Brasil, cada vez menos democracia e mais pacoba

Brasil, cada vez menos democracia e mais pacoba

Por Alexandre Navarro

A Organização das Nações Unidas (ONU), criada em outubro de 1945, após a ratificação de 51 países-membros de seu documento fundacional, a Carta das Nações Unidas, é uma organização multilateral representante e voz dos povos do mundo, em particular pobres e vulneráveis. O Brasil foi um destes membros fundadores. Atualmente, tem 193 estados-membros representados em seu órgão principal, a Assembleia Geral (AG).

Os direitos humanos compõem o tripé central da atuação das Nações Unidas, junto a segurança e desenvolvimento. Marco técnico e humano para dar vazão à defesa dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada pela AG em Paris, três anos depois da criação da ONU, dezembro de 1948, estabelecendo, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos.

A DHDH em conjunto com os Pactos Internacionais, dos Direitos Civis e Políticos, e Econômicos Sociais e Culturais, formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos, que vincula as ideias de liberdade, justiça e paz à criação de condições que permitam a cada pessoa “gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais” (preâmbulo).

O Brasil, à época em transição há sete anos de uma República de Pacobas para algo mais democrático, transparente e humanista, afirmou, através do Decreto nº 592, de 1992, que o país executaria e cumpriria o Pacto dos Direitos Civis e Políticos “tão inteiramente como nele se contém” (art. 1º), e esqueceria em algum almoxarifado da história as pacobas plantadas.

No artigo 2º do Decreto reafirmou que “garantiria a todos os indivíduos os direitos reconhecidos no Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.”

Pois é, passados vinte e oito anos do Decreto do presidente Fernando Collor, hoje senador, o Brasil parece que não aprendeu nada e não pensa em cumprir o que assinou – esperamos que momentaneamente – apesar de alguns períodos de avanço democrático, reconhecidos pela própria ONU.

Num déjà vu bananeiro, pacobeiro e reacionário, que tem muito pouco a ver e é muito pior, idiossincraticamente, que conservador, saudosistas e justiceiros tentam confundir (e)leitores através de enigmas de pós-verdade e notícias falsas (fake news), e passaram a produzir dossiês persecutórios contra servidores públicos, que dizem ser simples relatório, o que já seria estranho, como divulgou Jamil Chade no Portal UOL1.

Segundo Chade “uma das possibilidades é o Brasil ser colocado em uma espécie de lista suja de governos que promovem intimidações”.

Não é de se estranhar o anúncio do UOL, infelizmente.

Dentre outros ataques aos direitos humanos, em maio de 2017, o Relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH)2 apontou que o Brasil ainda não havia ratificado a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e suas Famílias, devido à falta de priorização de parlamentares e do governo federal.

No mesmo documento, observou a Anistia Internacional que o Brasil, embora apoiasse as recomendações destinadas a evitar com assassinatos pelas forças de segurança, as mortes ocasionadas por policiais continuaram, notadamente no ambiente da “guerra contra as drogas”, envolvendo, em muitos casos, o uso excessivo da força e execuções liminares em favelas brasileiras.

A Omega Research Foundation registrou que as recomendações para o País adotar medidas para prevenir e combater a tortura foram ignoradas, permanecendo as pessoas privadas de liberdade em prisões, fadadas a tratamentos torturantes e outras formas de maus-tratos.

A Human Rights Watch apontou que, inobstante promotores terem adotado medidas para minorar a violência policial, a exemplo de unidades policiais especiais para investigar casos de abuso policial, as recomendações não foram alcançadas, exigindo a adoção de novas políticas.

A Submissão Conjunta 20 (JS20) registrou rebeliões e fugas frequentes, torturas e maus-tratos, além de superlotação, falta de acesso a tratamento médico, negação dos direitos à educação e violações físicas em vários estados.

A JS18 informou que o Brasil recebeu 12 recomendações voltadas à proteção de defensores de direitos humanos, de jornalistas e da sociedade civil e 5 sobre povos indígenas. Nenhuma, todavia, foi completada.

Num horizonte para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), cobrou o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, que a materialização das recomendações às Partes, oriundas do Conselho de Direitos Humanos da ONU, “em particular por meio de mecanismos de direitos humanos e suas recomendações, constitui uma base sólida para os Estados alcançarem melhores resultados na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e na proteção dos direitos humanos em nível nacional”.

Completou Guterres, em sua exposição sobre o 3º Ciclo da Revisão Periódica Universal (RPU), concluído pelo Brasil em 2017, que “a principal prioridade do Alto Comissariado de Direitos Humanos é a de garantir que os ODS sejam implementados de maneira consistente com os padrões internacionais de direitos humanos”.3

A RPU, criada através da Resolução AG 60/251 (parágrafo 5.e), é um dos procedimentos das Nações Unidas que podem refrear ímpetos saudosistas e persecutórios, de porão, como este dossiê que arrola e fotografa 579 pessoas por serem… “antifas”.

A RPU consiste na avaliação cooperativa, a cada quatro anos e meio, do cumprimento das obrigações e compromissos sobre a situação de direitos humanos nos Estados-Membros, assim como as medidas adotadas para o cumprimento das recomendações sugeridas pela RPU.

O Brasil, como um dos primeiros países a passar pela Revisão Periódica Universal, concluiu seu terceiro ciclo em 2017, quando o Grupo de Trabalho da RPU apresentou o relatório relativo ao país ao Conselho de Direitos Humanos em setembro de 2017.

Na contramão de alguns avanços registrados pela RPU na última rodada, no qual teve 246 recomendações, o Brasil é hoje objeto de 431 recomendações da RPU. Um crescimento de 75%.

Muito deste resultado ocorre porque, embora o Brasil se submeta voluntariamente à RPU, não há mecanismo de acompanhamento da implementação destas recomendações no país.

Como resposta a esta ausência de instrumentos de freios e contrapesos associada à inação legislativa e executiva no tocante à realização das recomendações e pautas sociais de direitos humanos, a Câmara Federal criou, junto a titular do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet, em dezembro de 2019, o Observatório Parlamentar da RPU, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM).

Como resposta do Congresso Nacional e do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), que assinou com Bachelet a criação do Observatório, mesmo já tendo o ministério da Justiça entregue o dossiê (relatório) à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional, deveriam, as Comissões de Direitos Humanos da Câmara e do Senado, convocar o ministro e requisitar o documento, pois o assunto não é investigativo e sim de Direitos Humanos.

1 – CHADE, Jamil. Uso de dossiê antifascista chega à ONU, e Brasil pode ir para “lista suja”. Portal UOL. Disponível em https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/08/12/uso-de-dossie-antifascista-chega-a-onu-e-brasil-pode-ir-para-lista-suja.htm?cmpid=copiaecola.

2 – GENERAL ASSEMBLY. Summary of other stakeholders submissions on Brazi: Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights.

3 – UNIVERSAL PERIODIC REVIEW (UPR). The 3rd cycle 2017-2021(2022).