O Testamento de Judas na pandemia

O Testamento de Judas na pandemia

“Eu sei que alguém descobre / Falhas no meu testamento”.

Joaquim Apolinário. Testamento do Judas.  1886. (*)

 

Neste sábado de aleluia, Judas Iscariotes, ministro das Finanças do Inferno, visitou países de cinco continentes, entre eles a America First e o Brasil abaixo de tudo. Aqui viu bonecos de pano com a cara do genocida pendurados em postes das cidades. Fugiu ao se deparar com 330 mil mortos pelo coronavirus. Passou antes por Manaus. No bairro de Aparecida, sofreu a tradicional malhação e se vingou deixando seu testamento em versos psicografado pelo irreverente e desabusado Edilson, o Gaguinho, gênio da poesia popular. Tirem as crianças da sala. Ei-lo aqui.

1

Sou Judas Iscariotes / Neguei máscara, vacina.

Dei cloroquina pra Cristo / Olhem só a minha sina.

2

Por isso sou malhado / com porrada na cacunda

No sábado de Aleluia vou / moer vidro com a bunda.

3

Mas antes de me ferrarem / e de me enforcar outra vez

Eis aqui o inventário /  do que eu lego pra vocês.

4

Ao Trump bundão eu deixo  / o túmulo do faraó

E a espada do centurião / pra enfiar no fiofó.

5

Ao mentiroso Jair Messias / Burro como uma mula

Pra atormentar sua vida / deixo o discurso do Lula.

6

Deixo o exemplo do Temer / ao vice Mourão Mourão

Catuca por baixo que ELE cai / com impeachment e lockdown.

7

Deixo ao Dudu, o 03 / a embaixada em Mianmar

Pra ele fritar hamburger / no Burger King de lá

8

A Carlucho, o 02 da fake news / que escorrega no quiabo

Deixo a máscara que não usa / para enfiar no seu rabo.

9

As trintas moedas repasso / ao 01 da Rachadinha

Mansão, chocolate, iate / Queiroz deu sua lavadinha

10

Ao ministério do Zero Zero / escolhido no capricho

As ratazanas do Centrão / jogo na lata do lixo.

11

Lego armas, vacina não./ à familícia e ao gado

Tudo pau de amarrar égua / com o orifício corrugado

12

O Posto Ipiranga vazio / que nem pastel do Beiçola

Paulo Guedes nega tudo / e põe no PIB meia sola.

13

Ernesto Araújo, seu pária / Que merda de chanceler!

Te deixo spray de Israel / Ninguém te ama nem te quer.

14

Ao obediente Pazzuelo / Lego o mapa do Amapá

O Zé Gotinha com fuzil / no dia D na hora H.

15

Para o Marcelo Quidroga / que não sabe o que quer!

Deixo a vachina da China / pra ele virar jacaré.

16

A corda que me enforquei / e a tripa cagaiteira

Lego ambas pra Damares / se pendurar na goiabeira.

17

Ao “imprecionante” Weintraub / de Kafta um grande fã

Deixo cannabis no campus / e as balbúrdias do Satã.

18

Ao ministro Milton Ribeiro, / da palmatória defensor.

De pedagogo oprimido  / a “paudagogo” opressor.

19

Nem tudo que reluz é Moro / mas cai tudo que balança

Ao “conje” suspeito eu deixo / a Edith Piá de herança

 

20

Ao incendiário da Amazônia / ao Salles abridor de porteira

Deixo o fogo do inferno / Pra ele arder na caldeira

 

 

21

Ao general Heleno de Troia / Que gosta de um tititi

Deixo toda a lambança / Cometida no Haiti.

22

À senadora Kátia Abreu / Que ficou no ora veja

A mão que te  afaga / É a mema que te apedreja.

23

Tou certo ou tou errado? / Para a Regina Porcina,

Que foi sem nunca ter sido / Deixo um trono na latrina.

24

Lego a Amargo dos Palmares / Pra aprender a ser gente,

Um pixaim de pentelho / Na careca reluzente.

25

Ao garantista Kássio Nunes / Que pensa que a lei destrincha

Deixo-lhe o Gilmar Mendes / Pra chamar ele na chincha.

26

Ao Procurador Augusto Aras / Deixo-lhe muitas gavetas

Que nunca serão abertas / Pra esconder do Bozo as tretas

27

Palloci minh’alma gêmea / Teu destino é como o meu

Pra tirar o loló da seringa, / Traíste mais do que eu.

28

Ao bode libidinoso / Metido num trumbico

Defendo a Isa Penna / Até o Cury fazer bico

29

Para  Wilson Lima governador / Lego a operação sangria,

Com dinheiro da saúde,/ Não se faz patifaria.

30

De mãos dadas com o povo? / Ventiladores de hospital

Comprados em adega de vinho / É coveiro em funeral.

31

Lá onde perdi as botas / Ao mulato inzoneiro

Lego o nojo desses pulhas / E a crença no brasileiro.

32

Agora eu volto pro inferno / lá tá melhor do que aqui

Neste fim de Quaresma / Deixo-vos o Taquiprati.

 

P.S. – Agradeço sugestões da Teca, Fabico, Celeste e Elisa Souto e a inspiração do Edilson, filho da Pequenina e Marcolino.

 

(*) O potiguar Joaquim Apolinário de Medeiros (1852-1919) fez um testamento do Judas em 1886, preservado na memória da mãe do Câmara Cascudo, que transmitiu oralmente os versos para seu filho. Trechos foram publicados por ele em “Vaqueiros e Cantadores”. Rio. Ediouro. 200 (pgs 65-66)