BR 319: VAMOS CONVERSAR, SEM DOGMAS, NEM PRECONCEITOS?

De início devo registrar que sou favorável a recuperação da BR-319 por razões que demonstrarei ao final deste artigo. Nos anos 70/80 andei por essa estrada, fui várias vezes à Humaitá e a conheço muito bem. Em 86, Governo Sarney, a estrada fechou por falta de manutenção que se registre é muito cara, pois foi construída em cima de várias laminas de água que com a subida e descida dos rios termina por causar desmoronamentos. Passaram-se os governos de Collor, Itamar, FHC e pouco ou quase nada foi feito para reabri-la. Na segunda metade do Governo Lula – 2005/06- e depois na sua campanha para a reeleição a recuperação da estrada foi trazida para o debate pelo então Ministro Alfredo Nascimento. Para que uma obra dessa magnitude seja realizada é necessário superar dois obstáculos: as licenças ambientais e os recursos no orçamento, mas por óbvio as licenças terão que vir antes.

O entendimento do Ministério dos Transportes era de que as licenças ambientais não seriam necessárias já que seria apenas a recuperação de uma estrada que já existia.  O Ministério do Meio Ambiente divergiu, pois a estrada estava fechada há vinte anos e não teve tráfego nesse período. Prevaleceu dentro do Governo o entendimento de que as licenças ambientais teriam que ser emitidas previamente. A Ministra era a Marina e aí se criou o dogma de que a “BR-319 não sai porque a Marina não quer”. Bem, ela deixou o Ministério em 2008 e seis anos depois continua disseminada a tese de que a estrada não sai, só porque a Marina não quer.

Vamos nos despir de dogmas e preconceitos e analisar a questão com a racionalidade que o caso requer. Uma obra de infraestrutura de mais de meio bilhão de reais sem licença ambiental não teria no outro dia uma Ação do Ministério Público Federal e uma liminar da Justiça Federal judicializando o caso, o que é fatal para qualquer empreendimento?

Quem vive o dia a dia, sabe que teria, inevitavelmente.

De lá pra cá, passaram-se seis anos, os estudos não foram concluídos no âmbito do Governo Federal e as coisas não andaram. E a culpa é da Marina?

Na sua última passagem por Manaus, perguntada sobre o tema, Marina respondeu que um empreendimento do porte da BR-319 precisa demonstrar três viabilidades: econômica, ambiental e social. E que isso, à sua época, não havia sido demonstrado.

Pronto. O mundo caiu. As manchetes pipocaram. A BR 319 não sai porque a Marina não quer.

Não foi isso que ela disse. O que ela disse foi que para viabilizar o empreendimento é necessário demonstrar as três viabilidades. Foi isso.

Vamos fazer o jogo da verdade?

Onde estão esses estudos? Alguém os viu? Onde podemos ter acesso? Ou eles, não existem? Procurei na Internet, via Google, e nada encontrei. Por favor, quem souber, informe o link.

Eu, que não sou nenhum expert em logística, tenho os meus argumentos, que obviamente não estão sistematizados, nem escritos, mas que em resumo são:

Viabilidade ambiental –  A estrada seria uma estrada parque. Nos 400 kms entre Castanho e Humaitá não poderá haver nenhuma ocupação para evitar a chamada “espinha de peixe”. Esse trecho seria vigiado permanentemente pelo Exército, sendo criado um Batalhão Ambiental com duas bases, uma em cada cidade. Como fiscais da sociedade, funcionariam ecologistas famosos que deixariam Ipanema e viriam morar no coração da Amazônia, sugiro o Victor Fasano e a Cristiane Torloni. Um vinha morar em Humaitá e o outro no Castanho. Por questões de segurança nesses 400 kms haveriam apenas cinco postos de gasolina e serviços em cada sentido e nada mais.

Viabilidade social – Romper o isolamento a que estão submetidas as populações do Amazonas e Roraima que só chegam ao resto do Brasil de barco e/ou avião.

Viabilidade econômica – Aqui não devemos, nem podemos alegar que a estrada vai servir para “escoar a produção da Zona Franca de Manaus” porque isso é absolutamente inconsistente, como mostrarei mais abaixo. A viabilidade econômica deve ser demonstrada pela integração de todo o Caribe e Venezuela ao Brasil como um todo, via BR 174, com fortes correntes de turismo, inclusive de americanos. E isso vai casar com a beleza exótica que será para um gringo andar por uma estrada que tem 400 km no meio da selva intocada.

E por que digo que não devemos usar o argumento do escoamento da produção da Zona Franca?

Por duas razões: hoje, o transporte é basicamente rodo-fluvial. Sai de Manaus através de um sistema composto de um empurrador e duas balsas acopladas que levam 70 carretas. Dois homens conduzem esse comboio pelos rios Negro, Amazonas e Madeira até Porto Velho ou rios Negro e Amazonas até Belém. E de lá por estrada até o restante do Brasil. São cerca de 15 comboios desse tipo, diariamente.

Esse trecho via Porto Velho, que pelo rio exige dois homens e o consumo de diesel para um empurrador, seriam substituídos por pelo menos 70 homens para dirigirem os cavalos mecânicos. E óbvio que o consumo de 70 cavalos é muito maior do que o de um empurrador, além do que o preço dos equipamentos é muito maior. Portanto, como é hoje, o custo é bem menor.

Esse argumento me foi relatado por um jovem economista que trabalha em uma empresa de logística. Já coloquei a inúmeras pessoas e ninguém discorda, porque ele é óbvio demais.

Esse mesmo colega, com quem conversei recentemente, agregou outra informação que me deixou boquiaberto e que colocarei aqui até para ser confrontado, se existirem outros números.

Disse ele:

– Serafim, imagina que você vai a um shopping da cidade e compra um televisor de tela plana e, em seguida, pega um taxi para levar a sua compra até a sua casa. Quando custa essa corrida de taxi?

– Não sei, mas imagino que seja R$ 15,00.

– Pois bem, você sabe quando é o custo de frete de um televisor do Distrito Industrial de Manaus para a Central de Distribuição da Casas Bahia em São Paulo?

– Não tenho a menor ideia.

– O frete de uma carreta de Manaus a São Paulo é R$ 12.000,00. Essa carreta leva, dependendo do tamanho do televisor, de 1.500 a 1.800 aparelhos. Dividindo-se 12.000 por 1.500, o resultado é de R$ 8,00 por televisor. Como é que o frete é o vilão do Distrito Industrial?

Fiquei sem resposta. E coloco isso a público para que se faça o contraditório. Alguém que trabalha no Distrito ou alguma entidade de classe contesta esse número? Os números são outros?  Quais?

Depois que essa etapa de licenciamento for superada, começará a briga pelos recursos no Orçamento da União ou financiamento interno (Caixa ou BNDES). E depois se segue a complexa licitação. Isso leva tempo.

Por último, é bom não esquecer que o nosso maior argumento para a prorrogação da Zona Franca de Manaus foi que com ela preservamos 98% da nossa floresta. Não foi isso?

Aberto ao debate.

– Atualizado às 18 horas de 26.09.2014.