A democracia em debate

Por José Dirceu

O Fórum Social Mundial deste ano, no Senegal, tem como foco conjuntural de suas discussões os desdobramentos da crise econômica de alcance global mais grave desde 1929 e os levantes populares que estão ameaçando pôr abaixo os regimes ditatoriais no mundo árabe. O momento permite também jogar luz sobre a democracia ocidental, para que seja analisada em detalhes, de forma crítica e independente.

É um marco decisivo para o futuro: repetiremos as velhas fórmulas ou nos aproveitaremos de um momento de rupturas econômicas, sociais e políticas para criar o novo? Tanto no campo político, como no econômico, nossa criatividade e capacidade de organização estão sendo postas à prova.

Preocupa, por exemplo, que o ditador egípcio possa arrefecer os levantes populares com uma abertura “lenta, gradual e segura”, como na transição do regime autoritário para a democracia no Brasil. Se isso acontecer, qual a chance de surgir uma coalizão híbrida, que se eximirá de apurar os crimes e revelar o papel que tiveram as potências mundiais no apoio à autocracia? Ou pior: um novo governo que isente de fazer reformas profundas no Estado egípcio? Lá, como cá, esses ainda são temas latentes sobre os governos que sucederam as ditaduras.

Por outro lado, preocupa também a ausência de lideranças capazes de unificar a oposição egípcia, num cenário que pode desembocar em conflitos internos tais quais os que prejudicaram (e prejudicam) tantas nações africanas —sobretudo as subsaarianas, por culpa da interferência dos colonizadores europeus na formação dos Estados nacionais.

A África poderia aproveitar seu potencial de produção de alimentos como solução de carências internas e alavanca para o desenvolvimento. Mas, para isso, precisa de oportunidade para construir sistemas democráticos legítimos, que preservem características locais e, ao mesmo tempo, recebam respeito dos demais países do mundo.

O mesmo respeito que as nações do Sul deveriam receber na discussão sobre as políticas macro-econômicas e de enfrentamento à crise: as potências, hoje, olham para nós e encontram bons exemplos, além de modelos de desenvolvimento nos quais o Estado é mais presente e atuante na condução do crescimento econômico com justiça social —que não prejudica os trabalhadores para dar sobrevida à especulação financeira. Exemplos que, infelizmente, não têm inspirado mudanças no primeiro mundo.

Foi pela insistência no receituário há muito superado —cujo ápice da exposição de suas fragilidades se deu durante a crise— que o Fórum Econômico Mundial, em Davos, terminou da mesma forma que começou: com nenhuma resposta aos problemas sistêmicos do capitalismo mundial.

Assim como é pela insistência das potências em impor ao planeta seus interesses geopolíticos por meio de governos de marionetes que a insurgência se faz inevitável.

Ao representar novamente a antítese desses movimentos de perpetuação de um modelo que distribui desigualdades e cerceia direitos humanos básicos, o Fórum Social Mundial encerrará sua edição de 2011 com saldo positivo. Que os novos ventos venham para varrer os velhos grilhões, sejam eles políticos, econômicos ou sociais, estejam eles na África, Oriente Médio, Europa ou EUA. Definitivamente, a reflexão sobre a democracia que queremos no século 21 passa cada vez mais pelo Fórum Social Mundial.

José Dirceu, 64, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT