Amazônia, do inventário à reinvenção

Alfredo MR Lopes (*)  

 alfredo.lopes@uol.com.br

Enquanto a classe política se agita para assegurar a própria visibilidade junto ao eleitor, vendendo a imagem de renovação que as pesquisas exigem – quase 70% dos eleitores não querem o que está aí – a polêmica da prorrogação da Zona Franca de Manaus, em seu segundo turno, por tabela, ganha um pouco mais de fôlego para, de uma vez por todas, convencer a opinião pública brasileira dos benefícios objetivos do modelo para o país e as mazelas prováveis de sua interrupção. A Suframa até lançou uma campanha publicitaria do tamanho de seus recursos e das pernas bambas de sua fragilidade institucional, mas se depara com uma pressão inominada, embora muito eficiente, de questionamento de sua continuidade e efetiva capacidade de levar adiante o exercício de suas atribuições. O bombardeio maior contra a ZFM vem de São Paulo, mais de 40% do PIB,  e de Brasília, a suíça brasileira na renda per capta, onde os ministérios, do Orçamento e da Fazenda, e parte do Desenvolvimento e de Ciência, Tecnologia e Inovação – atrelados aos interesses do Sudeste e indiferentes à redução das desigualdades regionais – franzem a testa contra os incentivos para a economia da floresta.

Em contrapartida, e atentos às instruções e exigências de compromissos eleitorais do Palácio do Planalto, alguns atores do ministério do Desenvolvimento foram obrigados a achar saídas para a Zona Franca. A qualquer preço cabe a eles cumprir a promessa da prorrogação e definir, de uma vez por todas, os capítulos elucidativos desse filme, que já virou chanchada, chamado Centro de Biotecnologia da Amazônia, e seu modelo de gestão. A rigor, e graças à inépcia de uma bancada parlamentar em sua maioria despreparada e focada em limpar as próprias fichas para o embate eleitoral, o Brasil ainda não percebeu que a ZFM – entre todos os modelos de desenvolvimento incentivados – revelou-se o mais eficaz mecanismo de redução das desigualdades regionais, de preservação da floresta, e principalmente para a geração de empregos, de quase 600 mil empregos só no Estado do Amazonas, e milhares na região e no restante do país, no transporte, comércio, segurança, publicidade, percebidos nos lares estão presentes os incisos “Produzidos na Zona Franca de Manaus”. É verdade, também, que este modelo, se quiser sobreviver, precisa adensar e interiorizar sua produção. É uma economia robusta, que desfila como terceiro maior PIB industrial do Brasil, mas se depara com o desafio de conviver com os piores índices de desenvolvimento humano em muitos municípios da região.

Há dois caminhos a trilhar, na linha da diversificação, adensamento e interiorização, na justificativa pra aquecer o debate da prorrogação: é inteligente prorrogar mas sob a condição de imprimir competitividade e, assim, reduzir paulatinamente a dependência da compensação tributária nos próximos anos, usando parte da riqueza gerada pelo modelo para enfrentar os gargalos de infraestrutura que podem aniquilá-lo. E, nessa plataforma de prorrogação,  acelerar a formulação de novas matrizes econômicas, por meio da articulação regional e nacional sem delongas. Com essas premissas, e na busca de novos caminhos, será imperativo retirar a economia da ZFM da condição de apêndice para inscrevê-la no sumário da política industrial nacional. Dadas as vocações naturais da biodiversidade amazônica, e para adensar o modelo industrial atual, é hora de diversificar e reinventar as cadeias produtivas de bioenergia, fitoterápicos, aquicultura, resinas, nutracêutica… Basta, porém, do inventário de saber estéril! Urge articular os centros regionais e nacionais de pesquisa, para fazer do inventário florestal a indústria do conhecimento e do desenvolvimento inteligente. É hora de revisitar o INPA, Embrapa, Museu Emílio Goeldi, Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Butantã, Agronômico de Campinas, ESALQ, USP, UNICAMP, parceiros da Costa Rica e países vizinhos… entre tantos que já atuam na região ou têm pesquisas relacionadas à integração continental dos biomas. Ou haverá outra forma de reconhecer e respeitar a economia da ZFM como elo de uma cadeia industrial, ambiental, e de pesquisa e desenvolvimento do e para o Brasil?

(*) Alfredo é filósofo e ensaísta.