Por Ribamar Bessa:

Foi assim com o sistema de cotas nas universidades. Hoje, defendo ardorosamente as cotas depois de observar o rendimento de meus alunos cotistas, mas passei meses como couro de rica, indo pra lá e pra cá, um dia a favor, o outro contra, ao sabor de argumentos e contra-argumentos de meus interlocutores. Quem faz minha cabeça são as conversas com os amigos, as leituras e a observação da realidade. Minha opinião não cai do céu. E nessas eleições presidenciais?
Pois Zé! Deixei de ser eleitor fiel do PT, de cuja fundação participei, depois que, no poder, começou a fazer lambanças, engavetando princípios e vivendo em promiscuidade política com os Sarney, os Collor, os Barbalho. Agora, voto quase sempre no PSOL e no segundo turno, quando dá, vou de PT. Que jeito! Esse é meu campo, minha história. Nessas eleições já troquei Dilma por Luciana e, com a morte de Campos, migrei para Marina em quem votei em 2010. Se der Aécio no segundo turno, volto para Dilma. Meus amigos e familiares, quase todos localizados neste campo, discordam, mas sem argumentos partem para a ofensa pessoal:
– Aventureiro! Infantil! – bradou agressivamente um amigo petista que ocupou cargo em comissão no governo PMDB/PT no Amazonas. Fiquei com pena dele que não é mais capaz – não sei se algum dia o foi – de viver uma aventura. De qualquer forma, como não pode apresentar argumentos válidos, ataca o argumentador, acreditando que o insulto convence. Não aceita divergências nas próprias fileiras. Quer unanimidade.
Doze razões

Começou com a presepada de que Marina, por ser evangélica, é fundamentalista e crê que Deus criou o mundo em uma semana, contrariando a ciência. Não colou. Depois, que Marina é de direita e quem é de esquerda não pode votar nela. Não colou. Veio a história da autonomia do Banco Central, mas como o eleitor não sabe se autonomia se come com farinha, passaram a jogar pesado:
– Marina vai explodir o bolsa-família, o minha-casa-minha-vida, o ProUni, o Pronatec, o Fies e todos os programas sociais, vai acabar com o 13° salário, as férias e o pré-sal, vai interromper a transposição do rio São Francisco e a Transnordestina, vai privatizar a Petrobrás, a Caixa e o Banco do Brasil e se derem sopa vai devolver o Acre para a Bolívia.
Parece que está colando. Com menos de dois minutos de propaganda eleitoral na TV contra mais de 10 minutos de Dilma e sem espaço na mídia para esclarecer que não é bem assim, Marina perde eleitores segundo as últimas pesquisas do Ibope. Agora, o papo é apontá-la como serva fiel do imperialismo americano, conforme artigos que pululam nas redes.
Um deles foi escrito por Luiz Alberto Moniz Bandeira, 78 anos, cientista político, nomeado no governo FHC adido cultural do Brasil na Alemanha (1996-2002) onde vive até hoje. Ele se apresenta como “livre pensador independente”. Independente de quê? Não diz. Ex-bolsista da Ford Foundation e do Social Science Research Council garante que Marina “pretende voltar aos tempos da ditadura do general Castelo Branco e proclamar a dependência do Brasil” aos Estados Unidos. Ele escreveu isso, eu juro. Que horror! Que desrespeito com quem lutou contra a ditadura! Quanta leviandade!
Discurso do medo

O coro foi engrossado por Nil Nikandrov, jornalista da revista russa online Strategic Culture Foundation. No artigo “Marina Silva – parte de plano para desestabilizar o Brasil”, ele nos assegura que “Washington lançou campanha de propaganda em grande escala em apoio a Marina Silva”. Diz que ela defende interesses dos gringos e vai enfraquecer o Mercosul: “Não há dúvida alguma de que, com Marina Silva na presidência, o Brasil passa a alinhar-se mais decisivamente com os EUA”. Nikandrov não exibe qualquer prova ou evidência, nem lhe foi pedido ou perguntado.
Quem insiste com a mesma lenga-lenga é a Agência Bolivariana de Notícias, da Venezuela, para quem a eleição no Brasil é a luta do bem contra o mal. O economista Miguel Angel Ferrer avisa a seus leitores que “Marina, de extrema direita, está alinhada aos ditados de Washington” e “conspira contra o exitoso programa brasileiro de combate à fome que será substituído por algum programa do FMI para que os mais pobres se rasguem com suas próprias unhas”. Ele escreveu isso – eu juro. Que horror! E tem gente que acredita. É um ato de fé.
O PT sabe fazer o discurso do medo. Já provou desse veneno e nós com ele. Mas o discurso terrorista do medo é pobre em argumentos válidos. Sem raciocínio lógico, sem evidências, não seduz, agride a inteligência do (e) leitor a quem pretende intimidar. Quem não aceita tal discurso, pelo menos no campo onde circulo, é discriminado como o leproso do evangelho, que era a doença mais terrível do planeta. Te rifam do convívio e passam a te olhar de revestrés, como se a Neca de Pitibiribas tivesse comprado teu voto e tua consciência.
Acontece que se um bom argumento nos convence, a truculência nos aferra ainda mais em nossas convicções. Manipulação barata não! No próximo domingo, voto em Marina. Entusiasmado, embora solitário em relação a amigos e familiares. Solitário, mas com trinta milhões de brasileiros anônimos, entre os quais alguns conhecidos como Gil, Caetano, Marcos Palmeira, Fernando Meirelles. Só mudo se a senadora Kátia Abreu, a mulher do agronegócio, deixar de mandar na Funai, como fez até agora no governo Dilma e se Marina ameaçar mantê-la à frente da política indigenista. A questão indígena: essa sim é a décima segunda razão para votar na Marina. Sem medo de ser feliz.