Feliz Aniversário, meu velho Umberto.

Por Marcelo Ramos:

Olá, meu velho. Parabéns. Hoje você comemora 69 anos. Bate sempre aquela saudade. Um pouco sofrida, um pouco feliz. Um pouco perda, um pouco presença. Um pouco dor, um pouco força. No fundo, é saudade boa. Saudade do que vivemos com você por aqui e também do que vivemos juntos depois que você cumpriu a sua missão. Você nunca nos abandonou. E, por isso, passados 29 anos da sua partida, ainda posso fechar os olhos e ver teu sorriso aberto, teu rosto sóbrio. Posso sentir tua mão carinhosa. Não lembro muito da tua voz.

A mesmo vida que te levou, me deu tudo que um homem precisa pra ser feliz. Uma família linda. Uns bons amigos. Um encanto pelos livros e pela palavra. Um entusiasmo pra correr. Um trabalho honesto. Uma consciência acessa. E dinheiro só um suficiente pra viver com dignidade.

Hoje é domingo e são os domingos que mais me lembram você. O ritual de sempre acordar muito e colocar uma boa música pra tocar.
Como é domingo e é seu aniversário, quero lhe convidar para caminhar e ouvir uma música que eu só descobri depois que você se foi.
Pai, fecha os teus olhos. Fechou? Pega na minha mão e vamos caminhar ouvindo “Espelho” do João Nogueira.”Nascido no subúrbio nos melhores dias
Com votos da família de vida feliz
Andar e pilotar um pássaro de aço
Sonhava ao fim do dia ao me descer cansaço
Com as fardas mais bonitas desse meu país
O pai de anel no dedo e dedo na viola
Sorria e parecia mesmo ser feliz
Eh, vida boa
Quanto tempo faz
Que felicidade!
E que vontade de tocar viola de verdade
E de fazer canções como as que fez meu pai (Bis)
Num dia de tristeza me faltou o velho
E falta lhe confesso que ainda hoje faz
E me abracei na bola e pensei ser um dia
Um craque da pelota ao me tornar rapaz
Um dia chutei mal e machuquei o dedo
E sem ter mais o velho pra tirar o medo
Foi mais uma vontade que ficou pra trás
Eh, vida à toa
Vai no tempo vai
E eu sem ter maldade
Na inocência de criança de tão pouca idade
Troquei de mal com Deus por me levar meu pai (Bis)
E assim crescendo eu fui me criando sozinho
Aprendendo na rua, na escola e no lar
Um dia eu me tornei o bambambã da esquina
Em toda brincadeira, em briga, em namorar
Até que um dia eu tive que largar o estudo
E trabalhar na rua sustentando tudo
Assim sem perceber eu era adulto já
Eh, vida voa
Vai no tempo, vai
Ai, mas que saudade
Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidade
E orgulho de seu filho ser igual seu pai
Pois me beijaram a boca e me tornei poeta
Mas tão habituado com o adverso
Eu temo se um dia me machuca o verso
E o meu medo maior é o espelho se quebrar (Bis)”

Que abraço bom. É tão bom conversar e chorar contigo. Acho que as lágrimas são pedaços de saudade, elas vão caindo e levando um pouco da parte da saudade que é dor.
“Num dia de tristeza me faltou o velho. E falta lhe confesso que ainda hoje faz…”
O senhor prestou atenção nessa parte da música. É uma confissão que também lhe faço. Já lhe disse que sempre me esforcei pra compreender e olhar com bons olhos para a tua partida, mas confesso que muita falta ainda hoje faz.
Vamos caminhar mais um pouco. Eu entendo que hoje deve ser um dia de alegria e você precisa voltar para a companhia dos seus.
Sabe pai. Eu imagino a tua festa ai no céu. Uma mesa branca no meio de um campo com muitas árvores e muito colorido de flores, ao redor dela meus avós Manuel, Maria, Arthur, serenos, sábios e amáveis, minha filhinha Maria Carolina, com roupas brancas, asas de anjo e um sorriso ingênuo no rosto, tia Isabel, com um olhar descanso e tranquilo, tio Fernando, do mesmo jeito simples e brincalhão e o seu amigo Leonardo Menezes, nos meus sonhos ele sempre está ao seu lado. Mas não são só eles. Há uma multidão de aniversariantes e convidados. Homens e mulheres que vivem como irmãos, num ambiente de paz e fraternidade.
Dia desses em conversa com uma pessoa eu dizia a ela que não me imaginava um homem melhor se não tivesse perdido você. E disse: “Ele cumpriu a sua missão aqui na terra e voltou pra casa pra descansar”. Ela reagiu com uma frase com um quê de inconformismo: “É tão estranho, os bons morrem logo”. E eu respondi: “Sinal de que o prêmio não é ficar aqui…”. Os bons nunca morrem, meu velho. Ficam guardados nas lembranças e nas saudades, estão sempre vivos nos corações dos seus filhos e de todos que os amaram. Os bons são como flores que o vento na leva.
Você é um bom e, por isso, mesmo passados 29 anos, guardo pelo senhor aquele mesmo amor puro e incondicional de um menino de 12 anos que chorou a tua ausência física e que hoje, um homem de 41 anos, consegue sentir a tua presença, o teu amor e até o teu abraço.
Parabéns, meu Velho.
Sei que tens que ir. Antes, vou fechar os olhos para te ver mais uma vez. Faz um carinho na minha cabeça. Hoje é um dia feliz. Obrigado por dividir comigo esse momento. Vai, pai. Eu te amo.