Fragilidade do federalismo brasileiro tem raiz histórica

De OGLOBO.COM por Cristiane Jungblut e Paulo Celso Pereira:

País é marcado pela concentração de poderes oriundos da União

BRASÍLIA – A fragilidade do federalismo brasileiro remete ao próprio surgimento da República, em 1889. Ao contrário dos Estados Unidos, que foi fundado a partir da união das treze colônias autônomas, a federação brasileira foi instituída a partir de um Estado que já era único. Na proclamação da República, as províncias do Império foram transformadas em estados membros da federação e tiveram a autonomia ampliada. De acordo com o professor de Direito da UnB, Mamede Said, aí está a raiz da fragilidade de estados e municípios vista ainda hoje:

— A grande concentração de poderes da União é característica do surgimento da nossa federação. Diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, no qual cada um abdicou da sua soberania em prol da soberania do estado federal, aqui você tinha um estado unitário, um centro só de poder e uma só unidade jurídica. Na raiz da debilidade do nosso processo federativo se encontra a matriz histórica.

A consequência mais evidente da diferença de formação se exibe na liberdade legislativa de cada país. Junto com a escolha de Barack Obama no mês passado, os americanos votaram pela legalização ou proibição da maconha, da pena de morte, do aborto e até da eutanásia. No Brasil, a maioria das questões é disciplinada por leis federais. A centralização se repete na gestão dos recursos. Segundo o ex-presidente do Ipea e professor da FGV Fernando Rezende, historicamente a questão federativa brasileira foi pouco discutida.

— Na história do Brasil, o federalismo foi discutido em profundidade duas vezes: na Independência e na Proclamação da República. Depois disso, o tema mais relevante para a questão federativa foi a reforma promovida pela emenda Constitucional de 1965. Que, ao contrário do que muita gente pensa, não foi elaborada pelo regime militar, mas por uma comissão nomeada pelo Ministério da Fazenda em 1963. Essa comissão desenhou um modelo de federalismo fiscal, e naquele momento promoveu um importante equilíbrio nas relações federativas — afirma Rezende.

A comissão recompôs competências tributárias, criou o regime de transferências que viria a dar origem ao Fundo de Participação dos Estados e uma política de desenvolvimento regional. Segundo o professor, quase cinco décadas se passaram e esse modelo foi modificado e remendado seguidas vezes, resultando em um acúmulo de distorções.

Para completar, a economia brasileira passou por mudanças na década de 1990, com abertura da economia, privatização das estatais, liberalização dos fluxos financeiros e novas tecnologias que permitiram que as relações econômicas entre estados e regiões brasileiras com o exterior se fortalecessem.

— Os estados se enfraqueceram, perderam participação na repartição do bolo fiscal e no exercício da competência legislativa. Os desequilíbrios federativos cresceram, a situação entre os estados é desigual. Tudo isso exige discutir o que é necessário para o reequilíbrio na repartição dos recursos e responsabilidades entre os entes da federação brasileira — diz Rezende.