O mundo digital e a escola analógica.

Por Francisco Cruz:

Quando se fala em tecnologia, a associação é direta com o mundo dos computadores, da internet, da comunicação virtual etc. A humanidade está na “Era do Conhecimento”, dizem.  Fala-se com tanta ênfase deixando a impressão de que o mundo acaba de sair da “Idade da Pedra” diretamente para o maravilhoso mundo da tecnologia.

Esquece-se que o homem vem construindo o mundo desde quando apareceu na face da terra, graças a sua inata capacidade de imaginar, o que valida conhecida frase de Einstein: “A imaginação é mais importante do que o conhecimento”.

Nesse sentido, a dita “Era do Conhecimento” nasce junto com o próprio homem e a partir do seu primeiro invento o conhecimento foi se acumulando. Só assim foi possível construir patamares cada vez mais altos, de onde partem todas as descobertas e inovações e que, por isso mesmo, acontecem a ciclos cada vez menores. A rigor, poder-se-ia dizer que aconteceu uma simbiose entre imaginação e conhecimento.

Antigamente as invenções aconteciam de forma muito lenta proporcionando um melhor entendimento do novo e alterando os costumes em igual velocidade.  Nessa dinâmica a alternância das gerações proporcionava choques de baixa repercussão. Os apelos limitados e as insatisfações menores definiam acentuado grau de cega obediência à geração anterior. Parâmetros que foram mudando conforme a intensidade da interferência do novo nas tradições e nos costumes estabelecidos.

A partir da década de 50 aceleram-se as inovações e as mudanças, mas deixando em pé paradigmas seculares, como as tradições, por exemplo. Esse ritmo se manteve até o final da década de 90, quando teve início, efetivamente, a revolução tecnológica do mundo atual. As pessoas nascidas nessa época dão de cara com um mundo novo. As tradições e os costumes são atingidos de forma inapelável, puxados pelas transformações das telecomunicações, que aliadas ao computador permitiram inúmeras alternativas de comunicação.

Os relacionamentos foram alterados substancialmente e os negócios ganharam uma nova dinâmica. Sem dificuldades e estranhamentos, os jovens se adaptaram com extrema facilidade e interesse à nova ordem, pois cresceram nesse ambiente. Para eles a vida já era assim.

Junto com esses avanços nasce um novo conflito entre as gerações. Diferente dos das gerações anteriores, mas, ainda assim, um conflito.  O “software” da revolucionária geração do “Rock and roll” é “analógico” e o dos seus filhos “digital”. Uma tecnologia não entende a outra.

É preciso deixar claro que não se trata aqui do saber usar a tecnologia, pois, de uma forma ou de outra, os “analógicos” têm de se virar, pois, sem ela não se vive mais. O problema é de inserção. O “software analógico” tem suas raízes profundamente fincadas no passado, onde tradições e costumes eram intocáveis.

Para os “digitais”, tradicional é sinônimo de atraso. E “foco”, termo tão a gosto dos “analógicos”, uma ferramenta do mundo da ótica. Por meio dela, quando se foca em algo, só se enxerga aquele alvo. Eles preferem ter uma visão ampliada de tudo. Fazem muitas coisas ao mesmo tempo, sempre em busca do novo e da diversidade.

São informais e divertidos.  Enfrentam o mundo com os seus Ipods, Smartphones, Notebooks, Tabletes e outros, usando todas as plataformas disponíveis em intensa comunicação.

Jogar virtualmente é uma diversão onde a criatividade e a imaginação são estimuladas e  estratégia é aprendidas em uso constante. Formar equipes e parcerias faz parte de jogos e o gerenciamento dessas equipes é uma necessidade praticada com afinco. E, talvez, o mais importante: apesar de se tornarem extremamente competitivos, aprendem que ganhar e perder faz parte de uma rotina que encaram com naturalidade, o que lhes permite treinar a autoestima enfrentando alegrias e frustrações. Estruturam grupos de estudos virtuais para discutir matérias do currículo escolar, o que, por incrível que pareça, a escola desaprova.

Há algo de errado nisso? Grande parte dos “analógicos” acha que sim. Presos aos seus costumes e tradições não conseguem perceber que o mundo mudou radicalmente, fato que a escola, também, não conseguiu.

Nada há de mais tradicional na face da terra do que a escola. Faz tudo igual há 250 anos.  A mesma sala, a mesma disposição das cadeiras, a mesma lousa, o mesmo giz, a mesma metodologia e, principalmente, a mesma inércia. Não há aluno que goste dessa escola. Que não se confunda isso com rejeição ao estudo. O que rejeitam são as metodologias do século XIX. E, convenhamos, não poderia ser diferente.

Ultimamente, “analógicos” interesses políticos, tentando mostrar modernidade encaminham para a escola, carradas de computadores, na suposição de que o computador em si vai melhorar o aprendizado. Ledo engano! Os “analógicos” não entendem que só plataformas bem construídas e gente treinada para operá-las, podem dar um salto na qualidade do ensino. E, como elas ainda não existem, o gasto em computadores é dinheiro jogado fora. Desatualizados, muitas vezes sem nenhum uso, transformam-se em lixo eletrônico.

Os avanços tecnológicos são grandes, mas ainda insuficientes para decretar a falência do atual modelo de escola. Mas há esperanças!  Experiências de toda ordem estão acontecendo ao redor do mundo. O engenheiro Mitch Rusnick do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), por exemplo, está com uma grande equipe multidisciplinar desenvolvendo formas de aprendizagem criativa. Ele quer transformar aquele instituto num grande jardim da infância, pois, segundo declarou: “Tudo que eu sei sobre pensamento criativo, eu aprendi ao estudar como as crianças aprendem”.  Antes de a escola e a família liquidarem com a criatividade das crianças, é claro.

O Porto Digital de Pernambuco, também, realiza interessante experiência. Por meio de jogos que desenvolve está realizando na rede pública “Olimpíadas de games digitais em educação”, com o objetivo é estimular uma nova forma de aprender.  Mais de 100 mil crianças já passaram pela experiência com muito sucesso e absoluto interesse.

Algo vai acontecer com a escola. O problema é quando. Nós os “analógicos” vamos dando o nosso jeito. O problema é dos “digitais”. Deve ser um sofrimento viver o mundo digital a maior parte do tempo e ser obrigado a aturar o ensino de uma escola analógica. Lamentável.

Francisco R. Cruz – abril de 2014. – frcruz2@uol.com.br