TIO KELÉ: Se vivo fosse, faria 100 anos. Minhas homenagens.

Manaus, lamentavelmente, é uma cidade sem memória e que não costuma reverenciar seus filhos que deram exemplos de vida.

Hoje, se vivo fosse, Cleomenes do Carmo Chaves, o nosso querido Tio Kelé, faria 100 anos nesta terça feira, dia 27 de maio.

Sinto-me na obrigação de escrever este texto que é muito pouco em relação ao que ele merece pelos bons exemplos que deu de vida, de dedicação e de superação com um único objetivo:  que as novas gerações saibam quem foi o tio Kelé e conheçam minimamente sua história.

Ele nasceu em 27 de maio de 1914. Terceiro de uma família de sete filhos em que a mãe ficou viúva e ele teve que ajudá-la a criar os irmãos. Foi de tudo, desde tintureiro, jornaleiro, ajudante de eletricista e depois servente na Escola Normal, hoje IEA até chegar a professor de matemática. Trabalhando na escola terminou revelando dotes para a materia. Chegava aos mesmos números, por outro raciocínio, o que levou os professores a estimularem que ele estudasse, já adulto, o que fez, formando-se professor normalista aos 26 anos.

Foi colega de turma do futuro governador Plínio Coelho, mais novo que ele, bem como do  prof. João Crisóstomo de Oliveira.

Conheci o tio Kelé por volta de 1962. Ia jogar futebol de salão na quadra do Nacional, onde hoje é o Carrefour, nas preliminares, já que nunca fui um bom jogador e onde o meu amigo e irmão Maneca,seu  filho, era uma das estrelas do memorável time principal do Nacional de tantas conquistas: Waldir, Adérito, Gadelha, Maneca e Holanda. O tio Kelé acompanhava as vitórias do filho tanto no futebol de salão, quanto no juvenil do Nacional no futebol de campo, onde ia sempre com seu radinho de pilha.

O presidente do Nacional e governador do estado a partir de 1963 era o Dr. Plínio Coelho. Na mesa de dominó, ele dizia com a sua voz solene:

“O Cleomenes foi meu colega de Escola Normal, embora seja mais velho do que eu. No Boulevard Amazonas, a casa dele é a única que não tem a bandeira do PTB hasteada. Eu gostaria tanto de ter o Cleomenes do meu lado.”

Ocorre que o tio Kelé era fiel ao Dr. Rui Araújo, figura proeminente do PSD.

A República Livre do Pina em foto de Corrêa Lima.

Em 1967, entrei na Faculdade de Ciências Econômicas e nos intervalos, bem como nos finais de semana, frequentava a República Livre do Pina, um café que era ponto de reunião de estudantes, professores, intelectuais e que ficava em frente ao Cine Guarany, num triângulo, bem próximo ao Colégio Estadual do Amazonas onde o tio Kelé era professor de Matemática, juntamente com o Maneca,  já que em 1968, os dois formaram-se juntos em matemática na primeira turma da Faculdade de Filosofia (que bonito!).

A República Livre do Pina era o triângulo do lado direito da parte de baixo da foto de Corrêa Lima. Com o Cine Guarany, por um lado, o Quartel da PM, por outro e por último em frente à Praça da Polícia.

Como professor tinha uma característica única: não reprovava aluno. Quando o aluno ia mal nas provas, ele chamava, conversava, virava um pouco pai, botava o aluno para estudar em aulas de reforço dadas por ele.

Dizia ele: “É fácil ensinar o aluno bem alimentado, sem problemas na família. Temos que ter um olhar diferente para os que são diferentes desse padrão.”

O tio Kelé, também, era referencia na República Livre do Pina. Em verdade, um filosofo com as suas tiradas que deixava todos sem ter o que dizer.

Certa feita chegou um sujeito e disse: “Aqui tem muito vagabundo”, ao que ele de bate pronto respondeu: “E cada vez chega mais”. Todos riram. Até o sujeito.

Outra vez após ouvir o relato de alguém chateado porque tinha ajudado uma pessoa a vida inteira e esta o havia prejudicado, ele se saiu com esta:

“O dia do favor é o da véspera da ingratidão”.

Sempre tinha uma palavra de estímulo aos mais novos. Quando alguém não alcançava uma pretensão ele dizia:

“Quando Deus fecha uma porta, abre no mínimo duas janelas. Pode aguardar.”

Ou então:

“Senão deu certo, é porque o homem lá de cima tá reservando coisa melhor”.

Existiam pessoas que frequentavam o Pina, mas quando ascendiam ao poder desapareciam. Quando essas pessoas voltavam a frequentar, era sinal que haviam caído em desgraça. Ele não perdoava e dizia:

“Rato cruzou no convés, tem água no porão.”

Esse era o nosso querido tio Kelé.

Nos seus cem anos, minhas homenagens a ele e toda a sua família, em especial aos meus amigos e irmãos, seus filhos, Maneca, Janete e Cláudio Chaves.

Lá no céu, onde por certo está, pois aqui na terra só fez o bem e distribuiu o amor, receba os nossos parabéns, querido tio Kelé.