Amazônia no contexto global da segurança alimentar

Alfredo MR Lopes (*)

alfredo.lopes@uol.com.br

Há uma expectativa singular e uma demanda especial de novos investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento relacionadas à segurança alimentar. Eis uma questão que – – aliada à questão climática e energética, na ótica imperativa da sustentabilidade – desafia a humanidade e pressiona o Brasil, na perspectiva de uma abordagem inteligente e racional de dois terços de seu território, a Amazônia, a responder e integrar de forma robusta a liderança deste movimento. Algumas lideranças do ambientalismo já perceberam que é impossível ignorar a questão, pela absoluta impossibilidade de isolar o país dessa atribuição. É um desafio para a inteligência planetária, e que pressiona cientistas, filósofos, economistas, sociólogos, engenheiros, agrônomos, administradores, juristas e demais profissionais e lideranças regionais e globais para dar conta da monumental empreitada. Daqui a pouco, em vez de 7, seremos 10 bilhões de pessoas no mundo para consumir alimento, além da energia subjacente. Se o país ainda não se deu conta, o mundo já considera a Amazônia como elemento essencial, isto é, necessário, nessa equação de sobrevivência. Ninguém duvide.

A hora é de focar na estruturação básica de esforços direcionados para o imperativo da produção alimentar, investindo em biotecnologia da inovação, na revolução da logística dos transportes como fizeram os ingleses para abastecer o mundo com a borracha e demais produtos da floresta, há mais de cem anos. Na diversificação dos negócios dessa fascinante empreitada, temos uma bagagem preciosa nos agronegócios, de marcos regulatórios, aqueles que já temos e os que precisamos para trabalhar, tão importantes quanto o controle de preços e de estoques. Sabemos, enfim, tudo aquilo que deu base ao bem sucedido agronegócio nacional e que mostrou ao país que este é um de seus caminhos. Não há mais porque sentir constrangimento de exportar principalmente alimentos. Como utilizar essa expertise no delicado bioma amazônico, suas várzeas, campos gerais, rios e lagos, com sua potencialidade e generosidade de recursos para assegurar a sobrevivência desta civilização?

– Na linguagem popular dessas proposições, o jargão nativo, misturar Amazônia e agronegócio, no ideário socioambiental de determinados contextos, significa cutucar onça com vara curta. Por isso, pautar essa saída de oportunidade de negócios é certeza de arrepio e indignação de preservacionistas profissionais, razão pela qual é imperativo explicitar algumas considerações e premissas. Uma delas é deixar claro que agronegócio na Amazônia não significa necessariamente o aproveitamento simples do território e suas probabilidades de negócios. Há que se adotar tecnologia de manejo, assegurar o expediente do licenciamento em áreas de comprovada fragilidade socioambiental e por aí vai, a despeito de burocratas aloprados. Os campos gerais de Humaitá e de Roraima, fronteiras naturais de atividades agrossilvopastoris, carecem de ajustes, retomada das informações consolidadas a respeito, como os estudos da Embrapa, na região, com a formulação de sistemas agroflorestais para estes biomas. Infelizmente, em plena ebulição da comunicação digital e instantânea, é restrita e seletiva a circulação desse tipo de informação.

O fato mais relevante, portanto,  de toda essa querela criada em torno da utilização de parcelas do ecossistema tropical para a produção de alimentos é que a Amazônia não poderá ignorar a demanda global de nutrientes, muito menos a abordagem da biomassa como alternativa energética, com aumento da demanda e do preço das glebas e outras especulações. O Senado do Brasil aprovou o plantio de cana-de-açúcar nas áreas degradadas e nos campos gerais da Amazônia em novembro de 2012. Isso desafia a legislação preservacionista, põe em pauta os compromissos cristalizados de sustentabilidade e os conceitos refratários e, no caso, inócuos de intocabilidade florestal. Não resta, pois, alternativa senão ordenar, pela via do conhecimento, racionalizar e otimizar pela pesquisa e inovação, o aproveitamento do bioma, assegurar padrões objetivos de sustentabilidade e constatar aquilo que o bom senso e o mercado recomendam: o melhor mecanism o de conservação ambiental é assegurar uma finalidade econômica ao bem natural.

É nesse contexto que o polo de fertilizantes e sucedâneos que se ensaia a partir da ocorrência intensiva dos insumos agrominerais na região – merece a maior e mais acurada atenção. Não fará sentido recriar na Amazônia os mesmos padrões industriais da geoquímica tradicional em vigor, posto que as opções da biodiversidade tr opical estão aí para oferecer a inclusão de polímeros e enzimas, fungos e bactérias, de comprovada eficácia no controle de pragas e aumento da produtividade e salubridade natural. E mais: no desafio da produção de proteínas a partir das fazendas aquáticas, a palavra de ordem é alcançar um padrão de qualidade na produção de ração que determine a similaridade em nutrição e sabor das espécies cultivadas em cativeiro, em relação àquelas encontradas na natureza.  O INPA promete iminentes respostas para esse desafio. O tambacu de cativeiro, que mescla o genoma do tambaqui e do pacu, ainda vai demorar para reproduzir as propriedades e irresistível sabor das espécies do extrativismo.  Em muitos casos não precisa inventar a roda das pesquisas que já foram feitas e muitas que carecem apenas de mecanismos de comprovação, ajustes e aplicação.

As instituições federais de ensino e pesquisa da Amazônia acabam de ser atingidas por medidas burocráticas que desestimulam professores e pesquisadores, profissões historicamente castigadas por politicas vesgas formuladas por burocratas desinformados e funcionalistas. Por aposentadoria ou fuga para o setor privado, eles desfalcam uma atividade essencial ao desenvolvimento integral de nossa civilização. O quadro adverso e de inquietação institucional se repete em outros centros da Amazônia onde o acervo de informação já consolidado sobre a agricultura de várzea, a economia dos campos gerais, o manejo e a produção de proteína de peixe, a pecuária bubalina e por aí vai… adormece nos escaninhos da inaceitável inconsequência de seu efetivo aproveitamento. É preciso estimular as mudanças de paradigmas e posturas em curso daqueles que se atrev em andar adiante. É inadiável repensar os programas de pós-graduação na Amazônia, onde Isolados e desprovidos de condições materiais e institucionais, os pesquisadores não irão longe. Estimulados, porém, com politicas públicas, investimentos substantivos, infraestrutura que viabilize esse casamento promissor entre ciência, inovação e desenvolvimento, o avanço será coletivo, factível, e decididamente promissor.

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta