Pela ordem: o novo CPC e as conquistas da advocacia

Do JOTA/INFO:
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Por Alexandre Freire Rio de Janeiro
Por Ronaldo Cramer Rio de Janeiro

Temos um novo Código de Processo Civil! É o nosso primeiro promulgado em regime democrático. Os dois anteriores, o de 1939 e o de 1973, foram gerados em ditaduras, ambiente sabidamente impróprio para a elaboração de uma lei que regula o acesso do cidadão à justiça.

Depois de 3 comissões de juristas, dezenas de audiências públicas realizadas em quase todas as regiões do país, ampla participação da comunidade jurídica e da sociedade civil organizada (o Ministério da Justiça e a Câmara dos Deputados chegaram a recolher propostas por meio de seus portais na internet), uma votação na Câmara e duas votações no Senado, esse Código talvez seja a lei com a tramitação mais democrática de toda a história do Congresso Nacional. Ouviram-se todos, inclusive quem não queria falar.

O Código de Processo Civil é a principal lei civil do país. Regula o processo judicial para todas as matérias, com exceção apenas do direito penal e do direito trabalhista. Ainda assim, aplica-se subsidiariamente ao processo trabalhista e, até mesmo, ao processo administrativo.

Atentos ao grande impacto de um novo CPC sobre o nosso sistema de justiça, processualistas de todo o país, sob a coordenação de Fredie Didier Jr., um dos grandes responsáveis pelo texto aprovado na Câmara, criaram o Fórum Permanente de Processualistas Civis, para debater o novo Código e emitir enunciados interpretativos das novas disposições. Até o momento, depois de 3 encontros, sendo o último ocorrido neste mês em Belo Horizonte, o Fórum já editou 369 enunciados.

O novo CPC não constitui uma mera reforma do Código revogado, mas uma lei que reformula de forma substancial o nosso processo civil, prevendo institutos completamente novos e remodelando outros. Cite-se apenas o negócio processual – isto é: a possibilidade de as partes modificarem o procedimento e os comportamentos processuais, para ajustá-los às especificidades do litígio -, para demonstrar o quão revolucionário é esse Código.

Acima de tudo, o novo Código representa uma nova cultura jurídica, que valoriza a perspectiva constitucional e se preocupa com a repercussão prática das soluções processuais.

O novo CPC também tem um olhar cuidadoso para as profissões que lidam com o sistema de justiça. No que toca à advocacia, o novo Código traz boas novas.

Foram incorporadas ao texto reivindicações importantes, algumas bem antigas, da classe dos advogados. E isso não se deu por sorte. A OAB acompanhou de perto a tramitação do projeto, instou a advocacia a apresentar sugestões e formulou dezenas de propostas. Lembre-se, inclusive, que o atual presidente da Ordem, Marcus Vinicius Furtado Coelho, integrou a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código.

Este ensaio é pequeno para anunciar todas as novidades pertinentes à advocacia. Destacaremos somente aquelas que reputamos mais importantes.

O novo Código prevê que os prazos processuais correm apenas em dias úteis. Por exemplo, aquele maldito prazo de 5 dias publicado na quinta-feira não termina mais na terça, prejudicando o descanso do final de semana, mas na quinta da semana seguinte.

São consagradas as férias da advocacia de 20.12 a 20.01, período durante o qual as serventias judiciais não param de trabalhar, mas não serão publicados prazos processuais, nem designadas audiências ou sessões de julgamento.

Extingue-se a fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa, que atualmente enseja arbitramentos judiciais em patamares ridículos. O valor mínimo dos honorários passa a ser de 10% sobre o valor da causa ou da condenação.

São criados os honorários de sucumbência recursal. Se a parte interpuser recurso contra a sentença de primeira ou segunda instância e perder, pagará novos honorários advocatícios, além daqueles já fixados na própria sentença, independentemente se a decisão for unipessoal ou colegiada.  Acredita-se, com acerto, que esse novo instituto desestimulará o recurso nos casos em que a sentença se fundar em jurisprudência pacífica do tribunal.

Aboliu-se, em boa hora, a compensação dos honorários advocatícios na hipótese de sucumbência recíproca. Essa infeliz compensação, prevista no Código revogado, não faz nenhum sentido, porque o fato de o autor ter tido a procedência parcial do pedido (ou dos pedidos) não afasta o trabalho executado pelos advogados, que devem ser remunerados na justa medida de seu desempenho na demanda.

Permitiu-se, finalmente, a participação processual da sociedade de advogados. Ela poderá pedir para ser intimada dos prazos processuais, juntamente com os advogados que atuam na causa. Essa medida possibilita que o escritório de advocacia acompanhe todos processos nos quais seus advogados atuam, evitando que seja omitida alguma informação importante, o que não é incomum nos litígios entre escritórios e advogados excluídos.

Além do advogado que atua no processo, a sociedade de advogados também poderá executar e receber o pagamento dos honorários de sucumbência. Tal possibilidade, já admitida pela jurisprudência, mas agora expressa no novo CPC, facilita a distribuição da verba entre os sócios e associados.

Estabeleceu-se que os advogados serão responsáveis pela intimação das testemunhas que arrolarem no processo. Logo, se uma testemunha intimada não comparecer à audiência, o advogado deverá comprovar que fez a intimação por meio idôneo, para conseguir o adiamento do ato.

Possibilitou-se a sustentação oral no agravo de instrumento sobre medida liminar. Como o colegiado praticamente já forma seu convencimento sobre o mérito da causa ao apreciar o requisito de fumus boni iuris, faz-se necessário garantir a palavra aos advogados, para possibilitar que eles interfiram na construção de tal convencimento.

Igualmente, assegurou-se a sustentação oral no agravo interno interposto contra decisão do relator que nega seguimento à apelação, recurso ordinário, recurso especial ou recurso extraordinário. Conforme o Código revogado, se o relator decide monocraticamente, as partes perdem a sustentação oral do recurso negado, uma vez que o agravo interno, atualmente, não permite esse tipo de defesa. Infelizmente, não é raro ver o uso do julgamento unipessoal para contornar a sustentação oral e possibilitar um decisão menos atenta e refletida do colegiado.

Com efeito, todas essas previsões confirmam que a advocacia teve importantes conquistas garantidas pelo novo Código – nenhuma delas é corporativa, todas são necessárias para conferir dignidade ao exercício da nossa profissão.

Por fim, diga-se que, se os outros dois Códigos de Processo Civil tinham donos, respectivamente Francisco Campos e Alfredo Buzaid, o novo CPC não tem. Como escreveram Teresa Wambier e Fredie Didier Jr. em recente artigo:
“O CPC 2014 não será apelidado de Código-Alberto ou Código-Francisco. Como disse Sérgio Barradas, primeiro relator na Câmara dos Deputados: foi um código escrito a muitas mãos. Pensado por muitas cabeças.

O CPC 2014 será simplesmente chamado de Código de Processo Civil do Brasil.

E será o quanto basta”.
Vida longa ao novo CPC!

Alexandre Freire – Professor da Pós-graduação em Direito Processual Civil da PUC-Rio, Advogado licenciado para exercer o cargo de Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal. 

Ronaldo Cramer – Advogado, Professor de Direito Processual Civil da PUC-Rio, Vice-Presidente da OAB/RJ