A DESORDEM URBANA NO BRASIL

Há uma cultura no Brasil que privilegia a desordem urbana. Lamentavelmente isso é assim da menor à maior cidade. Por essa cultura o dono do terreno pode tudo. Como regra, reclamam que as Prefeituras são muito rigorosas na aprovação dos projetos e aí seguem o caminho de construir sem submeter o projeto à aprovação das autoridades urbanas e ambientais municipais.

Manaus tem esse problema que foi diminuído, mas não resolvido, quando estive como Prefeito e busquei simplificar, agilizar e diminuir os custos da tramitação dos projetos.

O interessante é que descobri que o setor público, simplesmente, não submetia os seus projetos, como deveria, ao exame da Prefeitura. A razão: a Prefeitura cobrava taxas muito altas. Mandei à Câmara um projeto de lei isentando o setor público de pagar as taxas e reduzí as taxas do setor privado. Melhorou muito, mas seria ilusão achar que foi resolvido.

A SUHAB, por exemplo, tinha milhares de casas sem “habite-se”, o que foi resolvido com a iniciativa do Robson Roberto, então seu presidente.

O rito normal de uma obra, seja pública, seja privada, é fazer o projeto, submetê-lo ao exame, obter a licença, pagar o INSS referente aos seus trabalhadores, receber o “habite-se” e, por último, fazer o devido Registro de Imóveis. Posso dizer, sem medo de errar, que mais da metade dos imóveis em Manaus não seguiram esse rito, sendo que no setor público, praticamente nenhum.

Hoje, a FOLHA DE SÃO PAULO traz um artigo do Fernando de Barros e Silva intitulado ‘ PRA QUE DISCUTIR COM A MADAME? ” que retrata a situação em São Paulo.

Na verdade, ele retrata o Brasil:

SÃO PAULO – O edifício Villa Europa, o espigão do luxo extremado da rua Tucumã, deveria ser tombado (talvez nos dois sentidos). O prédio é um monumento à ilegalidade urbana e uma homenagem à cafonice imobiliária. Sim, há gosto para tudo, mas a lei é uma só.

Iniciada em 1994, a obra foi embargada em 1999, quando ficou constatado que a construtora havia erguido 30 metros além do permitido. São Paulo está repleta de construções irregulares. Mas essa é muito agressiva, acintosa demais.

Trata-se de um escândalo velho, que já se arrasta há 12 anos na Justiça — outro escândalo. O arranha-céu da Tucumã vai sobreviver, mas se tornou um mico da ostentação.

Ontem, a proprietária de um dos duplex avaliados em R$ 9 milhões, já instalada no apartamento, mesmo sem o Habite-se da prefeitura, disse à Folha: “Mas 90% dos prédios da Faria Lima não têm Habite-se, os prédios da rua Hungria não têm, tá todo mundo morando dentro de prédio sem Habite-se em São Paulo, não sei se você está sabendo”. Bem, eu não estava sabendo. Você estava? A prefeitura tem o dever de saber. Ou devemos perguntar, como João Gilberto na canção, “pra que discutir com madame?”.

O problema das ilegalidades habitacionais em São Paulo vai muito além da ação predatória do mercado imobiliário. O caso emblemático da torre da Tucumã é a ponta de um iceberg. Na sua base existem em torno de 2 milhões de pessoas morando irregularmente em áreas de mananciais na cidade. É praticamente a população de Paris.

Entre favelas, cortiços e loteamentos ilegais, vivem precariamente cerca de 3 milhões de paulistanos, conforme estudo do Conselho Municipal de Habitação divulgado no final do ano. O deficit habitacional da cidade, segundo o documento, é de 130 mil moradias.

Diante dessa realidade, protegida pela Justiça, do alto do seu espigão, madame pode esnobar à vontade um reles Habite-se. Ninguém tem. Você não estava sabendo?