ANÁLISE DAS NORMAS ACIDENTÁRIAS PREVIDENCIÁRIAS FACE ÀS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO.

Por Iza Amélia de Castro Albuquerque (*)

RESUMO

Este trabalho se propõe à analise das normas acidentárias previdenciárias vigentes face às transformações no mundo do trabalho, com o intuito de demonstrar que a cobertura dos riscos sociais decorrentes do mercado laboral encontra-se em desacordo com a nova estrutura do mercado de trabalho, assim como, ao contemporâneo conceito de meio ambiente do trabalho.

Dentre as transformações ocorridas no mundo do trabalho, observa-se o declínio do quantitativo de trabalhadores assalariados, acompanhado de conseqüente crescimento do número de trabalhadores laborando por conta própria, de forma individual, familiar ou associativa, sustentando uma economia dos setores populares, com novas formas de produção e sociabilidade. A estrutura do mercado empresarial, também sofre mudanças com a proliferação de microempresas e empresas de pequeno porte. Cresce ainda, o quantitativo de trabalhadores profissionais liberais.

No entanto, apesar da tendência redutora de trabalhadores ligados ao mercado de emprego, bem como, a de crescimento do número de trabalhadores laborando por conta própria, estes, classificados como segurados obrigatórios da previdência social na espécie de contribuintes individuais, a legislação acidentária, em sede previdenciária, se mantém estagnada, em visível desacordo com a realidade do mundo atual laboral, quando restringe, entre outros direitos, a concessão do benefício previdenciário de auxílio-acidente apenas aos trabalhadores com vínculo empregatício, avulsos e especiais, contrariando o princípio da isonomia quanto ao amparo integral devido pelo Estado-previdenciário aos trabalhadores em geral.

INTRODUÇÃO

A realização deste trabalho visa tecer uma analise das normas acidentárias previdenciárias vigentes no nosso ordenamento jurídico face às transformações na estrutura produtiva do mercado do trabalho, cada vez mais tendencioso ao trabalho por conta própria que ao trabalho com vínculo empregatício, de forma que podemos constatar a ocorrência de mudanças significativas na estrutura do mercado de trabalho, como o aumento do desemprego, a diminuição do número de trabalhadores assalariados e o crescimento do número de trabalhadores laborando em atividades assentadas no trabalho realizado de forma individual, familiar ou associativa, o que pode-se conceituar como economia dos setores populares.

Nesse novo modelo produtivo as atividades se desenvolvem sob modalidades de trabalho associativo, formalizadas ou não, a exemplo das cooperativas, consórcio de agricultores, empreendimentos autogestionários, oficinas de produção associada, centrais de comercialização de agricultores familiares, associações de artesãos, escolas e projetos de educação e formação de trabalhadores, organizações de micro-crédito e fundos rotativos.

As novas formas produtivas modificam o panorama também do meio ambiente do trabalho. Neste, o direito à vida, suporte para a existência e gozo dos demais direitos, é um direito fundamental da pessoa. Para Cristiane Derani, que elabora um conceito de qualidade de vida frente ao Direito Econômico e Direito Ambiental, esses ramos do direito têm as mesmas preocupações: “buscar a melhoria do bem-estar das pessoas e a estabilidade do processo produtivo”. Dessa afirmativa, conclui-se que, necessariamente, inserido no processo produtivo, encontra-se o trabalhador que, na realidade, é o elemento essencial e insubstituível neste processo.

No Brasil, em outubro de 2003, existiam 10 335962 empresas informais que ocupavam 13860868 pessoas, incluindo trabalhadores por conta própria, pequenos empregadores, empregados com e sem carteira de trabalho assinada, além dos trabalhadores não-remunerados. Verificou-se uma variação de 9% no número de empresas informais, enquanto o crescimento dos postos de trabalho nelas existentes cresceu 8% em relação à pesquisa anterior

Nesse contexto, pretendemos demonstrar no discorrer deste trabalho, que as normas acidentárias vigentes em nosso ordenamento jurídico não encontram consonância no que pertine ao alcance da proteção previdenciária aos trabalhadores “lato sensu”, posto que são restritas ao conceito de trabalhador, como sinônimo de vínculo empregatício, incluindo ainda, o trabalhador avulso e o trabalhador rural que labora em forma de economia familiar, destoando das novas tendências de formas laborais, contrariando os fundamentos constitucionais, os princípios da seguridade social, assim como, o moderno conceito de meio ambiente trabalho, globalizado e dinâmico, tendo como centro a vida digna do homem, ultrapassando as paredes de concreto das unidades fabris, seguindo a mesma tendência globalizante da informação e dos mercados financeiros, repleto de diversidades e sem fronteiras. Dessa forma, o desenvolvimento dessa analise se fará com suporte na dimensão do contemporâneo conceito de meio ambiente do trabalho, na extensão da proteção do Estado previdenciário fundado nos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito e nas tendências transformadoras no mundo do trabalho.

1. DA VISÃO CONTEMPORÂNEA DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

Ao se pretender uma visão integrada de vida digna do trabalhador, mister se faz que a interpretação ocorra no seio de diversos ramos do direito, como Direito Ambiental, Direito do Trabalho e Direito da Seguridade Social, pois não há como vislumbrar a eficácia das normas de tutela à saúde, à higiene e à segurança do trabalhador em análises isoladas, fragmentadas. A sadia qualidade de vida, elevada em sede constitucional como direito fundamental, não pode se restringir a determinadas áreas, sob pena de frustrar o objetivo primordial do legislador constituinte.

A doutrina tem evoluído no conceito de meio ambiente, assim não mais se vê como tal apenas o ambiente natural em que vive o homem, mas sim um conjunto integrado de elementos. Contudo, para se alcançar a concepção atual de meio ambiente do trabalho, deve-se buscar um universo maior que é a própria conceituação de direito ambiental e de meio ambiente. Sirvinskas menciona que Direito Ambiental “é a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no Planeta.

Sob o ponto de vista de José Afonso da Silva “o meio ambiente é, desta forma, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente”

Ocorre que o alicerce de meio ambiente do trabalho concretiza-se na Constituição Federal de 1988, quando positiva esse direito em seu artigo 200, inciso III: “ Colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” Torna-se evidente que há na Carta Política toda uma construção de tutela voltada para o homem, trabalhador.

Nesse sentido cite-se o comentário de Sandro Nahmias Melo “se o meio ambiente que a Constituição Federal quer ver preservado é aquele ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida ( art. 225 caput), então o homem, a natureza que o cerca, a localidade em que vive, o local onde trabalha, não podem ser considerados como compartimentos fechados, senão como ‘átomos de vida’, integrados na grande molécula que se pode denominar de ‘existência digna”.

Relevante ainda é a concepção de meio ambiente do trabalho encontrada na doutrina de Celso Fiorillo, por contemplar mais que apenas os ambientes onde laboram os trabalhadores empregados ou remunerados, mas também “o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)”.

Para a proteção integral do homem a Constituição Federal delineou o sistema de Seguridade Social nos arts. 194 a 204. Esse sistema compreende três esferas de proteção: a previdência social, a assistência social e a saúde; e encontra seu fundamento em comando constitucional que possui status de objetivo fundamental da República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária ( CF/88, art. 3º, inciso I) . Dispõe o art. 196 da Carta Política que a saúde é direito de todos e dever do Estado e será garantida mediante políticas socioeconômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O homem, por ser dotado de racionalidade e moralidade, não se iguala aos outros seres viventes na Terra, motivo pelo qual goza de direitos inerentes a essas qualidades. Viver em um meio ambiente equilibrado é pressuposto para o exercício do direito fundamental, que é o direito à vida, mas não apenas a vida pela vida, e sim, à vida saudável e com dignidade. Em assim sendo, todo um arcabouço jurídico se volta para o homem como centro, e nessa esteira também se encontra um direito ambiental antropológico. Celso Fiorillo menciona: “a vida que não seja humana só poderá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia a sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma”.

A Constituição de 1988 dedica em sue artigo 225 a tutela jurídica ao meio ambiente, apresenta como fundamento do Direito Ambiental que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“.

Ressalte-se que a Carta Política também apresenta as bases para tutelar a sadia qualidade de vida do homem, objetivando a dignidade da pessoa humana, obviamente, nesse preceito, encontra-se intrínseco a tutela ao meio ambiente na sua forma mais universal. Deste modo, o meio ambiente do trabalho é o desdobramento desse universo, e quando adequado e seguro é um dos mais importantes e fundamentais direitos do trabalhador.

Então, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, sob o comando constitucional do ordenamento jurídico, não se refere apenas ao equilíbrio do meio ambiente natural, mas a prerrogativa individual do homem. Este é um bem jurídico constitucionalmente protegido. O mesmo não pode ser desmembrado em parcelas individuais. Seu desfrute é necessariamente comunitário e reverte ao bem-estar individual. Portanto, o meio ambiente equilibrado nas relações de produção significa prevenção aos acidentes, benefícios à sociedade, e, em conseqüência, o aumento no nível da qualidade de vida de cada trabalhador.

No bojo desse conceito é que faremos a análise das normas acidentárias vigentes face as transformações que, hora assistimos na estrutura do mercado de trabalho e, para tanto, iniciaremos, informando que a evolução da legislação referente aos infortúnios passou por vários estágios culminando na atual, que é a do risco social, suportado pela Previdência Social, com sustentação no princípio da solidariedade.

2 . DA PROTEÇÃO DO ESTADO-PREVIDENCIÁRIO

O Estado-previdência tem a finalidade de proteger o trabalhador quando de sua incapacidade laboral, obedecendo os princípios da Seguridade Social estabelecidos no parágrafo único do artigo 195 da Carta Maior. Portanto, tais princípios devem ser interpretados na dimensão da Previdência Social, porém sem jamais perder a diretriz do objetivo fundamental constitucional de construir uma sociedade livre justa e solidária, menos ainda desrespeitar o comando maior, a dignidade da pessoa humana. Quando nos referimos à dimensão da Previdência Social, significa dizer que no Regime Geral de Previdência Social-RGPS, a proteção se dará mediante o pagamento da contribuição social, que vertida em parte pelos segurados obrigatórios e facultativos, alimentará o sistema que se obriga em contrapartida, a concessão dos benefícios e serviços, com a finalidade de proteção aos seus segurados.

Como pretendemos demonstrar neste trabalho que as normas acidentárias vigentes não estão em consonância com os fundamentos constitucionais e com a realidade do mercado laboral, quando o legislador infraconstitucional limita a concessão do benefício previdenciário de auxilío-acidente, somente aos segurados empregados, avulsos e especiais, passamos a discorrer sobre conceitos doutrinários e legais previdenciários necessários a compreensão desta proposta.

Iniciaremos com o conceito de risco social, adotando Horvath, que afirma “que o risco se diz social porque o trabalho é um valor social e portanto protegido pelo Direito Social”.

A Constituição Federal de 1988 instituiu como tutela imediata no inciso XVIII do art. 7º, ao assentar como direito dos trabalhadores urbanos e rurais: “seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.” Grifamos

Da leitura do texto constitucional podemos interpretar que o legislador restringe o amparo no âmbito trabalhista contra acidentes do trabalho ao trabalhador assalariado, quando se refere que o seguro contra acidente do trabalho será a cargo do empregador, dessa forma, seguindo a diretriz constitucional as leis 8.212/91 e 8.213/91 disciplinam a matéria a respeito do financiamento e dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.

Assim, a lei 8.213/91 – Plano de Benefícios da Previdência Social – em seu art. 19, informa o conceito legal de acidente do trabalho, sendo: aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Para Castro e Lazzari a definição conferida pela lei não é suficiente para se ter uma noção adequada do que de fato seja acidente do trabalho, e se socorre dos estudos de Russomano a respeito do tema: “O acidente de trabalho, pois, é um acontecimento em geral súbito, violento e fortuito, vinculado ao serviço prestado a outrem pela vítima que determina lesão corporal”. Desta forma, pode-se extrair desse conceito que o acidente do trabalho típico é um fato violento, porque viola a integridade física do indivíduo, pois o acidente que não causa danos à integridade não é caracterizado como tal. É súbito, é abrupto, porque ocorre durante curto lapso de tempo. O acidente do trabalho típico é causado por evento externo, portanto não se trata de um mal congênito e nem de doença preexistente, como também há a imposição de que tenha sido causado pelo exercício de atividade laborativa, ou seja, urge a necessidade de que haja um nexo causal entre o trabalho e o efeito do acidente. Portanto, deve haver um nexo causal entre o acidente e o trabalho exercido.

Além dos acidentes típicos e das doenças ocupacionais, registre-se que o legislador previdenciário através da Lei 9.129 de 20/11/95, estabelece uma proteção maior ao trabalhadores em geral, criando um evento novo – o acidente de qualquer natureza – o qual dispensa o nexo com a atividade laboral no momento do acidente, mitigando mais ainda as diferenças no campo da proteção previdenciária quanto ao acidente do trabalho e aos demais acidentes. Dessa forma, nos termos da Lei 8.213/91, os benefícios resultantes do acidente do trabalho recebem o mesmo tratamento que os demais benefícios, passando os benefícios acidentários a serem calculados como os demais benefícios previdenciários por incapacidade, ou morte.

Em suma, considera-se que o trabalhador sofreu um acidente de trabalho quando uma das três situações é verificada:

1. ao ser vítima de um acidente, em decorrência das características da atividade profissional por ele desempenhada (acidente típico);

2. quando é vítima de um acidente ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho (acidente de trajeto); ou,

3. ao ser vítima de um acidente ocasionado por qualquer tipo de doença profissional, produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho, peculiar a determinado ramo de atividade constante de relação existente no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, ou por doença do trabalho adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação citada anteriormente.

Portanto, os riscos de ocorrência de acidentes, especialmente do primeiro e terceiro tipos variam para cada ramo de atividade econômica em função de tecnologias utilizadas, condições de trabalho, características da mão-de-obra empregada e medidas de segurança adotadas, dentre outros fatores.

Para que se entenda a concessão dos benefícios e serviços previdenciários é mister que se conceitue e identifique o que é, e quem são os beneficiários – segurados e dependentes que deverão receber as prestações da Previdência Social.

Segurados são as pessoas físicas que exercem, exerceram ou não atividade, com ou sem remuneração, efetiva ou eventual, com ou sem vínculo empregatício. Segurado será sempre pessoa física, em regra, o trabalhador. Assim, a pessoa jurídica não será um segurado, visto que não é beneficiária do sistema, portanto não se aposentará . Essa definição em sentido lato sensu , quer dizer que todos os que laboram, empregados ou não, são segurados da Previdência Social, não necessariamente atividade econômica, mas, atividade remunerada.

Os segurados da Previdência Social são classificados em obrigatórios e facultativos. Sendo segurados obrigatórios nos termos do art.12 da lei 8.212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) as pessoas físicas:

a) como empregado – aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado. Esse é o primeiro comando do legislador previdenciário, adota basicamente o conceito de empregado, segundo o art 3º da CLT, e na inteligência da lei menciona : como empregado porque não quis dizer, o empregado, pretendendo incluir pessoas que embora não atendam às característica narradas pela CLT são consideradas empregadas para Previdência Social, como é o caso dos que exercem mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado ao regime próprio de previdência social, são agentes políticos, no entanto são considerados como empregados para a previdência social, por não pertencerem a Regime Próprio de Previdência Social.

b) como empregado doméstico: aquele que presta serviço de natureza contínua à pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos;

c) como trabalhador avulso: aquele que sindicalizado ou não, presta serviços de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra , nos termos da Lei 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou de sindicato da categoria.

d) como contribuinte individual: a pessoa física, proprietária ou não, que, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua. A lei n. 9.876 de 26.11.1999 incluiu a categoria de contribuinte individual, englobando os segurados empresário, autônomo e equiparado a autônomo.

e) como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de quatorze anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

Isto posto, verifica-se que o requisito para ser segurado obrigatório é o exercício de uma atividade laborativa remunerada e lícita. Podendo ser com ou sem vínculo empregatício, de natureza urbana ou rural, como também, o pelo trabalho doméstico.

Podem também filiar-se, mediante contribuição, ao Regime Geral de Previdência Social, aqueles que não exerçam atividade remunerada e que sejam maiores de 16 (dezesseis) anos de idade, denominados de segurados facultativos.

Vejamos a respeito do financiamento do Seguro Acidente do Trabalho. Nos termos da lei 8.212/91, art. 22, inciso II, a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social para o financiamento do benefício da aposentadoria especial, e dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho – em razão de acidente do trabalho típico ou de doenças ocupacionais – sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados será de: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Do exposto, conclui-se que vertido o financiamento para o sistema, cabe ao Estado a sua contrapartida em obrigações, ou seja, o pagamento das prestações previdenciárias, por meio do gestor da previdência para com os indivíduos potencialmente beneficiários do regime. Assim, são obrigações de dar (benefícios) ou de fazer (serviços), obrigações estas que são denominadas de prestações previdenciárias devidas em benefícios e serviços.

Os benefícios são a razão da existência da Previdência Social, é a contrapartida da contribuição. Para Wladimir Martinez “A concepção do financiamento (custeio) liga-se à idéia de reparação (prestação). Ambas logicamente interligadas, uma antecedente e outra conseqüente.”

Sendo assim, o legislador dá atenção especial à prestação e acerca de muitos cuidados, constituindo-se no principal instituto jurídico previdenciário.

Ressalte-se que são destinatários dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social decorrentes de acidente do trabalho apenas o segurado empregado, o trabalhador avulso, o segurado especial, conforme se observa do art. 18, § 1º, da Lei n. 8.213/91 e o art.104 do Decreto n. 3.048/99.

Como já fora mencionado alhures, as prestações da Previdência Social são expressas em benefícios e serviços, nos termos do art. 18 da lei 8.213/91:

1) quanto ao segurado: aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por tempo de contribuição; aposentadoria especial; auxílio-doença; salário-família; salário-maternidade; e auxílio-acidente;

2) quanto ao dependente: pensão por morte; e auxílio-reclusão.

Assim, as prestações concedidas pelo seguro social tem natureza de serviço público de tipo novo, no qual o Estado assume papel que vai além do limite do segurador, pois será o responsável pela tutela do meio do trabalho hígido. Desta maneira, forçoso reafirmar que a responsabilidade do Ente público previdenciário é objetiva, pois a concessão dos benefícios independe da culpa do empregador ou do empregado.

Como esta analise tem como referência para comprovação de sua proposta, o Beneficio previdenciário de auxilio-acidente, devemos trazer sua normatização (art. 86 da Lei 8.213/91 e art. 104 do Decreto 3048/99).

O Auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza,resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia (grifamos). Ressalte-se que esse benefício será concedido somente aos segurados que possuem financiamento do seguro acidente do trabalho, mesmo quando a lesão for decorrente de acidente de qualquer natureza, ou seja, aquele acidente que não teve nexo de causalidade com trabalho. grifamos

O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do saláriode-benefício e será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria, e cessará na véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. Este benefício poderá ser inferior ao salário mínimo, porque não tem o objetivo de substituir a remuneração do trabalhador.

Quando da ocorrência de um acidente podem resultar danos irreparáveis, insuscetíveis de cura para a integridade física do segurado, no entanto, esses danos podem assumir diversos graus de gravidade. No âmbito da previdência social, o dano que enseja direito ao auxílio–acidente é o que acarreta perda ou redução na capacidade laboral sem caracterizar a invalidez para todo e qualquer trabalho.

Incapacidade permanente – o segurado fica incapacitado de exercer a atividade profissional que exercia à época do acidente. Essa incapacidade permanente pode ser total ou parcial. No primeiro caso, o segurado fica impossibilitado de exercer qualquer tipo de trabalho e passa a receber uma aposentadoria por invalidez. De outra forma, no segundo caso o segurado recebe uma indenização pela incapacidade sofrida (auxílio-acidente), mas é considerado apto para o desenvolvimento de outra atividade profissional.

Após breve síntese de alguns conceitos doutrinários e legais referentes à proteção previdenciária, apropriado trazermos para maior compreensão da tese que aqui se defende. Os princípios da Seguridade Social insculpidos pelo constituinte originário no parágrafo único do art. 194 da Constituição Federal Brasileira de 1988, in verbis,

“Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei,organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I – universalidade da cobertura e do atendimento;

II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.

III…………….

O princípio da universalidade da cobertura e do atendimento nos informa no que se refere a cobertura, que a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação social seja premente a fim de manter a subsistência de quem dela necessite, e quanto ao atendimento, significa a entrega das ações, prestações e serviços a todos os que necessitem.

O princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais nos impõe a diretriz de que não deve haver tratamento desigual entre trabalhadores urbanos e rurais, como também não deve haver diferença dos benefícios e serviços concedidos na dimensão da previdência social. Quando falamos em dimensão da previdência social, estamos nos referindo a obrigatoriedade de contribuição para o Regime Geral de Previdência Social ter capacidade geral previdenciária (qualidade de segurado), ou seja, ser filiado e ter contribuído para o sistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto, iniciaremos a conclusão deste trabalho afirmando que o legislador infraconstitucional ao limitar a concessão do benefício previdenciário de auxílio-acidente apenas aos trabalhadores que possuem financiamento para o Seguro Acidente do Trabalho nos termos que já expusemos alhures, a saber: empregados, trabalhadores avulsos e segurados especiais, viola os fundamentos e os objetivos fundamentais da Republica Federativa do Brasil, e mais, viola o princípio fundamental adotado pela Previdência Social Brasileira e o princípio da Solidariedade. O Brasil adotou o sistema contributivo de repartição, no qual as contribuições são vertidas para um fundo único. Wladimir Novaes Martinez nos ensina que na solidariedade “No

momento da contribuição, é a sociedade quem contribui. No instante da percepção da prestação, é o ser humano a usufruir. Embora no ato da contribuição seja possível vincular cada contribuinte, não é possível vincular cada uma das contribuições a cada um dos percipientes, pois há fundo anônimo de recursos e um número determinável de beneficiários”.

O segurado da previdência social, classificado como contribuinte individual, quando sofre acidente de qualquer natureza ou causa e após a consolidação das lesões venha a apresentar seqüelas que causem a redução de sua capacidade laborativa experimenta o desamparo previdenciário, pois não perceberá o benefício do auxilio acidente como compensação dessa redução laboral. Em assim sendo, temos que o conceito legal de acidente do trabalho está vinculado equivocadamente ao financiamento do Seguro acidente do trabalho, e não a atividade do trabalho, o que contraria o conceito contemporâneo de meio ambiente do trabalho. Ademais, o segurado como contribuinte individual é o trabalhador por conta própria ao qual nos referimos no início de deste texto, logo, discriminá-lo, contraria as tendências transformadoras do mercado laboral, fere o princípio da isonomia,e, conseqüentemente, a dignidade da pessoa humana.

A cobertura da previdência social brasileira deve assumir o risco social integralmente no âmbito de sua dimensão, pois adotou a solidariedade como fundamento, assim como, a uniformidade dos benefícios a todos os segurados que se encontram nas mesmas condições. Portanto, é incabível a exclusão dos trabalhadores autônomos da proteção previdenciária do beneficio de auxilio-acidente, quando após a consolidação das lesões tiver sua capacidade laboral reduzida.

(∗) – Professora de Direito Previdenciário da Universidade do Estado do Amazonas-UEA; Mestre em Direito Ambiental; Especialista em Direito do trabalho e previdenciário. Coordenadora do curso de direito do CIESA. Advogada.