Erros sobre erros

Transcrito da FOLHA DE SÃO PAULO:

MAURO PAULINO

Campanha do 2º turno está pautada por interpretação errada das pesquisas, que atribui resultado ao aborto

A DISCUSSÃO SOBRE ABORTO e as orientações das igrejas levaram a eleição para o segundo turno. Essa conclusão errada, obtida a partir de leituras superficiais de resultados de pesquisas, pauta agora o segundo turno, afasta o caso Erenice -real fator de queda de Dilma- do centro das discussões e, pela consequente exposição do assunto nos últimos dias, eleva a rejeição ao aborto à taxa mais alta em 17 anos. Este foi um entre tantos equívocos envolvendo análises e resultados das pesquisas ocorridos no primeiro turno.

Aos erros de resultados das pesquisas, fartamente expostos em todas as mídias, somaram-se outros de interpretação e de procedimentos. Erraram muitos dos que versaram sobre os erros das pesquisas. A dimensão dos desvios foi amplificada pelo despreparo técnico e prático dos que os apontaram. Houve erros primários como comparar resultados das urnas, em votos válidos, com as estimativas sobre o total de votos que incluem brancos, nulos e indecisos. Compararam-se pesquisas divulgadas na véspera da eleição, feitas antes do eleitor votar, com as de boca de urna, apuradas após a votação. Esses erros causaram distorções tão sérias quanto dos resultados que tentaram julgar.

Mas especialistas em pesquisas também se embananaram na busca do prognóstico perfeito e da consagração. E isto amplificou o clima de erro generalizado das pesquisas. Diz-se até que um livro explicando a derrota de Serra no primeiro turno estava encaminhado com uma grande editora. Para o bem das profecias o lugar de Paulo Coelho está preservado na prateleira dos magos.

Além do instituto que transformou seus números e análises em ferramentas de campanha, outros erros se sucederam. Erraram os que igualaram resultados de institutos incomparáveis para cálculos de média ou projeções acadêmicas. Erram institutos que escamoteiam erros com contas enganosas, contando como acertos resultados abaixo de 1%, cuja margem de erro é mínima. Erraram de propósito os que interromperam as divulgações de pesquisas nos estados para não terem os números comparados com as urnas. Erram os que cobram precisão numérica de pesquisas encerradas na véspera da eleição, quando ainda há indecisos.

Por imposição estatística e pelas características da votação no Brasil, as pesquisas não podem oferecer precisão. Podem oferecer nada mais do que tendências, intervalos, erros. E isto não invalida sua importância na apuração dos movimentos. Para avaliar o comportamento dos diferentes institutos com alguma eficácia bastaria, por exemplo, acrescentar ao gráfico de evolução de cada um o resultado das urnas, como se fosse uma pesquisa a mais. Se houver coerência, o instituto terá apontado as tendências corretas. Outra forma é observar se as notícias publicadas a partir dos resultados de cada instituto apontaram na direção certa na última semana de campanha.

Os erros de cada instituto serão avaliados e suas técnicas redirecionadas, de acordo com as linhas de atuação de cada um. E estas estão expostas nas sequências de resultados e nas análises. Como tudo se mistura, a conclusão é que o prestígio das pesquisas em geral sai arranhado. Mas, vale lembrar para o segundo turno o título da última análise publicada neste espaço, antes do primeiro turno, que embute a ideia tantas vezes repetida aqui: “Uma eleição sem prognóstico”.

MAURO PAULINO é diretor-geral do Datafolha