Domingo da Ressurreição: Greve de professores no Amazonas

Domingo da Ressurreição: Greve de professores no Amazonas

Resurrexit sicut dixit, Aleluia, Aleluia!

Peixe no prato, farinha na cuia!

O movimento dos professores do Amazonas ressuscita com todo vigor deflagrando greve que já dura dez dias e se espalha por todo estado. Grevistas atravessam ponte de madeira em São Paulo de Olivença e panfletam de casa em casa, explicando à população que querem melhoria na qualidade de ensino. Outros desfilam em motos e bicicletas em passeata pelas ruas de Eirunepé. Pipocam manifestações em Parintins, Manaus, Tabatinga, São Gabriel, Manacapuru e outros municípios. Vigílias ocupam praças públicas dando aulas de civismo. O domingo é, simbolicamente, o da Ressurreição.

Mas este domingo cai num primeiro de abril, conhecido entre nós como o Dia do Amazonino (PDT vixe vixe). No meio de tanta mentira e pegadinha, a greve emerge como a única verdade e acende, enfim, uma luz de esperança, comprovando que nem tudo está perdido, que tem gente reivindicando, lutando, protestando. Em visita a Boa Vista do Ramos e Parintins, o governador Amazonino tentou desmobilizar a paralisação e foi vaiado estrondosamente. Revidou com truculência chamando os professores de “imbecis”. Vídeo que circula nas redes sociais recria o episódio com canções improvisadas e bastante humor.

São 15 mil professores de 599 escolas em 62 municípios com 435.291 alunos. O movimento Educadores na Luta, que reúne cinco coletivos, estima que estão sem aulas mais de 80% das escolas no interior e 90% na capital, incluindo as militarizadas. O rumo da luta será decidido em assembleia convocada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação (SINTEAM), nesta segunda (2), às 15h30, na Praça do Congresso, na capital, e em assembleias setoriais no interior, quando informes sobre as negociações definirão as estratégias de luta diante da contraproposta do governo.

Peixe no prato

Os professores da rede estadual de ensino querem oferecer a seus alunos educação de qualidade, o que é impossível nas condições atuais em que vigora salário de fome. Por isso, a pauta inicial reivindica peixe no prato e farinha na cuia, com 35% de reajuste salarial e correção do vale-alimentação, o que, se concedido, é um salário ainda inferior apenas ao auxílio-moradia que juízes recebem mesmo sendo proprietários de vários imóveis. Juiz é mais importante do que professor?

Sobre os proventos dos juízes do Amazonas, o governador Amazonino Mendes disse o que pensava há mais de dez anos em entrevista à Rádio Nova Olinda. Sobre a negociação com os professores, ele inicialmente fez jogo duro, mas acabou recuando. Na reunião quarta-feira (28) com os dirigentes do Sinteam e da Oposição/Base, representantes da Secretaria de Educação fizeram uma contraproposta de 14.57%, com 4,57% pagos imediatamente e os 10% restantes escalonados ao longo do ano. Ela foi, em princípio, rejeitada e deve ser discutida nas assembleias.

– Se o Governo conceder um reajuste maior que 14,57% aos professores estará cometendo crime de responsabilidade fiscal – declarou o secretário de educação Lourenço Braga.

Imagina! Quem conhece a história de Amazonino sabe muito bem que ele sempre se pautou rigorosamente dentro da lei, jamais cometeria qualquer crime de responsabilidade, de irresponsabilidade ou qualquer outro que envolvesse compra de votos. Não desviaria um centavo dos cofres públicos.

O crime de responsabilidade abrange ainda outros pontos da pauta em discussão que envolvem plano de saúde, transporte integral sem o desconto no contracheque, reajuste do auxílio localidade, progressões horizontais e verticais e revisão do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração.

Os professores amazonenses, indignados, romperam anos de imobilismo, desconfiança e ceticismo e foram às ruas nesta Campanha Salarial de 2018, que conseguiu unir na ação, apesar da diversidade de enfoque, a direção do Sindicato e a oposição sindical em torno de alguns pontos, entre os quais a composição do Comando de Greve, a organização de calendários de ações como arrastão cultural, rodas de conversa,  atividades com estudantes e pais, aulas públicas, além da formação de comissões para tarefas específicas como Imprensa e Divulgação destinada a alimentar a mídia e as redes sociais.

Farinha na cuia

Houve um salto qualitativo do movimento em relação ao iniciado há quase 40 anos, do qual tive o privilégio de participar ativamente. Foi no 12 de abril de 1979, uma quinta-feira santa.  Fazia um mês que José Lindoso, o novo governador do Amazonas eleito pelo voto indireto, havia tomado posse. A situação salarial do magistério se degradava. A ditadura começava a descer ladeira abaixo. Em São Paulo, os metalúrgicos faziam greve com grandes manifestações, dando exemplo aos trabalhadores em todo o Brasil.

Um grupo pequeno de professores decidiu ressuscitar a velha APPM – Associação Profissional dos Professores de Manaus, então presidida por Flaviano Guimarães tendo Freida Bittencourt como vice-presidente.  Editamos no mimeógrafo mais de mil exemplares do Boletim da APPM e distribuímos nas escolas de Manaus convocando os professores para uma reunião em plena semana santa, no salão paroquial da igreja de Educandos cedido pelo vigário Francisco Pinto. Compareceram 20 gatos pingados.

Teria sido um fracasso se, entre os presentes, não estivesse dona Waldenora, professora do Grupo Escolar Cônego Azevedo, responsável por alfabetizar centenas de crianças e adultos. Embora jamais pronunciasse um palavrão dentro da sala para não dar mal exemplo, fora da escola era uma senhora respeitável, mas saudavelmente desbocada, capaz de mandar o governador tomar no pescoço francês. Com um discurso vigoroso, ela deu uma injeção de ânimo, nos indicou o caminho, recomendando persistir.

Fizemos novas edições semanais do boletim e continuamos a distribuir nas escolas. Começaram a chegar outras pessoas às inúmeras reuniões de organização, inclusive na Casa do Trabalhador, na rua Marcilio Dias. O número de participantes crescia de uma reunião à outra.  Alguns meses depois reuníamos mais de 5 mil professores numa enorme assembleia na Quadra do Olímpico. Dona Waldenora estava lá, ela e sua indignação. Naquele ano, o movimento obteve vitórias importantes, conseguindo dialogar com o governo Lindoso que foi mais flexível que Amazonino ou Gilberto Mestrinho.

Apesar de ostentar o título de “professor”, Mestrinho reprimiu com violência os seus “colegas”, na tristemente célebre “batalha do igarapé de Manaus”, numa operação que deixa o Amazonino babando de inveja. Cerca de 3.500 homens da Polícia Militar sentaram a porrada nos professores que tentavam entregar no Palácio Rio Negro a pauta com as reivindicações. O governador demitiu 80 líderes do movimento que só foram reintegrados graças a uma greve de fome dentro da igreja de São José.  O movimento foi parcialmente vitorioso. A atual greve dos professores é herdeira dessa história que foi amplamente documentada por fotos do saudoso Rogélio Casado.

P.S. – Agradeço as fotos recentes enviadas por professores do interior para a historiadora Gleice Antônia de Oliveira, líder do movimento Educadores na Luta e elo de ligação com a memória daqueles tempos em que ainda se jogava bola no Estádio General Osório, com as irmãs Spener assistindo da janela de sua casa na avenida Epaminondas, como se fosse uma arquibancada.