O dilema da prisão

Sobre a possibilidade de decretação de prisão dos que foram condenados pelo STF no julgamento do “Mensalão” reproduzo abaixo o editorial da FOLHA DE SÃO PAULO, de hoje, por entender que aborda com muito equilíbrio a situação causada pelo Procurador da República, Roberto Gurgel, que só formalizou o pedido quando o mesmo não poderia mais ser apreciado pelo Plenário.

O editorial diz:

O dilema da prisão

Acusador ou magistrado? O ministro Joaquim Barbosa enfrenta seu primeiro teste na presidência do Supremo Tribunal Federal ao decidir sobre a prisão imediata de 11 dos 25 condenados no mensalão, astuciosamente pedida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, horas depois de iniciado o recesso da corte.

Barbosa notabilizou-se como um dos principais responsáveis pelo bom andamento da ação, cuja complexidade exigiu 53 sessões do julgamento iniciado em agosto –além dos quase cinco anos de preparação do processo. Como relator, proferiu votos severos contra os acusados e os viu acatados, no mais das vezes, por seus pares.

Perto do final do julgamento, tornou-se também o presidente da suprema corte. Afora a suscetibilidade exagerada que lhe é característica, mas que soube mitigar na presidência, o ministro vem equilibrando de modo satisfatório a atribuição de chefiar o Supremo com a de relatar a ação –o que, no caso, quase sempre equivaleu a seguir de perto a acusação pelo Ministério Público Federal.

Joaquim Barbosa nunca escondeu sua convicção sobre a culpa da maioria dos réus nem sua disposição para apená-los com dureza. Nenhum desvio aí –eventuais excessos no ânimo punitivo estiveram sempre sob o controle da deliberação pelo colegiado.

Ao pleitear no recesso a detenção imediata de condenados, o procurador-geral criou uma situação nova –e constrangedora. A decisão sobre o pedido cabe a um único ministro (monocrática, como se diz), e o responsável pelo plantão é o próprio presidente do STF.

Se submetida um dia antes ao plenário, muito provavelmente a solicitação teria sido indeferida. A tradição do Supremo é determinar a prisão só depois de examinar os últimos recursos da defesa, encerrando o julgamento (a lei admite exceções a essa regra, como o risco de fuga do réu). Especula-se que o ministro Barbosa poderia romper com essa tradição.

Roberto Gurgel argumenta que é preciso dar “efetividade” ao julgamento do Supremo. Ou seja, fugir à morosidade da Justiça brasileira, que é alvo de compreensível impaciência, mais ainda num caso que se tornou exemplar para o combate à não menos repudiada corrupção política.

Por legítimos que sejam tais anseios, há que observar os ritos da Justiça. Se cabem recursos, mesmo com escassa possibilidade de serem acolhidos, a prisão antes de seu esgotamento se mostra inadequada. Exemplo plausível: caso uma pena seja revista para menos de oito anos de prisão, deixa de ser cumprida em regime fechado, e o réu encarcerado antes da hora terá sofrido uma punição abusiva.

Exibir rigor exacerbado decerto torna as decisões do Supremo populares, mas não necessariamente justas ou razoáveis. Espera-se de Joaquim Barbosa um juízo equilibrado, de presidente do Supremo mais que de relator do mensalão –e não seria mau serviço à instituição afastar de pronto a hipótese descabida de um conluio entre acusador e magistrado.