Carta aberta a Ênnio Candotti

Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br e  Wilson Périco (**) wilson.perico@technicolor.com

Prezado Professor Candotti: inicialmente, cabe registrar o agradecimento de todos aqueles que reconhecemos a importância de sua presença e a relevância de sua contribuição ao desafio infinito de entender, interagir e integrar esse bioma fantástico que é a Amazônia e sua potencialidade de promover, harmonizar e humanizar as interações que se impõem na direção do bem comum. Endossamos, a propósito, sua posição sobre o papel do exercício multidisciplinar, entre os desafios da floresta e sua gente, aquele que provoca e convoca a Ciência a se reinventar e se aproximar dos mistérios e contradições do cotidiano para elevar a dignidade do cidadão. Aqui entre nós, esses desafios, de tão grandes, costumam impor o sentimento da cumplicidade fraterna, um catalizador essencial e imbatível das energias e talentos de cada um. Tem sido assim – integrando os que aqui chegam e comungam dessa tradição litúrgica – que historicamente associados em nome dos interesses da tribo, com tropeços e acertos, achamos algumas das soluções mais curiosas e determinantes que a Humanidade, sem saber a origem, adotou. Citamos algumas.

Com a descoberta do látex, o leite generoso e promissor da Hevea brasiliensis, ajudamos o mundo a ser mais asséptico com as luvas estéreis pela borracha, e a andar mais rápido, com os pneumáticos de automóveis e aviões. De quebra, diferentemente da cultura dominante que atribui a façanha aos ingleses, somos os verdadeiros inventores do futebol, o esporte bretão (?) que mobiliza o mundo e aproxima pessoas. Quem anotou a invenção foi viajante francês La Condamine, em 1744, e Jorge Tufic, poeta nativo assim a descreveu “ Da antigüidade seletiva dos tucanos, muras e cambebas?  Lembras-te, por acaso,  da bola de sernambi que estes últimos te deram, ainda em pleno século XVII, e do jogo que eles jogavam num campo sem traves e sem torcidas?”.  Pois é, caro professor, somos lépidos em juntar e lentos em intrigar! E para enfrentar a escassez dos alimentos, portanto, de energia, no ciclo de cheia das águas, além do peixe defumado e da farinha nos paneiros, e do piracuí, a farinha de peixe seco, desidratamos uma fruta lendária, “o olho de gente”,  a Paullinia cupana, a invenção do guaraná, a mesma tecnologia adotada por russos e americanos para tripular as expedições no espaço sideral. Invenções e soluções são encontradas, por aqui,  sempre em torno de uma cuia do caxiri da solidariedade pra encarar os desafios das agruras diárias e escancarar as trilhas da harmonia entre a homo e a biodiversidade em questão.

Em sua entrevista à revista Valer Cultural, do final de 2013, foram anotados alguns dos problemas que preocupam a todos nós, efetivamente, especialmente a relação perversa da União com a Hileia. A desarticulação entre a academia e a economia, anotada em sua crítica, é um divórcio que não se localiza apenas na indústria e academia local. É uma herança dos padrões e premissas da própria universidade do país, desde Coimbra, que encara Ciência aplicada como um empobrecimento da erudição acadêmica e condoreira, e mais recentemene uma instrumentalização capitalista do poder e outras distorções crônicas. Autonomia universitária se confunde, habitualmente, com a indiferença aos desafios do país afora. Não fosse assim, a Universidade estaria mais presente no suporte ao ensino fundamental e médio, onde o crescente empobrecimento no ensino de Comunicação, Aritmética e Ciência está fazendo do Brasil uma nau sem rumo. No próximo mês, as empresas que financiam a UEA, por iniciativa de suas entidades, vão celebrar um Convênio de ação compartilhada. É um começo. Sua atuação no cotidiano das pesquisas da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência pode confirma o vício dessa elitização vesga do saber. A inquietação, porém, existe e sua presença ajuda a somar, ajuda a avançar o debate e razão pela qual o acolhemos e valorizamos sua contribuição proativa. Precisamos desfazer preconceitos, desinformações, fórmulas  exógenas, imposições que espoliam e não promovem nossa gente. É preciso que o país se dê conta de sua inépcia em gerir a Amazônia e que isso só vai acontecer, a contento,  com investimento pesados em educação e qualificação técnica das novas gerações.

É nebuloso e apressado, entretanto, dizer que as “elites locais” (?) proibiram deslanchar o projeto do Centro de Biotecnologia da Amazônia, pago pelas taxas recolhidas pela Suframa junto às empresas, uma aspiração e determinação dos atores locais, contra uma disputa de vaidades entre ministérios e facções políticas inconsequentes. É procedente, e coincidente com a nossa, sua indignação contra essa insensatez que o CBA representa, e contamos com sua ajuda para equacionar essa anomalia institucional. Em agosto último, como é de seu conhecimento, as entidades da indústria chamaram mais de 35 atores, instituições, empresas, academia, incluindo empresários com representação do próprio Museu Botânico, para sugerir a gestão do CBA pela Embrapa, seus 41 anos de bionegócios,  e virar o jogo da embromação. Afirmar, porém,  que a direção das entidades – parceiros que estão integrando o belo projeto do Museu da Amazônia –  é ocupada por funcionários de terceiro escalão das indústrias, sem poder de decisão e mando, é incoerente com a nobreza de suas origens  romanas e nada agrega na luta ora travada e em ebulição. Como, também, não agrega acusar a Fucapi de desperdiçar recursos e questionar o portfólio de suas ações e a estatura moral, proativa e combativa de sua direção, professora Isa Assef. Fundada a partir das entidades de classe da indústria, há mais de três décadas, a Fucapi é reconhecida como a principal instituição tecnológica da Região Norte, por sua atuação voltada para o apoio técnico às empresas instaladas em Manaus, com laboratórios de última geração e inventividade. Se muitas empresas se limitam à montagem de partes e peças como o sr. afirma, isso escapa aos esforços dos atores locais empenhados em desenvolver com parcos recursos as novas saídas da inovação. A Fucapi é a instituição que criou a primeira escola técnica em informática do país, e tem pioneirismo de cursos de especialização em nível de graduação e pós-graduação Eletrônica Digital, Engenharia de Produção, Automação Industrial, Qualidade e Produtividade, Desenvolvimento de Recursos Humanos, Marketing, e Design Industrial e regional com  serviços de busca e registro de marcas, patentes, desenho industrial e software, entre tantos avanços que Enio Candotti, decididamente, precisa conhecer – além de se desculpar – ou colher depoimentos dos membros da Associação Brasileira de Instituições de Pesquisa Tecnológica e Inovação que a Fucapi preside. Junte-se a nós, professor, pois a luta é grande, mas o mato é maior, como diria Guimarães Rosa!