Unindo sol e vento, parques híbridos devem ampliar oferta de energia renovável

Estas duas fontes renováveis de energia, a eólica e a solar, são o futuro. O Nordeste leva a vantagem de ter vento e sol o ano todo. Na Amazônia, a solar deve ser ampliada. O desafio posto é o preço das placas, muito acima da capacidade de compra do consumidor médio e sem linhas de financiamento.

Serafim Corrêa

Fonte: O GLOBO – Bruno Rosa

RIO – De uma área associada à seca ao protagonismo em energia renovável. O Nordeste, que já representa 80% da capacidade de geração eólica no país e de 70% da energia solar, promete alcançar números ainda maiores nos próximos anos com a união das duas fontes em um mesmo local. O chamado “projeto híbrido”, que já é alvo de estudos e projetos de diversas empresas entre a Bahia e o Rio Grande do Norte, está prestes a ser colocado em consulta pública pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), permitindo, assim, que empresas consigam combinar os projetos e aproveitar a mesma infraestrutura de transmissão elétrica.

O objetivo é otimizar os investimentos e permitir uma redução no preço da energia para o consumidor final, como já ocorre no exterior.

Hoje, tecnicamente, já é possível unir as duas fontes, mas a regulamentação exige dois contratos distintos, fazendo com que as empresas tenham que pagar a mesma tarifa duas vezes, como a do uso das linhas de transmissão (Tust).

Essa será mais uma novidade envolvendo as energias renováveis. Recentemente, a Petrobras e a norueguesa Equinor (ex-Statoil) anunciaram planos para construir unidades eólicas em alto-mar associadas a plataformas de petróleo, no Rio Grande do Norte. Assim, as fontes têm ganhado papel de destaque na região. Com a seca que tem devastado o Nordeste nos últimos anos, as eólicas respondem, dependendo do dia, por até 74% da eletricidade.

Segundo Elbia Gannoum, presidente-executiva da ABEEólica, que reúne as empresas do setor, as novas regras vão permitir a criação de leilões apenas para projetos híbridos:

— Já identificamos potencial para os projetos híbridos, pois você aproveita o terreno e a linha de transmissão, gerando produtividade. O setor vem atraindo o investimento de empresas do setor e até fundos de pensão e de investimento.

Fontes complementares

O potencial de crescimento é grande ao combinar as duas fontes, dizem as empresas. No Nordeste, os projetos de 12 GW já instalados geraram investimentos na cadeia de cerca de R$ 76 bilhões, número que representa 80% dos projetos do país. Há uma expectativa de mais R$ 26,4 bilhões até 2022 com outros 4,4 GW a serem construídos na região. No caso da solar, o Nordeste deve receber investimentos de R$ 5,6 bilhões com os 2 GW que serão instalados até o fim deste ano. É 70% do total aplicado no país, diz a Absolar, que representa o setor de energia solar no país.

A Casa dos Ventos já desenvolve projetos com soluções que unem vento e sol. Lucas Araripe, diretor de novos negócios, lembra que já foram instalados medidores solares nos parques eólicos construídos no Nordeste para analisar o quanto pode ser gerado de sinergias. Araripe diz que o projeto híbrido permite reduzir o custo da energia, uma vez que as despesas são diluídas com uma maior quantidade de geração de eletricidade. Segundo ele, as duas fontes se complementam, pois a intensidade do vento é maior durante a madrugada, justamente quando não há sol:

— Os parques eólicos ficam ociosos ao longo do dia. Já mapeamos um potencial de 4 GW de sol no Nordeste onde estão as usinas eólicas. Juntar as fontes é o futuro, mas há o desafio regulatório, pois a Aneel precisa ver os dois como uma coisa só. Isso é mais eficiente, pois você aproveita a infraestrutura.

Com oito parques eólicos e seis solares em operação no país, nos estados de Piauí, Bahia e Rio Grande do Norte, a Enel Green Power conta com o primeiro parque híbrido do país, em Pernambuco, com 11 megawatts (MW) de geração a partir do sol e 80 MW do vento — capacidade que permite atender a 90 mil casas. A empresa acredita que a criação de uma regulamentação será fundamental para fomentar a expansão das fontes no país.

Segundo Nicola Cotugno, presidente da empresa, o Nordeste concentra alguns dos locais com os mais elevados fatores de capacidade solar e eólica, o que torna a região atrativa para o desenvolvimento de projetos de geração de energia renovável. Entre 2019 e 2021, a companhia planeja investir R$ 6,9 bilhões no desenvolvimento de novos projetos.

— Todos os projetos eólicos e solares da Enel estão no Nordeste, geralmente em áreas inóspitas, em terrenos não cultiváveis, em que a geração de energia renovável se tornou uma atividade fundamental para o desenvolvimento social e econômico das comunidades — disse Cotugno.

Ricardo Barros, vice-presidente de Geração Centralizada da Absolar, destaca que as empresas estão corretas em investir em projetos híbridos, o que permite a redução de custos de conexão e de transmissão. Mas pondera que ainda é preciso cuidado, por exemplo, ao fazer leilões dedicados a projetos híbridos:

— É preciso fazer leilões com energia competitiva. O governo tem que dar condições de investimento com um marco regulatório adequado, e o mercado tem que buscar o melhor projeto. As fontes solar e eólica se complementam de forma geral, com o vento do Ceará e o sol da Bahia.

Fim dos subsídios

Porém, apesar das novas soluções, o setor pode enfrentar novos desafios no governo de Jair Bolsonaro. Isso porque, em documento encaminhado à equipe do presidente eleito, o Ministério da Fazenda defende o fim dos incentivos para a construção de usinas de geração de energia solar, eólica e pequenas hidrelétricas. Hoje, essas fontes recebem desconto de 50% nos encargos de transmissão e distribuição. Para o especialista Renato Queiroz, professor da UFRJ e do Instituto Ilumina, o fim dos benefícios pode prejudicar o crescimento dos projetos no Brasil:

— Esse movimento terá que ser bem analisado. Mas acabar com os benefícios vai prejudicar o crescimento das fontes. Hoje, a solar ainda é cara. Não se pode tomar decisões rápidas sem planejamento e sem discutir o papel dessas energias para o desenvolvimento da economia.