódio, fruto da condenação do pai pela sua opção sexual. Nada pode explicar que um filho planeje e execute friamente plano tão diabólico.
Eu sinto que você enxuga as lágrimas dos meus olhos antes que elas cheguem ao meu rosto. Eu sempre choro nas nossas conversas e o senhor sempre cuida de mim.
Sabe, pai. Fico imaginando a alegria da chegada desse garoto na família, a festa de um ano. Ele saiu da minha mente. De repente, lembrei minha infância, do futebol na rua ao lado do Pedágio, de soltar papagaio na laje da casa do Nando, da manja esconde com a molecada.
Já te disse que lembro poucas coisas e o que lembro nunca vem com detalhes. Não sei se a dor da tua perda apagou os detalhes ou se foi a força da tua presença espiritual que renova as lembranças novas por cima das antigas, como aquelas fitas K7 do Roberto Carlos que tu colocavas pra tocar todo domingo de manhã.
Eu sei que você lembra cada detalhe. Vocês ai em cima sabem de tudo.
Vou fechar os olhos. Fecha os teus também. Não larga a minha mão. Agora não enxuga mais as minhas lágrimas, deixa elas caírem pelo rosto. Só segura forte na minha mão.
Pai. Meu coração está cheio das alegrias que me deste nos 12 anos que estivestes comigo. No dominó no seu Zé Cordeiro que fazias questão de me levar. No Fast e Cosmo que assistimos no Vilvadão e que, com o estádio lotado e muita confusão, o senhor me colocou sentado no seu ombro me protegendo como o seu maior tesouro, da farofa de ovo que fazias pra mim (sobre isso já conversamos). Da viagem pra Parintins pra mostrar-me o lugar onde nascestes no Lago do Aduacá. Do futebol na Embrapa que eu de fora assistia com orgulho – apesar do senhor ser um baita perna de pau. Calma, pai. Você foi um ótimo pai, mas era perna de pau sim, um zagueiro grosso e desajeitado.
Olhando pra trás. Tudo até aqui valeu e vale tanto a pena. Você e minha mãe transmitiram tanto amor pela vida, pelas pessoas, pelos sentimentos. Vocês fizeram a vida ser importante pra mim.
Sei que vivemos um tempo de certa desesperança e que Deus deve sofrer um bocado com o que os homens fazem hoje com o mundo que ele criou como paraíso. Mas ainda temos tempo pra consertar, Eu acredito nisso, meu amado Pai. Acredito mesmo.
Quando o senhor se foi, eu ainda era uma criança, mas como você sabe virei um cara engajado politicamente, cheio de ideais, de sonhos e de esperanças.
Pai. Quando eu era jovem eu achava que poderia mudar o mundo. O tempo passou, muita coisa mudou, aprendi com erros e acertos, com alegrias e sofrimentos e hoje chego próximo aos 40 anos não mais crendo que podemos mudar o mundo.
Agora, tenho a certeza de que estamos mudando! De que com exemplos de amor, companheirismo, solidariedade, tolerância e caridade na vida pública e privada vamos mudando o que pode ser mudado, até o tempo que esses valores de luz vencerão as trevas do egoísmo, da violência, do individualismo e da opressão.
Foi muito triste o que aconteceu com esse jovem. Ele morreu junto com os que ele matou. O sentimento que fica é que, nesse episódio, perdemos a batalha.
Pai. Obrigado por me amparar e ouvir nesses momentos de angústia e tristeza. As lágrimas sempre voltam com a nossa despedida. Vai, pai. Eu entendo. Mas antes dá um abraço e um beijo, seca as minhas lágrimas. Agora posso sentir teus braços, teu cheiro – lembrei uma música que cantaram no teu enterro, que diz assim: “fica sempre um pouco de perfume… nas mão que oferecem rosas… nas mãos que sabem ser generosas…”. Vai em paz. Cuida de nós. A sua benção, pai.