ZFM, ainda dependente de projeto alternativo para 2073

ZFM, ainda dependente de projeto alternativo para 2073

Osíris Silva

Em seu notável livro “O Mundo pós-Ocidental – Potências emergentes e a nova ordem global”, de 2016, o professor da FGV em São Paulo, Oliver Stuenkel, é clarividente, ao considerar que “uma das tendências mais duradouras das últimas décadas é a percentagem crescente de pessoas vivendo em países desenvolvidos”. Não ocorrendo “nenhum evento profundamente inesperado (como uma pandemia global, por exemplo), este desenvolvimento está pronto para durar”. Pois bem, o que parecia inverossímil no ano do lançamento de sua obra, materializou-se em 2020, com a instalação em escala mundial da pandemia do novo Coronavírus, em fins de 2019. O mundo convive com crises econômicas, guerras e todo tipo de conflagração regional ou mundial desde sempre. Contemporaneamente, merecem destaque a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a crise da Guerra Fria com a União Soviética, anos 1950; a Guerra do Vietnã e a estagflação dos anos 1970; a ameaça soviética e o desafio econômico do Japão ao poderio norte-americando dos anos 1980.

A gênese da crise que se abate sobre a Zona Franca de Manaus (ZFM), independentemente da pandemia do Covid-9, tem como marco decisivo a omissão do Executivo ao não estabelecer critérios de avaliação e ajustes do modelo, que, desta forma foi incorporando e consolidando equívocos e distorções ao longo do tempo. O ponto crucial, contundente, é a abertura da economia no governo Collor de Mello a partir de 1991, quando  o modelo de substituição de importações aqui adotado colapsou. Exposta à concorrência estrangeira aberta, a ZFM não tem como manter sua posição no mercado no longo prazo. Enquanto isso, o governo manteve-se paralisado, não tendo sido capaz de detectar, naquele momento, a necessidade de reestruturação da política de incentivos fiscais ajustada à conjuntura mundial vigente.

À medida em que hoje se procura uma solução voltada a promover a diversificação e expansão do pólo industrial, corre-se grande risco de avaliar o quadro conjuntural e propor soluções movidas por descontrole emocional que, ante as procelas que ameaçam se abater sobre a ZFM,  invadem certos setores do poder decisório. Observa-se um certo frenesi, todos procurando falar tudo ao mesmo tempo; distanciados, todavia, do foco central da questão. Fundamental, portanto, a deflagração de ações concertadas, harmônicas, alinhando parâmetros sobre questões chave, como as relacionadas à incorporação ao perfil de nossa economia de atividades derivadas da bioeconomia, da mineração, da produção de alimentos e do ecoturismo. Por fim, trabalhar a quatro mãos estudos e projetos que possam fazer avançar, diversificada, a nova matriz econômica extra-muros do PIM.

A dúvida sobre a existência de alguma outra economia mundial comparável ao modelo ZFM, adotado no Amazonas, é esclarecida com a o fato histórico de que economias incentivadas em áreas remotas como Coreia do Sul, Chile, Irlanda, Polônia, Taiwan, Cingapura, Vietnã, os Tigres Asiáticos, e mesmo o Japão dos anos 1950/1960, África do Sul, Índia ou a China reformada por Deng Xiaoping, são, efetivamente, movidas por políticas públicas baseada em benefícios fiscais, tributários, acrescidos de fortes investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I), infraestrutura de transporte e comunicações, saneamento básico, educação e saúde pública, base da ação governamental que levaram ou estão tendentes ao crescimento desses países. Déficit que o governo mantém elevado 53 anos após a instituição da ZFM.

Por tal razão, o “modelo” Zona Franca continua tão fortemente dependente de incentivos fiscais, base de um modelo de substituição de importações caduco desde a abertura da economia brasileira a partir de 1991, à procura hoje de alternativas, a mais forte das tendências baseada na bioeconomia, a exploração sustentada da biodiversidade amazônica, no ecoturismo, na mineração, na biomedicina, na bioengenharia, nos biocosméticos e na produção de alimentos.

Manaus, 28 de dezembro de 2020.