REFLEXÕES SOBRE O MODELO ZFM.

Li este texto do Francisco Cruz e dentro da pluralidade que norteia este Blog estou publicando-o com a devida autorização do autor.

1 – Hoje o mundo é (e será cada vez mais) da alta tecnologia, o que torna o conhecimento o fator de produção mais importante. O PIM é um pólo de produtos de tecnologia, característica que o torna dependente direto de um estoque de conhecimento que nunca teve. Sem conhecimento para criar e inovar, o modelo não se oxigena e, no longo prazo, perderá a capacidade de sobrevivência, ainda que continue escudado nas benesses dos incentivos fiscais.

2 – Essa realidade tecnológica mudou os fatores de produção. Com boa logística não é exigência produzir próximo ao mercado. A unidade fabril pode estar em qualquer lugar do mundo. Estar ao lado dos centros de excelência (onde estão os bons cérebros), este sim, é fator definitivo desse segmento. Na instalação de qualquer projeto esse é o que vai definir a localização. A glória seria encontrar no mesmo lugar: boa logística, proximidade do mercado, incentivos fiscais e cérebros bem formados.

3 – Lamentavelmente o PIM, dessas quatro variáveis só tem os incentivos. É triplamente manco, se é que isto seja possível. A nossa logística é péssima, estamos longe dos mercados e o mais grave de tudo é que formar bons cérebros nunca esteve nas nossas preocupações.

4 – O Pólo desde o seu início trata de tecnologia, mas lá se foram 43 anos onde não conseguiu formar uma elite capaz de criar e inovar relativamente em quase nada. O modelo se sustenta, exclusivamente, e parece satisfeito, das benesses dos incentivos fiscais. Um comodismo perigoso e de sobressaltos conhecidos.

5 – Nunca ouvi de quem quer que seja, alguma iniciativa em motivar as empresas incentivadas a desenvolverem aqui, pelo menos, uma pequena parcela dos seus produtos. Este seria o primeiro passo de uma caminhada. Essa atitude exigiria formação de inteligência afim, que demandaria boas universidades. Seria o início de um ciclo virtuoso. Certamente haveria reações, pois, fabricar se fabrica em qualquer lugar. Criar e inovar, porém, como ficou dito, exige proximidade com os Centros de Excelência, onde a maioria dessas empresas estruturou seus laboratórios.

6 – Outros países agiram assim. Durante esses mesmos 43 anos: Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Taiwan, China e Malásia mais recentemente, (para citar apenas alguns) passaram do nada ou de meros copiadores a produtores de alta tecnologia. E todos eles já foram sinônimos de produtos de péssima qualidade. A China, por exemplo, está avançando numa velocidade espantosa. Em qualquer boa universidade do mundo tem muitos chineses. Nelas, só por iniciativa e conta do governo, estão estudando hoje mais de 200 mil jovens chineses. São futuros novos doutores que vão turbinar o desenvolvimento da China. Isto sem contar os que estão se formando internamente, e a preocupação daquele país com a educação de boa qualidade.

7 – Ainda que esses exemplos sejam públicos e notórios, não foram suficientes para nos motivar a desenvolver estratégias de curto, médio e longos prazos, que seguissem esse caminho. Se isto tivesse acontecido, certamente hoje, já estaríamos distantes do processo de criar cópias, clube no qual sequer entramos.

8 – AMEAÇAS

8.1 – Se tivéssemos seguido o caminho dito acima, estaria o modelo com um bom sistema de defesa contra qualquer ameaça. Contornaríamos a evolução tecnológica, hoje o maior perigo, pois nela estaríamos inseridos. O resto se tiraria de letra, aliás, é difícil dizer se haveria resto, talvez a burocracia infernal.

8.2 – Outra a merecer nossa atenção é a reforma tributária, pois, o modelo é todo estruturado em cima dos incentivos fiscais. Qualquer mexidinha nos tira competitividade e nos deixa a ver navios.

8.3 – O volume de faturamento (sucessivamente superado ao longo dos anos), a arrecadação de impostos e a geração de emprego, nos dão argumentos para considerar o modelo de sucesso absoluto. Isto, que poderia ser uma segurança, a meu juízo, é a grande “ameaça política” atual, pois:

8.3.1 – Além do argumento da integridade da floresta (ultimamente), sempre nos valemos de outro muito conhecido: “A ZFM TEM DE SER PRESERVADA, POIS É O ÚNICO MODELO DE DESENVOLVIMENTO DO PAÍS QUE DEU CERTO”.

8.3.2 – Ora! Digo eu. Se testado foi, deu certo, fatura alto, cria muitos empregos, arrecada muitos impostos e é único. Por que não replicá-lo país afora? Qual o estado que não quer isto para si.

8.3.3 – Por que um modelo com todas essas virtudes, num país de tantas carências regionais, tem de ser exclusividade eterna de uma única cidade?

8.3.4 – Temos de estar muito atentos, pois, mais cedo do que se pensa, governadores, deputados e senadores de outras regiões vão explorar esse assunto. Anotem.

8.4 – Os Formadores de Opinião

8.4.1 – No passado o modelo não era um poço de virtudes. A burla aos PPBs (processos produtivos básicos) e os escândalos de falsificação de destino de notas fiscais e outras peraltices, contribuíram para transmitir aos formadores de opinião, a ideia de que o PIM não passava de uma área de maquiagem de “bugigangas” e de contrabando.

Desconformidade que foi corrigida pelo Ministério do Planejamento na década de 90, mas, por ignorância ou má fé, ainda povoa muitas mentes Brasil afora e continua sendo uma ameaça.

8.4.2 – Até dentro das nossas universidades temos ameaças. Nelas, acredita-se ser a iniciativa privada a grande beneficiada dos incentivos fiscais, em favor de quem o governo abre mão de receita tributária. Desconhecem que, quem se apropria do benefício é o consumidor brasileiro, pois, sem o PIM os produtos seriam importados ou fabricados no País com todos os impostos, portanto, muito mais caros.

9 – ALTERNATIVAS

9.1 – Volto a repetir, foram 43 anos de inércia e acomodação absolutas. Sempre agimos sobre os efeitos e nunca nas causas. Não produzimos ações capazes de tornar o modelo independente. Ao contrário, apenas reagimos às ameaças constantes. O nosso único objetivo sempre foi lutar por “prorrogações”, absolutamente necessárias, mas insuficientes. A alternativa mais defendida hoje é a extensão da área e a perenização. Além de fora de contexto do momento tecnológico atual, mostra uma voracidade que não sei se o país está disposto a aceitar. E se eventualmente aceita, poderá não ter conseqüência alguma, além de nos acomodar, pois não afasta os reais perigos.

Propostas dessa natureza podem abrir espaço para questionamentos e levar o Brasil a perder a paciência com as nossas lamúrias e passar a nos questionar o porquê, depois de tanto tempo, não termos conseguido encontrar outros caminhos ao desenvolvimento. Quais os resultados conseguidos com o modelo? Temos bons hospitais? Boa educação? Boas Estradas? Nossas ruas são limpas e bem asfaltadas? É bom o sistema de saúde? Temos boas universidades? Temos preparado os jovens para o mundo tecnológico e para atender o PIM? O sistema de saneamento é bom? A mão de obra foi adequadamente preparada para atender nossas demandas? Quais as estratégias que criamos ao longo desse quase meio século, para o aproveitamento da nossa biodiversidade? Já existem projetos implantados nessa direção? Por que não conseguimos nos livrar do gatilho dos incentivos? Aproveitamos os incentivos para preparar o interior de boa estrutura para receber projetos inovadores? Enfim, essa lista pode ir muito mais longe. Vamos responder o que?

9.2 – A Amazônia em geral e o Amazonas em particular, não tem escolha. Qualquer iniciativa, que não tenha como base o conhecimento tecnológico/científico tenderá ao desperdício das potencialidades da nossa biodiversidade. Sem isto, nunca consolidaremos o nosso mais importante modelo e não construiremos alternativas viáveis ao nosso desenvolvimento, a partir da floresta e dos rios. Temos de levar o conhecimento para o interior e aposentar de vez o machado, o terçado, a enxada e a motosserra, que em muitas regiões interioranas, por incrível que pareça, em pleno século XXI, ainda são as principais ferramentas tecnológicas a sustentar o desenvolvimento.

9.3 – A criação de peixe, que se tem alardeado como alternativa é um caso típico dessa questão do conhecimento, ou da falta dele. O Amazonas é a terra do peixe, mas foi em outros estados que a pesquisa se desenvolveu e o conhecimento floresceu. Resultado: hoje além das técnicas de criação, importamos do alevino à ração. Esta, como principal insumo da atividade chega aqui a preços exorbitantes, inviabilizando os empreendimentos da aquicultura, no caso a piscicultura.

9.4 – Já se viu esse filme antes. O alto custo da ração liquidou a atividade de criação de frangos no Estado. O frango consumido na capital e em todos os demais municípios hoje é importado. O Frango sai de Santa Catarina ou Rio Grande do Sul, atravessa o Brasil e o Amazonas e vai servir o agricultor no alto Juruá, por exemplo. Viaja de carreta, balsa, barco, canoa e até de avião. Um absurdo! Mas é mais barato.

9.5 – Seguindo o mesmo caminho do frango, o tambaqui já é hoje importado de Rondônia. Se não encontrarmos rapidamente uma alternativa protéica para a piscicultura a preços competitivos, outras espécies seguirão o mesmo caminho, liquidando a própria pesca artesanal, atividade que gera renda a milhares de ribeirinhos.

9.6 – Para continuar apenas no exemplo do peixe, há mais de 20 anos se ouve falar que o INPA estaria envolvido na pesquisa para aproveitamento da pele dos nossos peixes. Acredito na seriedade dessa pesquisa, mas dela não se sabe exatamente os resultados alcançados. Parece não serem muitos, pois, diariamente continuamos a jogar no lixo toneladas dessa riqueza em todos os cantos do nosso estado.

9.7 – É preciso pesquisar, gerar conhecimento e transformá-lo em divisas. O que afinal é feito do conhecimento produzido no INPA, no CBA, na UFAM, na UEA, na EMBRAPA e Outros órgão afins? Não duvido que deva existir belíssimas teses nesses órgãos. Mas, por que delas a sociedade não se apropria?

9.8 – O CBA, por exemplo, nascido em 2000 como uma interessante alternativa à pesquisa da nossa biodiversidade. Perdeu importância no governo passado e dele quase não se ouve falar. O que faz ou o que já fez não se sabe.

9.9 – Em grande parte do planeta, diariamente nascem empresas em garagens e fundos de quintal, como resultado do conhecimento gestado por jovens nas universidades e centros de pesquisas. Essa prática aqui é muito acanhada. Não há conhecimento, incentivo e apoio, sem contar a desenfreada burocracia que tolhe qualquer iniciativa.

9.10 – Além do mais, nossas universidades, ideologizadas que são, transmitem aos jovens a aversão que têm à iniciativa privada e ao capital. Nelas ainda sobrevivem idéias desenvolvidas na primeira metade do século XX.

10 – Capital Humano

10.1 – Em 2001 mencionei em artigo que escrevi para a Gazeta Mercantil, que deveríamos formar mestres e doutores. Defendi que valeria a pena importar pessoas com essa formação de outros estados e até do exterior, o que acredito geraria conhecimento aqui. Pouco se fez.

10.2 – Reconheço, porém, que nos últimos cinco anos houve avanços. Uma quantidade maior de mestres e doutores vem sendo formada. O histórico brasileiro, porém, induz-me dizer, que a esmagadora maioria não segue o caminho das ciências exatas e engenharias. E sem esse conhecimento não entraremos no jogo tecnológico. Sequer sentaremos no banco de reservas, pois não seremos capazes de criar e inovar.

10.3 – Se Manaus não se transformar num CENTRO DE EXCELÊNCIA TECNOLÓGICA, não será possível dar suporte ao nosso pólo industrial e independência ao modelo. Sem isto, corremos dois riscos: 1) ver minguar o Pim e 2) não ver florescer outros pólos que tenham origem na nossa rica biodiversidade. E, como querem muitos, viveremos de contemplar a floresta.

10.4 – Levar adiante essa imprescindível empreitada exige educação de boa qualidade. E vejam o tamanho do nosso desafio. Temos de caminhar numa velocidade maior que o resto do mundo, pois precisamos dramaticamente encurtar a distância que nos separa dele mundo e do Brasil. E em matéria de educação estamos para o Brasil da mesma forma que o Brasil está para o resto do mundo. Nos últimos lugares.

10.5 – Mesmo a despeito disto, parados não devemos ficar. Sugiro que deveríamos levantar imediatamente o estoque do conhecimento que temos no estado e traçar estratégias objetivas para o seu aproveitamento. Alguma Secretaria de Estado, ou a FIEAM, poderia liderar esse processo com a participação de toda a sociedade, especialmente das universidades, dos organismos ligados à ciência e tecnologia já mencionados aqui, além evidentemente, das entidades de classe dos empresários e dos trabalhadores. A partir daí estaríamos mais seguros para descobrir outros caminhos que nos levem a sair da periferia tecnológica onde estamos atualmente.

10.6 – É engano pensar que a solução do modelo esteja exclusivamente no campo político, pois, ainda que eventualmente ganhemos todos os embates políticos envolvendo o PIM, poderemos ser surpreendidos pela tecnologia. Essa sim terá o poder de nos estagnar, regredir, desaparecer ou nos elevar. Vai depender do estoque de bons cérebros que conseguirmos formar e atrair. (Vejam o PS no final da página).

10.7 – Insistir na atual dinâmica, perenizado ou não, o modelo continuará frágil e portador de um sucesso transitório e de um fracasso potencial. Mudar esse jogo é tarefa de todos nós.

PS – Imaginem se politicamente tivéssemos ganhado a batalha dos tablets. Fábrica nenhuma se instalaria em Manaus por absoluta falta de mão de obra especializada. Mesmo São Paulo está com dificuldade de atender essa demanda. De 375 engenheiros necessários, só conseguiram recrutar 175 o que motivou o atraso do projeto.

Em outro momento, ensaiou-se trazer para cá a fábrica de chips da INTEL. É um belíssimo sonho, mas impossível de realizar, pois, não temos capital humano para suportar tal atividade. Nem o Brasil dispõe dele.

FRANCISCO R. CRUZ

Frcruz2@uol.com.br

Empresário da área de Serviços. Durante 20 anos participou da implantação e

modernização do Sistema de Telecomunicações do Brasil tendo sido Presidente

da TELECOMUNICAÇÕES DO AMAZONAS, S.A – TELAMAZON, sucedida pela TELEMAR,

hoje OI. Entre 2001 e 2007 coordenou o Grupo de Educação no Pacto

Amazonense, assunto sobre o qual tem feito palestras, mesas redonda e

publicado artigos.

One thought on “REFLEXÕES SOBRE O MODELO ZFM.

  1. Muito bom o artigo, com muitas das verdades inconvenientes que atormentam os homens de bem do Amazonas há décadas.
    A questão é: como romper esse moto contínuo que faz com que tudo fique como está?
    É doloroso concluir que ao longo de 43 anos de ZFM a única “elite” que produzimos foi a de empreiteiros e empresários chapa-branca, incluindo publicitários que se especializaram em mostrar uma cidade-estado que só existe para ser vista na TV, que desenvolveram o estado-da-arte na tecnologia de se locupletar de recursos públicos!

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