TUTELA DE EVIDÊNCIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Por Flávio Antony Filho:

Há tempos as medidas de urgência merecem atenção especial por parte dos profissionais do Direito, a fim de garantir a efetividade das decisões judiciais e, muitas vezes, evitar o perecimento do pleito perseguido pela parte litigante.

Como é sabido, o Código de Processo Civil, estabelece a possibilidade de se alcançar, de maneira imediata, via provimento liminar, o bem pretendido, seja através de tutelas cautelares, seja por meio de tutelas antecipadas, sendo certo que os requisitos à concessão de tais medidas diferem de acordo com a ocasião.

Sim, nos termos do art. 273 do CPC, para a tutela antecipada se faz mister a existência de prova inequívoca, bem como de verossimilhança da alegação. Já para a cautelar, há um rigor menor, na medida em que basta à sua concessão a relevância da fundamentação e o perigo de dano.

O Projeto do novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/10, PLS nº 166/10), em trâmite no Congresso Nacional, dentre outros temas, propõe o fim do “processo cautelar”, atualmente contido no Livro III do respectivo Código, de maneira que as medidas de urgência serão divididas em tutela de urgência e tutela de evidência, as quais deverão ser ajuizadas sempre nos mesmos autos do processo principal.

Vale ressaltar que, em virtude da fungibilidade já existente no art. 273, § 7º, do CPC, segundo o qual a tutela de urgência poderá ser concedida independente do rótulo atribuído pela parte, desde que observados os requisitos legais, a proposta ora em tramitação no Congresso, em seu art. 269, admite o cabimento dessas medidas, seja em caráter cautelar seja com natureza satisfativa, senão vejamos:

 Art. 269. A tutela de urgência e a tutela de evidência podem ser requeridas antes ou no curso do processo, sejam essas medidas de natureza satisfativa ou cautelar.

§ 1º São medidas satisfativas as que visam a antecipar ao autor, no todo ou em parte, os efeitos da tutela pretendida.

§ 2º São medidas cautelares as que visam a afastar riscos e assegurar o resultado útil do processo.

Assim, qualquer das medidas de urgência poderá ser requerida sem que, para isso, haja necessidade de se adotar outro procedimento em virtude de sua natureza – satisfativa ou cautelar.

Uma mudança extremamente significativa diz respeito à implantação prática da possibilidade de concessão da chamada tutela de evidência (uma espécie do gênero medidas de urgência), a qual não se exige, para seu deferimento, a existência de dano irreparável ou de difícil reparação.

Com efeito, no tocante à tutela de urgência, continua-se a exigir o periculum in mora. Já a tutela de evidência, nos termos do art. 278 do Projeto, “será concedida, independentemente da demonstração de risco de dano irreparável ou de difícil reparação”, nas hipóteses que elenca, bastando, para tanto, apenas o convencimento do magistrado de que o processo encontra-se “maduro” para julgamento.

Assim, observando que, não havendo dúvidas quanto ao direito pretendido, não entregá-lo tão logo seja possível constitui flagrante injustiça, o PL nº 8.046/10 dispõe sobre as situações específicas em que se poderá utilizar a tutela de evidência.

A inteligência do art. 278, inciso I, do Projeto determina a concessão de tutela de evidência quando “ficar caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do requerido”, modernizando, assim, a redação do atual inciso II do art. 273 do CPC.

Com efeito, a utilização indevida do processo pelo réu, visando dificultar a prestação da tutela jurisdicional pleiteada, impedindo a efetividade e a celeridade do processo, ocasionando, com isso, atraso indevido na entrega da prestação jurisdicional, por certo configura abuso do direito de defesa.

Nos termos do art. 278, inciso II, do PL nº 8.046/10, a segunda hipótese em que se admite a tutela de evidência é quando “um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso, caso em que a solução será definitiva”.

Concessa venia aos que entendem de maneira diversa, tem-se que tal dispositivo moderniza o art. 273, § 6º, do CPC (acrescentado pela Lei nº 10.444/02), adequando-o ao art. 334, a fim de aproveitar com mais efetividade a dispensa de prova sobre fatos incontroversos.

A maior inovação do art. 278 proposto talvez esteja no teor do inciso III, segundo o qual a tutela de evidência se aplica nos casos em que “a inicial for instruída com prova documental irrefutável do direito alegado pelo autor a que o réu não oponha prova inequívoca”.

Conforme a redação do Projeto, a prova documental irrefutável deve ser suficientemente capaz de revelar o direito líquido e certo de quem a utiliza, sem a necessidade de dilação probatória. Portanto, se o réu possuir prova clara e convincente apta a contrariar os fatos arrazoados pelo autor, obstada está a concessão da tutela de evidência no presente caso, pois mesmo o autor apresentando robusta prova documental, tendo o réu oferecido elementos probatórios que neguem, peremptoriamente, o poder de convencimento do julgador, a tutela de evidência não poderá ser concedida.

Frise-se, entretanto, que a tutela de evidência poderá igualmente ser requerida ao fim da fase probatória, ao menos que o réu tenha conseguido produzir prova claramente contrária à pretensão autoral, ocasião em que novamente deverá ser indeferida a pretensão.

Ressalte-se, ainda, que o fato de o Projeto exigir a ausência de prova inequívoca, oposta pelo réu, não significa que a tutela de evidência só poderá ser concedida após a contestação, em razão de que, em algumas situações, o próprio magistrado poderá antever que o réu não as possui.

O art. 278, inciso IV, por seu turno, possibilita a concessão da tutela de evidência quando “a matéria for unicamente de direito e houver tese firmada em julgamento de recursos repetitivos, em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em súmula vinculante”.

Aqui, se dá outro substancial avanço à medida, pois uma vez existente determinada tese, já pacificada por sistemas legais que harmonizam a interpretação do Direito, torna-se desnecessário o perigo de dano para a concessão da medida, evidenciando, assim, o justo propósito de proteção ao litigante que, com segurança, tem razão em seu pleito. Ademais, matéria unicamente de direito, pressupõe fatos incontroversos e comprovados de plano.

Por fim, de maneira igualmente oportuna, o parágrafo único abarca a possibilidade de concessão de liminar em tutela de evidência, nos casos em que houver depósito legal ou convencional, comprovado por prova documental.

Logo, em não havendo possibilidade de prisão, dado o dispositivo constante da Súmula Vinculante nº 25, do Supremo Tribunal Federal, poder-se-ia argumentar que restaria inibida a eficácia na busca do bem entregue em depósito. Assim, a previsão do Projeto mitiga tal inibição, na medida em que prevê a viabilidade de imposição liminar, e sem a necessidade de comprovação de perigo de dano.

De mais a mais, sabe-se que o processo visa permitir a discussão sobre o direito material, não podendo se transformar em ator principal, não podendo, concessa maxima venia, produzir dificuldades desnecessárias, mas sim acenar para a definição segura e definitiva sobre a lide, com a entrega, cada vez mais veloz, da atividade jurisdicional, penalizando a utilização, pela parte, de recursos protelatórios e descabidos.

O Projeto em curso no Congresso Nacional segue nesta linha, sobretudo com a instituição da tutela de evidência, cujo grande mérito é permitir a concessão da medida de maneira menos burocrática.

Inobstante erros ou acertos, os quais certamente ainda serão objeto de discussão, a tutela de evidência, antes de infirmar o dogma do due process of law, confirma-o, por não postergar a satisfação daquele que demonstra em Juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz.

FLÁVIO CORDEIRO ANTONY FILHO é Advogado. Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário do Norte (UNINORTE) e mestrando em Direito pelo FORUM Centro de Formação, Estudos e Pesquisas. Membro da Comissão Permanente de Processo Civil dos Institutos dos Advogados Brasileiros (IAB).

“O PL nº 8.046/10 institui a tutela de evidência, cujo grande mérito é permitir a concessão da medida de maneira menos burocrática. Inobstante erros ou acertos, os quais certamente ainda serão objeto de discussão, a tutela de evidência, antes de infirmar o dogma do due process of law, confirma-o, por não postergar a satisfação daquele que demonstra em Juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz.”