Era uma vez em Cancún

Por Demóstenes Torres, no Blog do Noblat:

A Organização das Nações Unidas (ONU) gosta de emitir previsões pessimistas sobre o aquecimento global nos dias que antecedem as cúpulas que promove. Dessa vez não foi diferente. Às vésperas da Conferência do Clima de Cancún (COP 16) – que terá início no próximo dia 29 e deverá reunir representantes de 200 países – o sub-secretário de Planejamento da ONU, Robert Orr, anunciou que o próximo relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) a ser divulgado daqui a quatro anos deve ser ainda pior.

“Praticamente tudo o que foi mostrado pelo relatório de 2007 agora se encontra numa situação mais dramática”, condição que deve se agravar caso os governos não tomem providências objetivas para frear as emissões de CO2 e para criar mecanismos de adaptação ao problema. A instituição prevê que se até 2015 as emissões não estiverem em nível aceitável, e não estarão mesmo, o custo para minimizar os danos causados pelas mudanças climáticas vai ficar cada vez mais oneroso.

Por falar em dinheiro, o tal Fundo de Adaptação prometido em Copenhague no ano passado continua praticamente como um cheque de devedor duvidoso. Dos US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos para cobrir as necessidades da próxima década, de acordo com previsão otimista da ONU, apenas US$ 450 milhões serão realmente integralizados até 2012, o que é uma balela monetária.

A esperança é que a COP 16 dê impulso financeiro à iniciativa, embora os mais realistas acreditem que a Cúpula de Cancún deva ser mais um compromisso de cumprimento de tabela, uma vez que as principais expectativas depositadas em Copenhague se frustraram, quando os líderes globais que decidem se reuniram. Vejam que o Fundo de Adaptação acaba de assinar o seu primeiro acordo para controlar erosões costeiras no Senegal. O documento teria de ser comemorado não fosse o fato de os US$ 8,6 milhões liberados equivalerem a troco de mercearia, a se considerar a magnitude do problema.

Hoje o argumento dos donatários para justificar a lentidão na liberação dos recursos é o fato de Fundo de Adaptação ser composto por 70% de países do terceiro-mundo. O que significa que o andar de baixo do planeta além de ser o recebedor da maior parte dos donativos seria também o controlador protocolar dos investimentos. De acordo com o Londres Instituto Internacional para o Ambiente e o Desenvolvimento, dos recursos que têm pingado do primeiro mundo para operar ações contra as mudanças climáticas, apenas 10% são destinados às medidas de adaptação e assim mesmo em forma de financiamento e não de subsídio.

O temor dos doadores ronda especialmente a falta de boa governança do dinheiro. Em vez de serem empregados na retenção de CO2 e na adaptação aos efeitos das mudanças do clima a exemplo de secas, enchentes e o aumento do nível do mar, os recursos poderiam engordar as contas bancárias de governantes corruptos. Quem rouba verba de merenda escolar não tem o menor escrúpulo de desviar dinheiro externo, sem ônus financeiro, e destinado a uma causa que provavelmente julga improvável.

Ainda há outro óbice político: o fluxo dos ecodólares seria expediente formidável de manutenção de ditaduras genocidas na África, por exemplo, que consideram a temporada de fome prolongada uma boa providência ao projeto de exterminação étnica. Os participantes da Cúpula de Cancún devem conversar muito, praticar o catastrofismo e tomar umas tequilas em companhia de uns mariachis até a madrugada, a contemplar o Mar do Caribe. Talvez a decisão mais importante a ser tomada seja o que fazer com o chapéu mexicano, quando os principais líderes voltarem para Tókio, Nova York e Paris.

Demóstenes Torres é procurador de Justiça e senador (DEM-GO)