O DILEMA DA RECLAMAÇÃO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Por Flávio Cordeiro Antony Filho, REVISTA CONSULEX:

Em breve, o Supremo Tribunal Federal enfrentará um dilema interessante: garantir o pleno acesso à Justiça seria mais importante do que evitar o excesso de litigiosidade responsável pela demora em julgar e, com isso, evitar que o Judiciário cumpra seu dever de fazer prevalecer a justiça?

A Constituição da República dispõe, nos seus arts. 102, alínea l, e 105, inciso I, alínea f, respectivamente, a competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para processar e julgar a reclamação que vise proteger e assegurar a autoridade de suas respectivas decisões.

Para Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra Teoria Geral do Processo, a reclamação trata-se de verdadeiro remédio processual constitucional capaz de amparar o interesse das partes envolvidas no feito, com o condão de afastar a eficácia do ato judicial viciado e corrigir o desvio processual, não se consubstanciando, todavia, em recurso, seja por não se afigurar modalidade recursal prevista em lei, seja por não objetivar a reforma do julgado pelo equívoco da decisão – error in judicando – ou cassá-lo por vício de ordem processual.

Ao se valer do presente instituto, o que se pretende é sanar uma flagrante usurpação, pelo ato judicial, de entendimento já sedimentado nos Tribunais Superiores, hipótese na qual seu acolhimento ensejará a cassação da eficácia do ato judicial.

No âmbito do STJ, a reclamação se encontra regulamentada pela Resolução nº 12/09 da referida Corte, que busca dar eficácia imediata ao instrumento, evitando, assim, que o jurisdicionado seja prejudicado com decisão que afronte jurisprudência já pacificada, sendo possível, inclusive, a concessão de medida liminar, de ofício ou a requerimento da parte, para suspensão do trâmite do processo no qual foi estabelecida a controvérsia, consoante estabelece o art. 2º, inciso I.

O Supremo Tribunal Federal, de acordo com o art. 7º da Lei nº 11.417/06, garante a utilização do referido remédio processual em face de decisão judicial ou ato administrativo que contrariar enunciado de Súmula Vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente.

Há de se ressaltar, ainda, a intolerância de nossa Suprema Corte a eventuais desrespeitos às Sumulas Vinculantes, ao possibilitar referido diploma legal, no teor do seu art. 9º, a responsabilização pessoal, nas esferas cível, administrativa e penal, da autoridade competente para o julgamento de recurso que não adequar as futuras decisões administrativas aos entendimentos sumulados, em casos semelhantes.

O cerne da controvérsia, no Supremo, nos lindes dos Agravos Regimentais interpostos nas Reclamações nos 11.427-MG e 11.408-RS, cuja apreciação fora interrompida pelo pedido de vista do Ministro Roberto Barroso, diz respeito ao cabimento de reclamação contra decisão de Tribunal que negou subida de recurso extraordinário por falta de repercussão geral na matéria. Ou seja, cabe às instâncias locais analisar a admissão de recursos impetrados contra suas decisões no STJ ou no STF?

Para o STF, a matéria já se encontra, de certo modo, superada, posto que a Corte Especial já decidiu ser “definitiva a decisão prolatada por Tribunal que inadmite recurso extraordinário com base na ausência de repercussão geral, a qual não atrai o agravo de instrumento previsto no art. 544 do CPC” (AI nº 760.358 QO-SE, DJe 03.12.09), não havendo, portanto, que se falar em usurpação de competência pelo Tribunal local acerca da questão referente à repercussão geral.

Por certo, não podemos permitir a usurpação de competência em nosso organograma judicial, sob pena de mergulharmos na mais profunda e nebulosa insegurança jurídica. Entretanto, não se pode olvidar que o Código de Processo Civil é claro ao atribuir ao presidente do Tribunal local ou do Tribunal Regional Federal a prerrogativa de analisar os pressupostos de admissibilidade do recurso.

Ademais, cabeao Supremo decidir sobre questões constitucionais, e as demais Cortes devem aplicar essa decisão. Dessa feita, em se aceitando indiscriminadamente a reclamação, para, por exemplo, casos em que ausente esteja a repercussão geral, estar-se-ia transformando todas as reclamações em recursos extraordinários.

Data venia a eventuais entendimentos contrários, deve haver uma mudança de cultura da comunidade jurídica em geral, no sentido de que tudo deve acabar nos Tribunais Superiores, seja do gestor público que muitas vezes prefere “empurrar” a dívida para a próxima administração, postergando, com recursos e manobras processuais o direito dos servidores; seja do empresário que tenta ganhar tempo e, quem sabe, vencer pelo cansaço um litígio no qual sabe não ser detentor da razão, de maneira que o fato de se recorrer por recorrer não pode ser visto como algo normal e corriqueiro, servindo como prêmio a quem não quer o fim do processo.

Inobstante o dever de todo profissional do Direito de buscar o aprimoramento do Judiciário com o fito de oferecer a melhor prestação à coletividade, combatendo, ao máximo, decisões teratológicas e o cerceamento de defesa, não se trata de não permitir o ajuizamento de reclamações, mas sim ajuizá-las apenas quando presentes os supedâneos legais cabíveis, a fim de desconstituir o ato judicial viciado, corrigindo o desvio processual perpetrado, sob pena de esvaziamento do importante instituto da repercussão geral.

Dessa forma, deve-se louvar a proposta do eminente Ministro Teori Zavascki, segundo o qual, quando a reclamação tiver como base um pedido completamente infundado, ter-se-á como consequência automática a multa do impetrante por litigância de má-fé.

Conclui-se, portanto, que o remédio processual da reclamação, instituído por meio da Carta Magna e regimentos dos Tribunais Superiores, desde que aviado dentro de sua finalidade precípua e não como nova modalidade de recurso, serve ao jurisdicionado como alicerce da segurança jurídica, não devendo, venia concessa, ser manuseado de maneira indiscriminada e sem qualquer ônus a quem assim o fizer, obstaculizando e engessando o fluxo de processos nos Tribunais Superiores.