SUL DO AMAZONAS: Manifestantes invadem reserva indígena; mais de 140 índios permanecem refugiados

De Manaus e Humaitá (AM), ACRITICA.COM*:
Cacique Tenharim informou que cerca de 300 manifestantes de municípios do Sul do Amazonas, não pudendo alcançá-los – já que estão sob a proteção do 54° BIS do Exército -, resolveram invadir a reserva onde residem, a 123 quilômetros de distância do Batalhão
Manifestação atravessou a região da aldeia dos Tanharim, onde postos de pedágios foram incendiados e destruídos. Não há registro de confrontos Manifestação atravessou a região da aldeia dos Tanharim, onde postos de pedágios foram incendiados e destruídos. Não há registro de confrontos (Divulgação/Portal Apuí)

A reserva indígena Tenharim, no município de Humaitá (a 600 quilômetros de Manaus), foi invadida por volta das 10h30 desta sexta-feira (27), por um grupo de, aproximadamente, 300 pessoas. Os manifestantes querem encontrar os corpos do funcionário da Eletrobras Amazonas Energia, Aldeney Ribeiro; do professor de Apuí, Stef Pinheiro; e do representante comercial Luciano Freire, desaparecidos há 12 dias.

O protesto começou na BR-230, a Transamazônica, na região do município amazonense de Apuí e se estendeu para o município vizinho Humaitá.  Os manifestantes defendem que os indígenas são os responsáveis pelo sequestro e morte dos desaparecidos.

A manifestação atravessou a região da aldeia dos Tenharim, já dentro da reserva. Os pontos que serviam como pedágio e as casas de apoio para a cobrança foram incendiados e destruídos pela população de Humaitá e Apuí.

Informações dão conta de que ninguém entrou na aldeia em si, apenas nas redondezas, onde se encontram os supostos postos de pedágios improvidados pelos indígenas, à beira da BR-230. Até o momento, não há indícios de confrontos entre brancos e índios.

Segundo informações de moradores da região, a energia elétrica da comunidade indígena também foi cortada. Parte da população de Matupi está na sede da comunidade e outra parte foi para aldeia junto com moradores de Apuí, que chegaram para dar apoio.

A invasão foi confirmada pelo líder indígena Ivanildo Tenharim, que está refugiado 54º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), em Humaitá, com outros 140 indígenas. Eles permanecem na unidade desde o última terça-feira (24), porque temem ser agredidos e mortos pelos manifestantes, que promoveram caos na cidade nos últimos dias. Todos foram ameaçados.

Os índios refugiados estão a 123 quilômetros de distância (cerca de três horas de viagem) da aldeia atingida. Apesar de estar abrigado nas dependências do Exército, Ivanildo foi avisado do ataque via telefone. Ele não soube informar se houve confronto entre indígenas e os manifestantes.

Em reunião realizada na sede da Prefeitura de Humaitá, onde estavam presentes, além do Prefeito, o superintendente da Polícia Federal (PF) de Rondônia, Carlos Manuel Gaya, e representantes da Polícia Militar do Amazonas (PM/AM), Exército Brasileiro (EB) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), autorizou-se a entrada na reserva indígena pela Força Nacional para realizar buscas pelos desaparecidos.

Gaya tornou pública sua vontade de adentrar na reserva ainda na noite desta sexta-feira, para fazer o reconhecimento da área. Eles voltariam de madrugada e na manhã de sábado (28), dariam início às buscas. O Exército, no entanto, aconselhou esperar até sábado.

Por volta das 18h30 desta sexta, haverá outra reunião, desta vez apenas entre os comandantes das forças atuando no caso (PM, PRF, PF, FC e EB) para definir como será feita a operação. Por enquanto, o impasse continua.

Notas de repúdio

A Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu nota nesta sexta-feira, declarando que repudia a onda de violência em Humaitá (AM). O órgão federal esclarece que “que não compete à Funai promover ações de investigação, apuração ou buscas de pessoas desaparecidas. Essas ações constituem atribuições das Forças de Segurança Pública”. “Atos de vandalismo contra o patrimônio público são injustificáveis e configuram ilícitos”, acrescenta, na nota.

“É fundamental reafirmar, nesse momento, os princípios que regem o Estado Democrático de Direito, no âmbito do qual são reprováveis a prática de ameaças, de violência física e moral contra indígenas e contra servidores públicos, e a depredação do patrimônio público, causadora de enorme prejuízo ao erário”, finaliza o texto.

A Articulação dos Povos Indígenas de Rondônia (AIR), que se diz criada para defender, promover e lutar pelos direitos desses povos, também foi a público manifestar seu repúdio e insatisfação contra os protestos em relação aos Tenharins e Parintintins.

“A AIR vem solicitar encarecidamente, com o máximo de urgência, aos órgãos competentes como FUNAI, Ministério Público Federal, Ministério da Justiça e Secretaria Geral da Presidência  da  República,  que  tomem providências quanto  à  proteção  dos povos dessa região. Pedimos também providências quanto à investigação do assassinato do cacique Ivan Tenharin e que os culpados sejam punidos. E que seja apurado quanto à marginalização feita aos prédios da FUNAI, SESAI e sede das Organizações Indígenas, bem como veículos e barcos.”, diz o comunicado, assinado por Miguel Surui e Marcos Apurina, presidente e vice-presidente da AIR, respectivamente.

“A AIR vem convocar a FUNAI, MPF, MJ, Secretaria Geral da Presidência República, APIB e COIAB para uma reunião em caráter de urgência em Porto Velho/RO, para solução da situação dos povos indígenas de Humaitá, visando à segurança e a liberdade da população indígena.”, continua.

Ainda de acordo com a nota, o cacique Ivan Tenharin foi atropelado e morto na rodovia que corta a reserva indígena, o que levou os índios a suspeitarem de um assassinato a mando de um não-indígena.

Os protestos de terça e quarta-feira (24 e 25), promovido por familiares e amigos dos desaparecidos, foi classificado como “aterrorizante” e rendeu um prejuízo estimado em mais de R$ 2 milhões.


“Os grupos indígenas  que  moram no  município, de aproximadamente  140 pessoas (entre crianças, jovens, adultos e velhos) ficaram apavorados com  esse terrorismo. Não tendo para onde ir, pediram proteção no Quartel do 54º Batalhão de Infantaria de Selva (54º BIS)”, acrescenta a organização.

MPF manda retirar ofensas

O Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) divulgou um documento em que recomenda a retirada de publicações do Facebook, portais de notícia e outros veículos de imprensa do Sul do Amazonas – onde se encontram os municípios de Humaitá, Apuí e Manicoré – que mostrem conteúdo discriminatório, preconceituoso ou que incitem a violência, o ódio e o racismo contra os povos indígenas da região, em especial o povo Tenharim.
Segundo o documento, os autores devem retirar este tipo de conteúdo num prazo de 24 horas.

*Com informações dos repórteres Florêncio Mesquita e Adriano Silva

Comentário meu: Claro que nada justifica a violência, parta de onde partir e é necessária a presença de força policial e até do Exército, mas o sul do Amazonas precisa, também, da presença do Estado brasileiro, o grande omisso dessa história. No sonho da TRANSAMAZÔNICA centenas de famílias foram levadas para aquela região com promessas as mais diversas. Isso há mais de trinta anos. Hoje vivem em precárias condições com a ausência do Estado brasileiro no sentido bem amplo. Na região Apuí – Santo Antonio do Matupi (Manicoré)  devem morar vinte e cinco mil mil pessoas e existem de 100.000 a 120.000 cabeças de gado. De lá vem parte da carne que comemos em Manaus e em Porto Velho, mas, por exemplo, em Matupi a saúde e a educação são precárias. O Estado brasileiro precisa chegar lá.