OS CANDIDATOS VIRA-CASACA

Por Ribamar Bessa:

Preciso acreditar, para não perder a fé na luta política, que a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB), candidata à prefeitura de Manaus, pelo menos colocou a mão para trás e fez uma figa escondida, quando ouviu na última quarta feira o pastor Jônatas Câmara berrar, num culto de descapirotização da Assembleia de Deus realizado na capital amazonense:
– Sai, demônio, deste corpo imundo!!!
O pastor não prega prego sem estopa. E agora ele pregou, com muita estopa, a favor da criminalização do aborto, xingou os gays – que ele crê estarem possuídos pelo capiroto – e se pronunciou contra o projeto que torna crime a homofobia e a discriminação de orientação sexual. Quem registrou o fato foi o jornal O Globo (05/10), em matéria intitulada “Manaus: comunista pede apoio a evangélicos da Assembleia de Deus. Candidata participa de reunião-culto com ataques a gays e ao aborto”.
É que a senadora Vanessa atuou num culto político de descarrego, ao lado do pastor, e não fez figa, mas ao contrário, enquanto ele condenava a aliança do capeta com os homossexuais, “a candidata do PCdoB assentia com a cabeça e aplaudia“, conforme conta Fernanda Krakovics, que assina a matéria.
Não posso acreditar no que leio. Conheço Vanessa por quem tenho sincera simpatia, há mais de 35 anos acompanho sua trajetória de luta em favor da diversidade e contra a discriminação, outro dia mesmo ela defendia a tramitação urgente do PLC 122/06, agora parada, que torna crime a homofobia. Por isso, procuro algum indício de que se trata de um equívoco da jornalista, espero um desmentido, mas a informação final não deixa lugar à esperança:
Ao receber o apoio da Assembleia de Deus, no início da campanha, Vanessa assinou uma carta afirmando que é contra o aborto e que não votará a favor de artigos que contrariam a igreja no projeto de criminalização da homofobia”.
Ou seja, se a carta existe – e a carta existe – a senadora Vanessa Grazziotin, negando os princípios que constituem sua história de vida, virou casaca em troca do voto dos evangélicos que, de acordo com o Censo 2010, constituem 35,5% da população de Manaus. A sessão de descarrego era para descarregar os votos nela. O pastor festeja o fato de não existir qualquer prova do compromisso da candidata com o Projeto de Lei Complementar que criminaliza a homofobia. Dirige-se a ela:
– Estou enojado com essa porcaria desse PLC 122. Diziam que você era o demônio, mas não apareceu nenhum vídeo contra você.
O pastor tenta, desta forma, com a anuência da senadora, apagar o passado de luta dela, que constitui um incômodo, um obstáculo para o voto dos evangélicos. A questão que se impõe é saber até que ponto tal operação se justifica eticamente, ou seja, se é válido fazer qualquer tipo de aliança para ganhar votos. Quando Vanessa declara que é contra a descriminalização do aborto, ela está falando no que acredita e, neste caso, virou casaca, ou está apenas enrolando o pastor? A quem está enganando: aos evangélicos? A nós? Ou a ela mesma, à sua biografia?
Quando você finge concordar com teses homofóbicas por razões eleitoreiras, quem ganha com isso? A candidata ou os obscurantistas? Esses últimos já podem celebrar a vitória, antes mesmo da abertura das urnas. Suas teses foram vitoriosas. O outro lado depôs as armas e virou casaca.
E aí? Como ficam as pessoas que admiram a história de Vanessa e que se sentem derrotadas com essa virada de casaca? No meu caso, tenho publicado nos últimos trinta anos na imprensa amazonense mais de vinte artigos apoiando a senadora, desde quando era vereadora. Alguns amigos meus, que já decidiram que vão votar no Serafim ou no Arthur, estão me cobrando isso e eu não sei o que dizer. Cordialidade entre adversários históricos, tudo bem, mas promiscuidade?
Não existe a lei da Ficha Limpa? Pois é! O Supremo Tribunal Federal declarou constitucional, em fevereiro de 2012, essa lei que surgiu da iniciativa popular e impede a candidatura de políticos com condenação judicial. Ela já está em vigor, nesta eleição, em que 140 milhões de eleitores vão escolher prefeitos e vereadores de mais de 5.500 municípios. Devia haver, não uma lei, mas um princípio ético, que barrasse a candidatura dos vira-casaca.
(*) – Ribamar Bessa é professor, jornalista e escritor.