Estado não pode existir só para defender interesse de si próprio, diz Rodrigo Maia

Estado não pode existir só para defender interesse de si próprio, diz Rodrigo Maia

Fonte: CONJUR

Concebida inicialmente para restabelecer a regra sobre prisão após segunda instância, derrubada por um novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, a proposta de emenda à Constituição que tramita na Câmara pode estender a execução da pena em segundo grau da esfera criminal para outros ramos do Direito: cível, tributário e até trabalhista.

Rodrigo Maia, em almoço de fim de ano organizado pelo Iasp nesta sexta, em SP
Felipe Lampe/Iasp

A comissão que cuidará da PEC foi um resgate de uma proposta apresentada em 2011 pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso. O texto chegou a tramitar no Senado.

Agora, encampado pelo deputado Alex Manente (Cidadania-SP), conta com o trabalho do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM), virtual presidente da comissão especial instalada na última quarta-feira (4/12) para tratar do tema. A dupla praticamente carregou nas costas a tramitação e a aprovação da reforma da Previdência no Congresso.

Em seu segundo mandato à frente da Casa Legislativa, Maia tornou-se uma espécie de primeiro-ministro do governo brasileiro, desde o final da gestão do presidente Michel Temer, quando várias reformas sensíveis ao país foram aprovadas com “louvor”.

“O governo [do presidente Jair Bolsonaro], por exemplo, só vestiu a ‘camisa’ da reforma da Previdência quando já estava praticamente tudo definido. Mas não deixamos de assumir nossa responsabilidade”, disse durante um concorrido almoço de fim ano patrocinado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), na última sexta (6/12), em um hotel de luxo na região dos Jardins, área nobre da capital paulista.

Os convidados da entidade paulista, que completou 145 de existência, também ouviram de Maia uma defesa ferrenha da democracia e um clamor pelo combate à disseminação das fake news — “quem, como e o porquê se financia?”, questionou. “E os principais alvos são o Congresso e o Supremo [STF].”

“O que a sociedade sabe de fato daquilo que está sendo julgado no Supremo, por exemplo? Discute-se nas redes sociais um tema que nem foi julgado. Daí se transfere uma pressão virtual, organizada, sobre o Parlamento.”

Maia também pediu uma espécie de refundação do Estado brasileiro. “O Estado não pode existir somente para defender o interesse do Estado”, disse à ConJur. Para o deputado, é um abismo a média salarial em vários setores do poder público federal, de cerca de R$ 30 mil, com a dos demais contribuintes.

“E chega-se ao topo da carreira em apenas nove anos! Qual o estímulo, o desafio? É um abismo com a realidade do setor produtivo.”

Na conversa com os demais jornalistas presentes no almoço, Maia não se esquivou de temas espinhosos, como o fundo partidário. “É assim em várias democracias desenvolvidas. Deve se tentar equilibrar o poder financeiro nas disputas eleitorais. A democracia precisa de financiamento. Mas nunca em detrimento de áreas sensíveis como a saúde, a educação, a segurança, por exemplo. Precisamos explicar melhor à sociedade. Democracia não é só vontade da maioria. É também preservação das minorias.”

Além de diversas reformas que já estão prontas para serem votadas, com as novas leis da Recuperação Judicial, das Falências, da regulação do saneamento básico, há no momento um ruído com o outro Poder Legislativo, o Senado, que tenta atropelar um acordo informal feito entre Maia e Alcolumbre (presidente do Senado) para a discussão da execução antecipada da pena, tema bastante sensível entre as hordas das redes sociais.

O presidente da Câmara, praticamente invicto nas tramitações de projetos relevantes no Congresso, terá outro grande desafio, desta vez em relação à discussão da segunda instância. Só a ampliação do alcance do projeto pode ser capaz de levar à obtenção dos 308 votos necessários à aprovação de uma emenda constitucional na Câmara.

Leia a seguir a entrevista que Maia concedeu exclusivamente à ConJur:

ConJur —- A execução antecipada da pena nas áreas cíveis e penais não pode gerar quebradeira em alguns setores, principalmente o público?
Rodrigo Maia — 
Pode quebrar, por quê? Por que é justo o cidadão esperar a vida toda ou até morrer esperando receber um precatório? E a cada dois, três anos, o Congresso vai e prorroga o prazo de pagamento. E é o que somos obrigados a fazer agora, prorrogar novamente. Tem que ter uma solução que beneficie o contribuinte. O Estado não pode existir somente para defender o interesse do Estado. Se o contribuinte tiver direito de receber, que receba. Se o Estado perder, recupere depois. Mas, em mais de 70% das ações na Justiça, é o Estado quem vence. Eu não vejo problema.

ConJur – Mas vai haver pressão, questionamentos?
Rodrigo Maia — 
Por isso criamos uma comissão especial exatamente para discutir isso. Se, ao fim, lá para março de 2020, entendermos que vai gerar mais insegurança do que segurança jurídica, o relator [Alex Manente] vai ter de encontrar caminhos possíveis. Excluir algo que não possa piorar a vida do contribuinte.

ConJur – Mas há uma outra proposta no Senado. Inclusive a Juíza Selma…
Rodrigo Maia —
 Ela é senadora, nós somos deputados.
[em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a senadora do PSL pelo Mato Grosso disse que a PEC da Câmara foi formulada para atrair resistência política e não ser a aprovada. Disse apoiar o movimento da senadora Simone Tebet (MDB-MS) de pautar para votação o projeto de lei sobre a execução antecipada na CCJ do Senado]
Mas, do ponto de vista constitucional, uma PEC é mais segura.
Não questionamos o que o Senado faz ou deixa de fazer. Se, em algum momento, houver convergência, como já houve diversas vezes com o presidente [da Casa] Davi Alcolumbre (DEM-AP), a gente constrói um caminho seguro.

ConJur – O que ainda deve ser votado de importante neste fim de ano, além do Orçamento? A nova Lei de Falências?
Rodrigo Maia — Acho mais provável a Lei de Saneamento [marco regulatório do saneamento básico] e a [nova lei] da Recuperação Judicial. Mas já há muita matéria pronta para ser votada nos próximos meses, que pode garantir mais segurança jurídica ao setor privado.

ConJur – Mais da metade das leis levadas ao crivo do STF são consideradas inconstitucionais. São mal feitas?
Rodrigo Maia — A gente também diverge das decisões do Supremo, mas respeitamos. Nós trabalhamos sempre para ouvir o STF e o STJ. Criamos agora um grupo para discutir um projeto sobre uso de dados, com o Saldanha [ministro Antonio Sadanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça]. Da mesma forma que o ministro Alexandre de Moraes (STF) comandou nosso projeto de segurança pública, aprovado nesta semana. É do sistema democrático. E cabe aos tribunais julgarem a constitucionalidade das leis. Por isso que precisamos aprimorar o diálogo, para evitar este número excessivo de leis que caem na Justiça.

ConJur –— O governo também tem editado em excesso as Medidas Provisórias, que também têm caído em excesso…
Rodrigo Maia — Eles [do governo] editam muita Medida Provisória, como quase todos os governos anteriores fizeram. Só que no primeiro semestre nos fechamos na reforma da Previdência. Agora, no segundo semestre, o governo conseguiu montar uma base melhor de diálogo com o Congresso. Caminha melhor com o ministro Ramos [general Luiz Eduardo Ramos, que tomou posse em julho como ministro da Secretaria do Governo].

ConJur  — Mas muitas MPs seguem para perder a validade, não?
Rodrigo Maia — O governo ainda tem uma base instável no Congresso, o que gera dificuldade na tramitação das MPs. Mas sempre digo ao Planalto: um projeto de lei pode levar mais tempo para ser implantado, mas é muito mais seguro que uma Medida Provisória, muitas vezes feita às pressas, fadada para ser caducada antes de qualquer análise.