Não se engane. A tarifa que você vai pagar é R$ 3,54 e não R$ 3,30. Entenda.

Contrariando o que foi dito na campanha eleitoral de que a tarifa do transporte coletivo não aumentaria, ato do Prefeito formalizou o aumento para R$ 3,54 a partir deste sábado dia 28.  Para diminuir o impacto da comunicação do aumento, o anúncio foi de que a tarifa estava passando para R$3,30, o que é, digamos assim, uma meia verdade. Ou uma meia mentira. O que não foi dito é que a diferença de R$ 0,24 será paga por todos os manauaras, usem ou não o sistema, já que sairá dos cofres públicos municipais, portanto, do seu bolso, via subsídio que será pago mensalmente pela Prefeitura de Manaus às empresas. Serão sessenta milhões de reais no ano de 2017. Portanto, menos sessenta milhões em obras e serviços da Prefeitura. Essa é a verdade nua e crua, mas que foi escamoteada pelos comunicadores da medida.

Eu poderia fazer um “carnaval” político sobre esse assunto, na mesma linha que já fizeram comigo no passado quando eu era o prefeito. Não farei isso, embora o vice-prefeito, ora prefeito em exercício, usado para essa “missão” pelo titular, tenha feito isso comigo quando era deputado através do seu programa de TV chamado “EXIJA OS SEUS DIREITOS”. Não sou chegado a vinganças, nem mesmo um “troco” de vez em quando.

Vou abordar pontos e fatos ocorridos que considero relevantes sobre essa relação prefeitura, empresas e trabalhadores do transporte coletivo que é complicada desde todo o sempre, em todas as capitais brasileiras, mas principalmente em nossa cidade. Eu os vivi, enfrentei e encaminhei soluções que achei serem as melhores. No entanto, na sequencia, tudo voltou a ser como antes.

Prefiro um exame frio da questão, sem excluir, por óbvio, o componente político eleitoral. Inicialmente é importante relembrar constatações, um resumo da ópera por assim dizer, do que é o sistema de transporte coletivo no Brasil, que estão presentes aos olhos de todos, embora muitos dos atores façam cara de paisagem como se tais fatos não existissem.

Relembro a seguir:

O objetivo das empresas obviamente é o lucro. Elas não são instituições filantrópicas sem fins lucrativos. Nesse ramo preponderam empresas familiares, sem o mínimo de profissionalismo, com enorme passivo trabalhista, tributário e previdenciário, sem crédito junto ao sistema bancário pela ausência de certidões negativas.

O último ato do Governo Federal para melhorar e fortalecer o sistema de transporte coletivo no Brasil foi o vale-transporte, em 1985, no Governo Sarney. Já os governos estaduais, como regra, dão de ombros para a questão e dizem: “Esse problema não é nosso”.  Em 2005, a Frente Nacional de Prefeitos, sob a presidência do prefeito João Paulo, de Recife, liderou um movimento para sensibilizar governadores e o Presidente Lula para diminuir a carga tributária sobre o setor, mudar a forma de contribuição das empresas para a previdência social e com isso ajudarem a segurar a tarifa. E cada município diminuiria a carga tributária do transporte coletivo. Aqui, na nossa administração foram extintas as taxas da EMTU, 6% sobre a tarifa e o ISS foi reduzido de 5% para 2%, o mínimo permitido. Portanto, reduzimos de 11% para 2% a carga tributária municipal. No entanto, poucos estados foram sensíveis e o governo federal só enrolou. Por dever de justiça registro que o então governador do Amazonas, Eduardo Braga, concordou em retirar o ICMS do diesel, o que ajudou bastante a conter a tarifa. Registrei isso sempre publicamente, inclusive, mostrando de quanto seria a tarifa se isso não tivesse sido feito. A Cezar o que é de Cezar.

Não existem linhas de crédito, nem nos bancos públicos, nem nos privados, para renovação e modernização da frota. Os bancos tem horror às empresas de transporte coletivo. Qualquer cidadão classe média tem acesso imediato em qualquer banco a linhas de crédito para comprar um automóvel, mas a empresa mais rica de Manaus com dinheiro vivo na mão não conseguirá comprar um único ônibus.

A aquisição de novos ônibus depende de um engenhoso sistema que envolve fabricantes de chassis, de carroceria, seus bancos, um cartel liderado pelos grandes empresários do ramo do qual Jacob Barata é o presidente, a implantação/manutenção da bilhetagem eletrônica e compartilhamento online dos seus dados, a venda do vale-transporte através de banco garantidor, prefeituras e o valor da tarifa. Se um desses não corresponder, não há renovação.

A tarifa é a ÚNICA fonte de renda das empresas e também a ÚNICA fonte de financiamento de renovação da frota. A revisão anual, portanto, é o ponto de equilíbrio do sistema. Importante lembrar que revisão não significa necessariamente aumento. Pode significar manutenção ou até redução, mas os cálculos devem ser revistos de forma clara e transparente.

O SINETRAM é um sindicato patronal. Ele não é uma empresa. Sendo assim, não pode ter atuação empresarial. Numa anomalia jurídica ele opera a comercialização do vale-transporte.

O Brasil tem a Justiça do Trabalho para resolver os litígios trabalhistas, mas em Manaus um acordo velado entre patrões e empregados não a reconhece como tal e elege o prefeito, seja ele quem for, como o único Juiz trabalhista capaz de mediar os seus conflitos, exatamente para pressioná-lo a aumentar a tarifa para poder aumentar os salários. Interesses convergentes de patrões e empregados e divergentes do interesse coletivo.

A maneira de operar dos dois sindicatos é o dos empregados fazer uma greve combinada com o dos patrões. A greve faz sofrer o povo e pressiona o prefeito para que este ceda o aumento da tarifa para que as empresas paguem o aumento dos salários, pois esta é a única fonte de renda. Ai vem a bendita planilha que termina dando suporte ao aumento.  Esse filme é velho e de todos conhecido.

Em 2013, um aumento de R$ 0,20 na tarifa em São Paulo gerou uma reação em cadeia pelo Brasil afora, inclusive aqui. Aí, a então Presidente Dilma atendeu os pleitos de oito anos atrás que a época o Presidente Lula não atendeu. As alíquotas de PIS/COFINS foram zeradas e a contribuição previdenciária deixou de ser sobre a folha e passou a ser sobre o faturamento. Aqui, o então Governador Omar Aziz isentou o IPVA dos ônibus e assumiu o pagamento de parte do subsídio para que o aumento não ocorresse.

Em 2014, as empresas pleitearam reajuste, pois segundo o contrato a revisão da tarifa deve ser anual. A prefeitura negou. O SINETRAN entrou na Justiça e ganhou a nível local e no STJ em Brasília. Quando o resultado chegou e as empresas anunciaram o aumento, aí já era 2016, ano eleitoral, e o prefeito fez o teatro no melhor estilo. Entrou nos ônibus, rasgou o aviso do aumento, da ordem judicial, enfim bradou aos quatro ventos para as câmeras, devidamente orientado pelo marqueteiro dos pampas de que ele era o amigo do povo e o inimigo das empregas. Enfrentava a Justiça para defender o povo.

“Podem me prender. Quem manda aqui sou eu. Não cumpro essa ordem judicial. Estou aqui defendendo o povo”.

Imagens perfeitas para o horário eleitoral. E aí silêncio total. O Ministério Público fez cara de paisagem. Comeu abiu.

O Senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sabendo disso ao receber uma ordem judicial do Supremo Tribunal Federal exclamou:

“Ora se o prefeito de Manaus, que é só prefeito, recebe ordem judicial, não cumpre e não acontece nada, por que eu que sou Presidente do Senado, terceiro na linha sucessória da presidênci, tenho que cumprir?”.

E também não cumpriu. O Prefeito de Parintins fez o mesmo. No entanto, os mesmos que silenciaram quanto ao gesto eleitoral do prefeito de Manaus ficaram exaltados contra o Senador Renan e o então prefeito de Parintins.

Esta é a realidade, gostemos ou não dela, e eu não gosto, mas não adianta imaginar outra história. E dentro dessa realidade não deveria caber nenhum discurso populista ou midiático, muito menos manipulação e/ou escamoteação dos dados, mas na realidade, lamentavelmente, é isso que tem prevalecido nos últimos tempos. Inclusive e principalmente nos anos eleitorais. Reiteradamente no ano passado foi vendida a imagem de que a tarifa não subiria. O prefeito era o bacana que enfrentava os empresários e a Justiça. Foi esse o jogo, todos lembram. No primeiro mês o castelo de cartas desmoronou.

É bem provável que alguém pergunte:

“Serafim, você foi prefeito. Qual é sua opinião a respeito de como deveria ser e o que fez para mudar isso?”.

Respondo relembrando algumas medidas:

TARIFA – Sendo ela a única fonte de receita e de financiamento das empresas ela tem que ser revista anualmente. De forma clara e transparente. Pode ser aumentada, mantida ou até reduzida, mas o assunto tem que ser debatido. As regras tem que ser claras. E planilha é a maneira de NÃO resolver a questão. Por isso, na licitação que foi feita na época da minha administração definiu-se uma tarifa como ponto de partida – R$ 2,00- e uma data de revisão anual, 1º de fevereiro. A tarifa seria revista com base em dois índices que independem das empresas ou da Prefeitura. 60% do INPC e 40% da variação do óleo diesel. Por exemplo, imaginem que o INPC variou 5%. 60% de 5% = 3%. E que o diesel tenha variado 0%. 3% de 0% = 0%. 3% + 0% = 3%. O reajuste seria 3%. Cálculo claro, sem chance de manipulação. O prefeito que me sucedeu achou que esse não era o melhor caminho e voltou para a planilha. No meu entender a fórmula que a minha administração implantou era a melhor para todos, principalmente para o povo e o próprio prefeito.

SINETRAN – Ele é apenas o sindicato patronal. Não pode ter atividade empresarial. A razão de ele ser o administrador do vale-transporte (que responde por quase 50% das receitas) é para evitar que a Justiça do Trabalho bloqueie valores devidos pelas empresas aos trabalhadores. E daí aquelas greves relâmpagos. Na nossa administração, as empresas foram obrigadas pelo contrato a se organizar em uma SPE – Sociedade de Propósito Específico – , suscetível a ter os recursos bloqueados pela Justiça do Trabalho. Quem me sucedeu, também, achou que o melhor era voltar a administração do vale-transporte  para o SINETRAM e com isso proteger as empresas dos bloqueios.

VALE TRANSPORTE – Todas as empresas todos os meses são obrigadas a entregar o vale-transporte aos seus empregados. Ocorre que alguns não utilizam, porque tem um carro ou vão de carona. O resultado é que no final do ano estes valores são perdidos pelos trabalhadores. O vale é vale-transporte, não é vale-onibus. Na minha administração, os trabalhadores tinham a opção de usar para colocar gasolina em postos credenciados pelas empresas. Também acabaram com isso e o resultado é que esses valores ficam para as empresas, embora o serviço não tenha sido prestado.

DOMINGUEIRA – Aos domingos todos pagavam meia passagem. Ao invés de R$2,00, pagavam R$ 1,00. A diferença era para abater das dívidas das empresas referentes ao ISS. Ganhava o usuário do transporte coletivo, a prefeitura resolvia um ativo que não consegue receber e as empresas se livravam da dívida. Quem me sucedeu acabou com isso. Resultado: hoje as empresas acumulam dívidas, a prefeitura não consegue receber e a população paga a passagem inteira.

MEIA NA CATRACA – O estudante só pode usufruir da meia passagem se abastecer seu cartão nos poucos postos do SINETRAN e enfrentar suas filas humilhantes. Na nossa época ele podia pagar, mediante a apresentação do seu PASSAFÁCIL, na catraca. Nesse aspecto é comum acontecer duas coisas quando acabam os créditos; ou o estudante tem que ir para as filas indignas do SINETRAN ou pagar a inteira. Também acabaram com a meia na catraca.

PASSAFÁCIL/BILHETAGEM ELETRONICA – Com a implantação do PASSAFÁCIL/BILHETAGEM ELETRONICA, ao passar na catraca o passageiro era automaticamente registrado. O sistema ficava disponível para os detentores das senhas permitindo o controle online. Sabíamos quanto os ônibus estavam rodando, quantos passageiros já haviam embarcado, que tipo de passagem haviam pago. Foram disponibilizadas senhas para TODOS os vereadores, o Ministério Público Estadual e Federal. Só alguns poucos vereadores consultaram e apenas algumas poucas vezes. Os dois MPs NUNCA entraram no sistema. Isso permitia melhor gestão do sistema.

INTEGRAÇÃO TEMPORAL PLENA – Tendo o cartão PASSAFÁCIL o passageiro podia mudar de ônibus em até duas horas. Ou seja, a integração podia ser feita em qualquer parada. O meu sucessor reduziu essa possibilidade. O passageiro agora só pode fazer a integração em rua diferente da primeira linha. Isso reduziu bastante o benefício.

Foram medidas simples e objetivas, favoráveis aos menos favorecidos, mas que foram extintas uma a uma com o silencio inexplicável, por exemplo, do Ministério Público, tão ativo na nossa época, e tão silente desde 1º de janeiro de 2009, que tudo assiste calado, como quem comeu abiu verde.

O que ocorreu neste último aumento foi contradição e omissão.

A contradição entre o discurso eleitoral de que não ia aumentar a tarifa e a decisão de aumentar agora com menos de um mês de mandato.

Depois, a omissão, a forma sorrateira, a ausência do prefeito, na hora de desmontar seu próprio discurso eleitoral. Passou ao vice a “missão” de anunciar o aumento, sem nenhuma explicação, esquecendo o discurso de alguns meses atrás. E mais: dizendo que a tarifa vai para R$ 3,30 quando na verdade vai para R$ 3,54.

Marketing, e principalmente esse tipo de marketing, funciona em termos eleitorais,mas só até um limite. Esse limite eu creio que chegou ao fim. Medidas como essa, quando inevitáveis, precisam ser debatidas e dialogadas. Outrora, o Ministério Público diria que teria de haver uma audiência pública. Agora fica de boca fechada para não entrar mosca. A prefeitura conversar com as demais autoridades e com a sociedade não faria mal a ninguém, mas a decisão foi soberba, exatamente porque ainda está vivo o discurso eleitoral.

Espero estar equivocado, mas por conta de como as coisas foram feitas e encaminhadas teremos mais dificuldades ainda no transporte coletivo.

Torço para estar errado.